UFF debate os desafios da pesquisa na Universidade

“A Voz da Pesquisa” é uma iniciativa da UFF, através da Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (Proppi), que tem por objetivo ouvir os pesquisadores da universidade, por meio de reuniões e palestras com o intuito de debater e criar soluções para os problemas enfrentados por esses profissionais ao desenvolverem seus projetos. A primeira reunião, realizada em setembro, contou com a presença de pesquisadores da instituição e foi mediada pelo coordenador de pesquisa, Walter Lilenbaum.

Ao longo do encontro foram apontadas questões como a valorização do pesquisador na universidade e a insatisfação dos participantes quanto à aquisição de equipamentos. Outro ponto abordado foi em relação ao desempenho da UFF na disputa de editais das agências de fomento como Faperj, Capes ou CNPQ. Na ocasião, o coordenador ressaltou a necessidade de institucionalização da pesquisa e o baixo número de docentes pesquisadores como os maiores entraves a serem solucionados. No final do evento, o grupo decidiu criar um programa de valorização da pesquisa como solução para os problemas apontados.

Na opinião do pró-reitor de pesquisa, Roberto Kant, o primeiro passo na direção da solução das questões apresentadas no encontro é a criação de um Diretório de Pesquisa. “O objetivo é dar visibilidade tanto à pesquisa quanto ao pesquisador”, ressalta. Já em relação à gestão de projetos, desafio que envolve recursos humanos e financeiros, ele ressalta a importância do CNPQ e da Fapesp no processo. “As agências de fomento vêm criando reservas técnicas que podem ser usadas em grandes projetos, mas há necessidade de consultoria também no caso daqueles de pequeno e médio porte”, conclui.

Na entrevista a seguir, Lilenbaum explica com detalhes a iniciativa de se ouvir os pesquisadores, o que pode e o que está sendo feito para melhorar o ambiente da pesquisa da UFF, além de informar como funcionará o programa de valorização.

O que motivou a criação do “A Voz da Pesquisa”?

Durante muito tempo nós [da Proppi] entendemos que ambiente de pesquisa está para além das questões financeiras. Claro que a verba é muito importante, até porque em algumas áreas a pesquisa é mais cara que em outras. Porém, existem questões burocráticas e documentais que podemos melhorar aqui dentro da nossa universidade. A UFF vem crescendo muito em termos de pós-graduação e pesquisa. Observando isso, a atual gestão da Proppi sentiu necessidade de regulamentar um pouco melhor esse ambiente. Quando falamos em regulamentação, os professores pensam que a vida deles vai ficar mais complicada, com mais formulários para preencher, por exemplo. No entanto, é o inverso, nossa intenção é simplificar e institucionalizar o processo. Quanto mais institucional for o processo mais resguardada está a universidade e o pesquisador.

A ideia da institucionalização já está sendo colocada em prática?

Existe um programa na UFF, pioneiro no país, que é o Programa de Gerenciamento de Laboratórios Multiusuários (Progem), em que a universidade estabelece critérios para reconhecê-lo como um laboratório em que os equipamentos podem ser manuseados por pesquisadores de áreas afins. A iniciativa multiplica o uso dos equipamentos caros e complexos e permite o acesso a grupos de pesquisa emergentes. O uso não fica na base da camaradagem, passa a não ser uma questão de ‘eu conheço você e vou fazer um favor’. O processo passa a ser institucional, em que o usuário tem um acesso mais oficial ao laboratório.

O cadastro é simples?

O laboratório tem que estar cadastrado na página do Progem e atender a todas as exigências da Proppi. Além disso, ele tem que criar um site disponibilizando as regras de uso, porque o fato de ser multiusuário não quer dizer que é de livre acesso. Depois de atender às exigências do regulamento e disponibilizar as regras, o laboratório é reconhecido pela Proppi e passa a ter acesso às verbas e à regulamentação da pró-reitoria.

É fácil para o usuário se cadastrar na página e utilizar os equipamentos?

É simples, basta entrar na página do Progem, que vai ter disponibilizada uma lista com todos os pesquisadores e laboratórios multiusuários, com todos os equipamentos e regulamentos disponíveis. Para o pesquisador, é interessante ter um laboratório nesses moldes, porque como ele se coloca como multiusuário, ele passa a ter acesso a verbas de projetos institucionais, reconhecimento da universidade e um certificado da pró-reitoria atestando que o laboratório cumpre com as exigências. A emissão do certificado aumenta a chance de sucesso na captação de verba para um projeto de uma agência de fomento como a Faperj, Finep ou CNPQ.

Qual é o objetivo do projeto “A Voz Da Pesquisa”?

A reunião “A Voz da Pesquisa” surgiu de um entendimento de que temos ideias de quais são os problemas e sugestões dentro do ambiente de pesquisa na universidade, mas temos que ouvir o pesquisador também. A primeira reunião teve como objetivo dar voz ao pesquisador da UFF, desde o mais sênior até o mais emergente, tanto da sede, em Niterói, como também de outras unidades, na tentativa de entender quais são as reivindicações e sugestões. Surgiram alguns apontamentos interessantes, que serão trabalhados, mas não será um projeto de curto prazo, já que trabalhar com regulamentação é complexo.

Qual é o maior desafio no campo da pesquisa na UFF?

Não existe uma tradição poderosa de longa data de pesquisa na nossa universidade. Foram nos anos mais recentes que a UFF fez a escolha de ser uma universidade plena, que inclui obrigatoriamente a geração de conhecimento, ou seja, a pesquisa científica. Percebemos hoje em dia que temos nomes e grupos de sucesso, laboratórios produtivos, mas a maior parte do êxito é fruto de uma história individual e não institucional. São conquistas alcançadas por pesquisadores que se relacionaram com outras instituições e conseguiram, apesar das dificuldades, fazer uma bela carreira. Aplaudimos esses pesquisadores, mas queremos um ambiente institucional que não seja tão dependente da iniciativa individual.

Ao final da reunião, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) para a criação de um programa de valorização do pesquisador. Como será a atuação do GT?

Penso numa ação multifatorial, sem sombra de dúvidas. Precisamos criar boas condições para o pesquisador e ao mesmo tempo divulgar melhor seu papel dentro da universidade. Muitos docentes ainda entendem que a pesquisa é um luxo ou que o pesquisador a desenvolve por ego próprio na intenção de melhorar o currículo, quando na realidade essa é uma função da universidade. A intenção da Proppi é deixar claro que pesquisa não é uma atividade suplementar, mas sim uma atividade essencial. Para que isso aconteça, vamos propor ciclos de palestras, convidar colegas de outras universidades mais avançadas para relatar sua experiência, entre outras ações. O programa de valorização da pesquisa dentro da UFF está sendo elaborado. Observe que falei da pesquisa e não do pesquisador, a pesquisa enquanto atividade institucional precisa fazer parte da UFF.

Durante o encontro você divulgou o percentual de que 7,7% dos docentes da universidade são bolsista de produtividade do CNPQ enquanto a UFRJ tem 20%. Quais são as propostas para reverter o quadro?

Ser bolsista de produtividade do CNPQ requer uma carreira sólida e a agência não tem criado novas vagas, então é uma seleção bastante rigorosa. Eu apresentei esses números para poder ter um padrão objetivo, já que ser bolsista de produtividade é um dos quesitos de qualidade reconhecidos. Existe também o critério do número de bolsas de Cientista Nosso Estado e Jovem Cientista Nosso Estado da Faperj. A taxa de sucesso nos editais do CNPQ, Faperj e Finep também consta como critério de reconhecimento de qualidade. Na verdade, o número vem nos mostrar que ainda existe um longo trabalho a ser feito.

Como são os resultados dos editais das agências de fomento?

Quando analisamos os nossos resultados nos editais da Faperj nos últimos anos, os mais simples, onde podem trabalhar os grupos emergentes, jovens pesquisadores, vamos bem. Quando começamos a trabalhar nos editais mais robustos, que envolvem valores maiores e exigem equipes mais organizadas, com pesquisadores seniores, não vamos tão bem. Nosso maior desafio é pegar esse grupo de jovens pesquisadores, que na sua maioria ingressou na universidade nos últimos 10 anos, e não os deixar desanimar. Temos que criar condições para que esses resultados que obtemos com esse grupo num intervalo de cinco a dez anos venham a dar frutos, para que eles entrem para a categoria sênior e não desistam no meio do caminho.

Uma reclamação coletiva na primeira reunião foi a questão da aquisição dos equipamentos serem vinculadas ao CPF do pesquisador. Vocês pretendem debater melhor esse entrave?

É uma questão sensível, mas a solução não passa por nós [coordenação de pesquisa]. Esse debate já aconteceu algumas vezes com a Faperj e parece que é uma exigência do Tribunal de Contas. De fato, hoje, a Faperj e o CNPQ depositam na conta corrente do pesquisador, mesmo sendo uma conta corrente criada especificamente para esse fim, mas a verba vem no CPF do pesquisador e isso é muito delicado. Esse desconforto não é de hoje. O problema já foi levado algumas vezes às agências de fomento que nunca nos apresentaram outra opção. No entanto, existe uma alternativa do CNPQ, que é o cartão pesquisa, em que o depósito é feito em uma conta geral e o pesquisador tem o direito a acessar um determinado valor com seu cartão pesquisa. Embora não seja perfeito, demonstra um avanço. No entanto, a iniciativa começou pelo CNPQ e não foi adotada por outras agências, como Faperj ou Capes.

Não seria esse o motivo que os impede de iniciar ou até mesmo de abandonar a pesquisa?

É um dos motivos, mas não creio que seja o mais importante. Como a pesquisa é individualizada, as agências de fomento utilizam o indivíduo pesquisador. Quanto mais institucional for a pesquisa, mais institucional será a administração dos recursos, mas esse processo de institucionalização não é rápido.

Qual é o balanço da primeira reunião?

A primeira reunião foi muito produtiva. Estávamos com problemas no newsletter da Proppi, que agora foi solucionado e não tenho certeza se o nosso chamado chegou a todos os pesquisadores. Um ponto que poderia melhorar para a próxima vez seria uma divulgação mais direcionada. Esperava mais colegas na reunião. Por outro lado, os que participaram, contribuíram com forte senso crítico e com excelentes sugestões. Sinto claramente um movimento de valorização de pesquisa na universidade ser criado e tomar forma. O objetivo é mostrar que a pesquisa deve ser encarada como uma atividade rotineira e exercida por um grande número de docentes.

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