Pesquisa da UFF investiga vulnerabilidade social vivida por jovens infratores

Crédito da fotografia: 
MPRJ e UFF

A criminalidade entre jovens é um tema recorrente nos debates sobre segurança pública no Brasil. Mais de 117 mil adolescentes cumprem medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, de acordo com a Pesquisa Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, realizada em 2018. Somam-se a esse número os 26 mil jovens vinculados às medidas de semiliberdade e internação estrita, que escancaram a problemática presente na sociedade brasileira.

Visando entender o que leva um menor de idade a cometer infrações, foi desenvolvido o estudo “Trajetórias de vida e escolar de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social acusados de cometimento de ato infracional”, pelo professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Elionaldo Fernandes Julião. O docente, que trabalha com educação há mais de 25 anos, explica a trajetória da pesquisa desde sua origem até o momento atual. “Com o objetivo de contribuir no debate sobre educação, justiça, direitos humanos, violência, criminalidade, delinquência juvenil, e políticas de restrição e privação de liberdade, em 2012 foi criado o Grupo de Trabalho e Estudos sobre Políticas de Restrição e Privação de Liberdade no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, reunindo profissionais e pesquisadores de diversas instituições do estado Rio de Janeiro. Em 2016, o grupo integrou a terceira edição de uma pesquisa internacional coordenada pela Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade Northeastern – Estados Unidos da América. Nesta última edição, dentre os 36 países integrantes, pela primeira vez o Brasil se inseriu de forma inédita”, afirma.

A partir da entrada no cenário acadêmico internacional, a pesquisa contou com o apoio da FAPERJ através do auxílio Programa Jovem Cientista do Nosso Estado. A primeira etapa da pesquisa foi realizada com alunos do 7º, 8º e 9º anos das redes municipais de educação de Duque de Caxias, Itaguaí, Mangaratiba e Angra dos Reis, assim como no Sistema Socioeducativo do estado do Rio de Janeiro, buscando analisar elementos nas trajetórias de vida e escolar e nas práticas dos jovens que sejam possíveis pistas para a compreensão do ato infracional. Na etapa seguinte, que teve início em 2019, a pesquisa conseguiu, através de um convênio entre a universidade e o Ministério Público do Rio de Janeiro, analisar entrevistas realizadas pelos Promotores Públicos das 1ª a 4ª Promotorias de Justiça da Infância e Juventude da Capital, a partir das oitivas informais (audição das testemunhas ou daqueles que se encontram envolvidos no processo que está sendo julgado) dos adolescentes em conflito com a lei (liberados e apreendidos), acusados de cometimento de ato infracional. Além disso, também foram realizados cursos de capacitação para profissionais que atuam com os adolescentes e jovens acusados e em cumprimento de medidas socioeducativas.

Os resultados alcançados a partir dessas ações impactaram o docente. “Aplicamos um questionário com os adolescentes que estavam em cumprimento de medidas socioeducativas e nas escolas. Foi surpreendente, porque muitas das questões que estavam sendo apresentadas pelos jovens fora da escola eram as mesmas que apareciam também para os adolescentes que cometeram infrações. O formulário perguntava, por exemplo, se eles tinham em algum momento visto alguém morto, e uma menina de 12 anos de uma das escolas nos impactou, pois ela levantou a mão e perguntou ‘quantas pessoas?’. Ela não soube quantificar, informou que foram muitas. Ou seja, a gente começa a perceber que eram as mesmas informações nesses dois cenários e grupos. Existe um limite muito tênue entre esses adolescentes. Então começamos a trabalhar dentro de uma perspectiva de que os estudos de trajetórias têm que olhar e identificar o perfil do jovem, diferentemente de como ocorre em muitos levantamentos sobre violência no Brasil. São importantes pesquisas desenvolvidas, com uma série de informações, mas elas são fotografias distantes; a gente não consegue entender quem são esses sujeitos. É preciso conversar com eles, no sentido de que eu preciso entender como é que essas trajetórias foram construídas até chegar naquele determinado momento”, informa.

Além disso, outro resultado da pesquisa é que, sobre o perfil dos jovens entrevistados, a maioria é do sexo masculino (97%); negro (76,2%); está na faixa etária entre 15 e 17 anos (70%); não concluiu o Ensino Fundamental (91,3%); possui renda familiar de 1 a 3 salários mínimos (34%); 71,6% moram em região de conflito armado (entre policiais, traficantes e facções). Através destes dados, podemos evidenciar que os jovens que cometeram atos infracionais são os sujeitos mais vulneráveis socialmente no Brasil: jovens, homens, negros, pobres, pouco escolarizados e que começaram a trabalhar muito cedo. “Durante o curso de capacitação realizado com promotores públicos, ao apresentar essas informações, um deles afirmou que os dados não eram verdadeiros, pois passaram por ele muitos brancos de classe média. Ele não entendeu qual era a questão, porque esse recorte é dos adolescentes que tinham sido de fato sentenciados, e ele estava se referindo à conversa realizada antes da sentença. A pesquisa demonstra que somente os pretos e pobres vão para o sistema socioeducativo, enquanto os outros são liberados. Com base nesses dados, a gente começou a levantar uma série de outras questões, inclusive mostrando que os adolescentes citados pelo promotor muitas vezes não são aprendidos, eles vão pra delegacia, os pais comparecem e eles voltam para casa”, afirmou o docente.

Tabela de exposição à violência sofrida pelos jovens infratores.

Por fim, o professor acredita no potencial do estudo para contribuir na implementação de políticas públicas que tenham como escopo prevenir o envolvimento na prática de atos infracionais e executar as medidas legais educativas e de responsabilização deste grupo. “É preciso compreender a complexidade de ser jovem na sociedade contemporânea, principalmente das interseccionalidades vivenciadas pelos jovens das classes populares que, ao mesmo tempo, são vítimas, vulneráveis e autores da violência. A partir do estudo, esperamos contribuir para a formulação e implementação de políticas públicas mais eficazes para crianças, adolescentes e jovens no estado do Rio de Janeiro, e subsidiando o debate dos profissionais dos sistemas de justiça e de garantias de direitos sobre a prevenção ao delito juvenil”, finaliza.

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