Folhas de ipê ajudam no monitoramento das emissões de combustíveis fósseis no estado do Rio de Janeiro

Crédito da fotografia: 
Pixabay
Os maiores índices de poluição foram constatados ao redor da Baía de Guanabara, dentro da área metropolitana do estado, em bairros do centro do Rio (associados à área empresarial), zona norte, Duque de Caxias, Niterói, São Gonçalo e Nova Friburgo.

A emissão de poluentes, oriundos da queima de combustíveis fósseis, e o aumento de gases do efeito estufa na atmosfera acendem um alerta tanto para o clima quanto para a saúde do ser humano. Com o intuito de verificar essas emissões, a Universidade Federal Fluminense (UFF) desenvolve um projeto de monitoramento de combustíveis fósseis no estado do Rio de Janeiro. A iniciativa permite identificar a qualidade do ar em determinadas regiões, assim como também colaborar para a criação de políticas que diminuam essas emissões.  

Os combustíveis fósseis (carvão mineral, gás natural e petróleo) são compostos formados através de processos naturais; por exemplo, a decomposição de organismos mortos. Essas substâncias contêm alta quantidade de carbono e são matéria-prima para a produção de energia. A queima de combustíveis fósseis libera gases poluentes na atmosfera, como o dióxido de carbono (CO₂), o monóxido de carbono (CO) e outros poluentes. A emissão desses gases resulta na poluição atmosférica, ocasionando danos ao meio ambiente e à saúde dos indivíduos.  

Antes da era pré-industrial, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera estavam em torno de 280 ppm, unidade de medida usada para quantificar as moléculas de dióxido de carbono em relação às outras moléculas presentes na atmosfera. De acordo com dados da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), os níveis de dióxido de carbono na atmosfera estão se aproximando dos 420 ppm. O aumento do valor está ligado, principalmente, à queima de combustíveis fósseis provenientes das ações humanas. Caso esse valor não diminua, geram-se consequências como o aumento do nível do mar e a acidificação dos oceanos. Nesse sentido, as grandes cidades contribuem para as trocas de carbono do ambiente e para o aquecimento global. Elas são responsáveis pela emissão de poluentes através das indústrias, dos transportes e da densa ocupação populacional.

Para fazer frente a essa realidade, o projeto, iniciado em 2014 pela Fabiana M. de Oliveira, docente do Instituto de Química da UFF e uma das coordenadoras do Laboratório de Radiocarbono (LAC-UFF), busca monitorar as emissões e contribuir para a elaboração de estratégias de mitigação dessas poluições. A carência de dados detalhados em relatórios governamentais sobre as emissões de CO₂ no estado do Rio, como o SEEG-Brasil (Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa) e o GEE (Centro de Estudos Integrados sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente), demonstra a relevância dessa iniciativa. Além disso, ainda são poucas as análises utilizando o radiocarbono como marcador dessas emissões no Brasil. 

Inicialmente, folhas de ipê de áreas urbanas e rurais do estado foram analisadas no estudo. O ipê é uma planta decídua, ou seja, perde suas folhas anualmente. Logo, a reunião dessas amostras possibilita o registro anual da troca de carbono entre a planta e a atmosfera. A utilização do carbono 14 (radiocarbono; isótopo radioativo assimilado pelas plantas através da fotossíntese) como marcador possibilita verificar a variação de carbono ao longo do tempo. Sendo assim, é possível identificar os locais onde há maior e menor emissão de combustíveis fósseis. "Nós divulgamos, através de um estudo realizado durante o meu doutorado, o mapeamento dos lugares com maior e menor emissão de combustíveis fósseis no estado do Rio de Janeiro, por meio da análise de carbono 14 em folhas de ipê. Esses resultados foram o start para começarmos a desenvolver o monitoramento em outras matrizes", comenta Fabiana M. de Oliveira.

O estudo, resultado do doutorado sanduíche da docente na Universidade da Califórnia, compara locais com muita poluição atmosférica com outros onde o ar é mais limpo. Ele aponta a energia como a principal causa da emissão de dióxido de carbono no estado. De acordo com o estudo, a energia corresponde a dois terços das emissões totais de CO₂, sendo que a produção de combustíveis fósseis, o transporte e a geração de energia elétrica estão entre as maiores parcelas desse valor. Além disso, as investigações mostram áreas com maiores índices de emissão de dióxido de carbono: Vale do Paraíba, Região Serrana e entorno da Baía de Guanabara, em que a densidade populacional e o tráfego são maiores. “Nós registramos a região metropolitana do Rio de Janeiro e alguns locais mais específicos com maiores contribuições para essas emissões. Por exemplo, Resende, por causa das indústrias. Também vimos que o local onde coletamos as folhas em Nova Friburgo, em um primeiro momento, apresentou sinal característico de emissão fóssil. Isso ocorreu porque realizamos a coleta em um lugar próximo a uma fábrica de cimento. Nesse caso, a fábrica estava contribuindo negativamente para essa quantidade de combustíveis fósseis detectada”, destaca Fabiana M. de Oliveira.

Os níveis mais baixos de CO₂, provenientes da emissão de combustíveis fósseis, foram constatados no noroeste e na região dos lagos, lugares dominados por atividades agrícolas e turísticas. O estudo ressalta ainda que as regiões vizinhas dos estados de São Paulo e Minas Gerais (Vale do Paraíba e Juiz de Fora) podem ser responsáveis pelos altos índices de emissão de CO₂ observados no Vale do Paraíba e na Região Serrana do Rio de Janeiro, devido aos fluxos de ar regionais. As regiões de Petrópolis e Itatiaia foram identificadas como locais de atmosfera mais limpa. 

Legenda: O mapa representa as regiões contempladas pelo estudo. Os pontos são os locais de coleta das amostras de folhas de ipê. As regiões vermelhas apresentam maior emissão de combustíveis fósseis, enquanto as regiões verdes são os lugares com menor emissão de poluentes. Os maiores índices de poluição foram constatados ao redor da Baía de Guanabara, dentro da área metropolitana do estado, em bairros do centro do Rio (associados à área empresarial), zona norte, Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo. Na Região Serrana, Nova Friburgo apresentou alto índice de poluição próximo a uma rodovia.

Atualmente, a docente desenvolve um novo estudo, em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), dentro do projeto de monitoramento dos combustíveis fósseis no estado do Rio de Janeiro. O estudo é realizado a partir da análise de anéis de crescimento das árvores. Esses anéis possuem um registro anual que possibilita a investigação da quantidade de carbono 14 de períodos anteriores. Os resultados desse novo estudo serão divulgados no 2nd Latin American Radiocarbon Conference (CLARA 2), realizado no México em setembro deste ano. Além disso, uma parceria entre a UFF e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), que possui estações de qualidade do ar no estado do Rio, vai permitir expandir o projeto com análises de materiais depositados em filtros.

Por fim, Fabiana M. de Oliveira destaca a importância dessa iniciativa para o país: “Isso é  muito novo no Brasil, não tem ninguém que faça esse tipo de análise. Até o momento, temos muitos trabalhos nos Estados Unidos, na China e na Europa utilizando radiocarbono como um marcador de emissão de combustíveis fósseis. Por enquanto, somente nosso laboratório tem como fazer a análise de carbono 14, desde o preparo químico até a medida no acelerador de partículas. Por isso, os trabalhos usando esta técnica para monitoramento das emissões de combustíveis fósseis ainda são muito poucos aqui no Brasil”, conclui.

Compartilhe