No mês de prevenção ao suicídio, psiquiatra da UFF lança discussão sobre a saúde mental na pandemia

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Desde 2014, setembro é também conhecido como o mês “amarelo”. A cor é símbolo de uma campanha nacional de prevenção ao suicídio organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina. De acordo com dados do site oficial da campanha, todos os anos são registrados mais de 13 mil suicídios no país e mais de um milhão no mundo, sendo que cerca de 96,8% dos casos estão relacionados a transtornos mentais: em primeiro lugar, a depressão, seguida pelo transtorno bipolar e pelo abuso de substâncias psicoativas.

Em meio à maior pandemia do século, que impactou a saúde mental de milhares de pessoas em todo o mundo, agravando quadros de depressão, ansiedade, entre outros transtornos direta e indiretamente ligados ao suicídio, falar sobre o tema se tornou inadiável. De acordo com o psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Jairo Werner, a “pandemia” no campo da saúde mental também é realidade.

“Felizmente, tem se reconhecido, cada vez mais, a importância de abordamos os problemas psicológicos sem preconceito. Muitos estudos têm apontado um aumento significativo de casos de transtornos de ansiedade e depressão na população em geral e em grupos específicos, como adolescentes/jovens, profissionais de educação e saúde, elevando, inclusive, o risco de suicídio”, destaca o psiquiatra.

Jairo afirma que durante todo o período de quarentena, o ambulatório de psiquiatria infantil e saúde mental da juventude da Faculdade de Medicina recebeu muitos casos de adolescentes com tentativas de suicídio e autolesão. “Ao longo do ano passado e também desse, tivemos que manter assistência emergencial para nossa clientela, com oficinas e consultas protegidas”, enfatiza.

De acordo com o médico, lidar com uma situação tão delicada exige podermos desmistificar não só o tema especificamente do suicídio, mas o da própria saúde mental, ainda envolto em inúmeros estigmas e falta de informação. Os muitos sintomas de sofrimento psíquico da população, no entanto, não parecem deixar dúvidas quanto à urgência de se naturalizar a discussão e de se dar um contorno social ao problema por meio de soluções práticas e efetivas.

Segundo Jairo, essas inegáveis marcas deixadas pela pandemia estão relacionadas em grande parte às muitas mudanças abruptas que acompanharam o momento. Ele explica que o isolamento social colocou em xeque algumas das maiores convicções que tínhamos a respeito da realidade nos mais diversos âmbitos da vida e nos lançou frente a muitas indefinições de uma só vez: “A única certeza é que nada será como antes. De modo semelhante à situação instalada pelo coronavírus, no projeto de pesquisa que coordeno (‘Saúde mental no isolamento Antártico’), fica evidente que precisamos aprender a lidar com as incertezas e a tensão frente aos três dilemas humanos universais: o relacionamento pessoal, a soberania da natureza e a fragilidade de nossos corpos”. 

Saúde mental e as incertezas no retorno ao “normal”

No atual momento da pandemia, por exemplo, muitas dúvidas têm marcado as experiências de retorno às atividades presenciais. Recentemente, se cunhou até mesmo um novo termo para denominar o quadro sintomatológico que tem acometido as pessoas na retomada de suas rotinas pré-pandemia. Para Jairo, o fenômeno que por trás do que atualmente está sendo chamado de FORTO (FEAR OF RETURNING TO THE OFFICE), ou “medo de voltar ao escritório”, são estados ansiogênicos. Segundo o psiquiatra, os sintomas de ansiedade têm emergido em muitas dessas situações de retorno à rotina laboral, fora do espaço da casa, podendo inclusive se manifestar sob a forma de “crises de pânico”, com falta de ar e taquicardia.

“O retorno presencial tem gerado um desafio adicional às relações: ‘como eu vou lidar com o outro em situações híbridas, incertas, indefinidas e restritas?’ De certa forma, estamos diante de sentimentos contraditórios: o desejo de voltar à normalidade e o receio de ter que enfrentar um novo processo de adaptação. Depois desse longo período de afastamento social, a dúvida é se eu vou ‘me reajustar à convivência no escritório’ ou ‘me sentir bem diante das aulas presenciais’, tendo ainda que encarar o trânsito caótico e o medo de ser assaltado ao voltar para casa, sem falar no medo do COVID-19, ainda presente entre nós”.

O psiquiatra explica que essa volta ao “normal” não pode ser encarada como um mero retorno ao passado: “nem eu e nem o outro voltaremos a ser como antes, pois o tempo passou e todos se transformaram. O risco é ficarmos presos à nostalgia do passado e fantasiarmos de encontrar tudo do jeito que deixamos: coisas, pessoas, escola e trabalho”, enfatiza. 

Jairo acrescenta a importância de lutarmos, como indivíduos e como sociedade, por políticas públicas que garantam o acesso da população a serviços públicos de qualidade, reduzindo fatores de risco para a saúde física e mental que foram agravados pela pandemia, tais como a utilização de substâncias psicoativas, de medicamentos inadequados, assim como problemas de sono, sedentarismo, excesso de telas, entre outros.

“A sociedade precisa envolver a todos, especialmente os mais jovens, nas causas sociais, na luta pela paz e na preservação do nosso planeta. Também é muito importante não perdermos a conexão espiritual coletiva, evitando o isolamento dentro do isolamento. O individualismo não faz bem para nossa saúde mental! O nosso desafio maior como sociedade será combater a falta de perspectiva e propósito de vida que assola principalmente os mais jovens. Nessa direção, a UFF e as outras universidades devem ser geradoras de esperança para essa população”, finaliza.

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