Pesquisa da UFF busca fortalecer redes institucionais de apoio aos jovens envolvidos com o sistema de justiça

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Desemprego, fome, baixa escolaridade, violência doméstica e estatal, discriminação. Essas são algumas das características que definem a vida cotidiana dos jovens envolvidos com o sistema de justiça no país, em especial por questões ligadas ao tráfico e uso de drogas. Vistos muitas vezes como “criminosos”, tais jovens, de quem ostensivamente nos “defendemos” em sociedade, são marcados por dezenas de ações de repressão, detenção e monitoramento ao longo de suas vidas; muitas delas, malsucedidas em seus propósitos.

Na contramão dessa leitura estigmatizadora da realidade, docentes da Universidade Federal Fluminense, sob a coordenação do professor do Departamento de Segurança Pública, Frederico Policarpo, e com a vice-coordenação da professora da Pós-graduação em Antropologia Lucía Eilbaum, desenvolveram o projeto “Conflitos, drogas e violência: diálogos entre universidade e sociedade pela garantia de acesso aos serviços públicos e pelo fortalecimento de redes institucionais”, a partir de um edital de 2020 do Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA), fruto de uma parceria entre a Prefeitura de Niterói e a UFF.

De acordo com o reitor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, o PDPA é referência para muitos outros municípios do estado do Rio de Janeiro e do país, com a união do conhecimento científico e tecnológico ao poder público, em benefício do cidadão. “O projeto coordenado pelo professor Frederico é um ótimo exemplo dentro do programa, que aborda temas viscerais para a nossa transformação numa sociedade mais justa e igualitária”, destaca.

O projeto tem como intuito, por meio de uma abordagem mais abrangente sobre o problema, que inclui a natureza dos conflitos com os quais esses jovens estão envolvidos, contribuir para a elaboração de políticas públicas altamente complexas, dirigidas a eles. De acordo com o coordenador da iniciativa, que visa uma transformação mais substancial do cenário de desamparo e violência ao qual esses indivíduos pertencem, busca-se “ampliar o acesso aos serviços públicos e fortalecer redes entre diferentes órgãos, com a criação de alternativas de atividades para eles, por meio do conhecimento que a universidade produz em relação à mediação de conflitos e, sobretudo, colocando o espaço universitário à disposição para realização dessas ações”.

Para isso, pretende-se estabelecer uma série de atividades entre a escola, a UFF e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), por meio do Programa de Administração de Conflitos (PACon), que possui três subprogramas interligados. O primeiro subprograma consiste na criação de Laboratórios Escolares de Pesquisa (LEP) na rede de ensino público; o segundo é o Núcleo de Criação de Redes Institucionais de Assistência (NuCria), e o terceiro é a Cartilha Virtual de Administração de Conflitos sobre Drogas (CASD).

O coordenador explica que, para alcançar esse objetivo, iniciou-se o trabalho de campo nos dois CREAS de Niterói, por meio da interlocução com as coordenações e entrevistas de diferentes membros das equipes. “Na prática, o projeto funciona a partir do estabelecimento da interlocução com os atores que participam da rede assistencial e de proteção aos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. Precisamos compreender, primeiro, como essa rede funciona para então, em conjunto com os atores responsáveis, elaborar as atividades do PACon”, destaca.

Além das entrevistas com membros das equipes do CREAS Largo da Batalha e Centro, também já foram entrevistados representantes do judiciário, do Conselho Tutelar e da escola. Segundo Frederico Policarpo, “com os dados de nosso trabalho de campo e das entrevistas até aqui, já começamos a elaborar um diagnóstico parcial sobre o funcionamento da rede de proteção aos jovens no município. O fluxo dos documentos e suas temporalidades entre as instituições; os impactos da pandemia no cumprimento de medidas socioeducativas, a relação com o judiciário; as escolas e os equipamentos de assistência social são alguns dos principais pontos abordados nesse diagnóstico preliminar que está sendo elaborado”.

Para o docente, a importância de se desenvolver um projeto como esse, por meio de grupos de estudo e rodas de conversa compostas por pesquisadores da universidade, socioeducandos, educadores e outros profissionais institucionalmente envolvidos nos processos de socioeducação, é o desenvolvimento de formas inovadoras de interação entre estes diferentes atores, nos espaços das escolas, do CREAS e da universidade. “Pensamos que o que estes meios inovadoras permitem produzir são espaços de expressão e discussão sobre as formas de administração de conflitos. Espaços que possam ser igualitários, de experimentação democrática, e motivados por interesses em articulação”, sublinha.

A professora Lucía Eilbaum complementa dizendo que “essa articulação busca colocar em diálogo saberes e experiências distintas de técnicos, secretários, coordenadores, juízes, promotores, assistentes sociais, psicólogos, professores e diretores de escolas, e nós, enquanto pesquisadores, em uma conversa comum em torno de políticas públicas e medidas que promovam o reconhecimento dos jovens enquanto sujeitos de direitos. Nesse sentido, busca principalmente articular espaços de escuta, diálogo e reflexão dos adolescentes sobre o que eles querem, precisam, acham possível, viável e desejável para suas existências, rotineiramente vulnerabilizadas por políticas de repressão, controle e/ou tutela”.

Frederico conclui afirmando que, “da parte dos socioeducandos, essas formas inovadoras de interação irão permitir que se acostumem a se expressar e colocar suas demandas, a ouvir as demandas de outros atores, tendo quem os ouça e com eles interaja, não pela imposição de ‘verdades’, mas pelo aprendizado da produção de consensos. Do ponto de vista dos pesquisadores, a própria produção deste espaço configura um campo de estudos para a produção do conhecimento acadêmico. Já do ponto de vista dos profissionais da educação, da socioeducação e da justiça, este pode ser um espaço para a criação de redes institucionais e produção de consensos e previsibilidades para a administração dos conflitos”.

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