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Premiados UFF 2022: conquistas mostram um caminho positivo para a educação

O ano de 2022 foi desafiador para a ciência, mesmo assim diversos estudantes e professores se destacaram e tiveram reconhecimento nacional e internacional por suas importantes contribuições para a pesquisa. A Universidade Federal Fluminense se orgulha dessas conquistas nas variadas áreas do conhecimento e encerra mais um ano cumprindo o seu propósito: oferecer uma educação pública de qualidade.

Dentre muitos premiados estão o professor o professor Antonio Braga, da Faculdade de Medicina da UFF, agraciado com o Prêmio Academia Nacional de Medicina/2022 e o professor Edvaldo Moita, vinculado ao Departamento de Direito Público da UFF, levou o prêmio da Academia Europeia de Teoria do Direito e o prêmio Abrafi de Teses 2022, uma das mais importantes instituições da área no mundo. Representando as mulheres na ciência, a professora Letícia de Oliveira, vinculada ao Departamento de Fisiologia e Farmacologia e ao Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento (LABNEC) da UFF foi uma das homenageadas no Plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) na primeira edição do Prêmio Nise da Silveira, pelos estudos na área da saúde mental.

E ainda, Silviano Santiago, crítico literário, pesquisador, romancista e professor emérito de Literatura Brasileira na Universidade Federal Fluminense ganhou o Prêmio Camões 2022 – o mais prestigioso da língua portuguesa – que é realizado e financiado pela Biblioteca Nacional do Brasil e pela Secretaria de Cultura de Portugal. A premiação busca estreitar os laços culturais entre os vários países participantes e enriquecer o patrimônio literário e cultural da Língua Portuguesa. O anúncio foi realizado esse ano, mas a diplomação do professor vai ocorrer no começo de 2023 em Lisboa, Portugal.

Em homenagem a todos os premiados, e em caráter especial, dedicamos este espaço a uma entrevista. Conversamos com o consagrado escritor que, entre boas histórias e risadas, fala sobre sua trajetória profissional e o atual cenário literário brasileiro. Engana-se quem acha que seu amor pelo meio literário começou cedo. Foi comerciário desde jovem e, após negociar com o seu pai, que desejava para ele a carreira de engenheiro, ingressou na Faculdade de Letras. No início, se aproximou de um clube de filmes, mas com o tempo a partir do interesse por livros acadêmicos passou de crítico de cinema a produtor de literatura.

UFF – Como foi ganhar o Prêmio Camões 2022? Você imaginava que conseguiria alcançar o sucesso?

Silviano Santiago – Chegou-me de maneira inesperada. Tive um ano de 2022 muito difícil. A velhice não é boa conselheira, ao contrário do que dizem. Receber esse prêmio foi uma grande alegria, essa que foi um tanto reprimida no início em virtude dos graves problemas por que passam o Brasil e o mundo. Tomo esse prêmio como reconhecimento do meu trabalho constante e da minha dedicação total à literatura. […] Sou um escritor que não pensa nem imagina o sucesso. Julgo uma santa a minha agente literária e eu tive a sorte de ter bem cedo um mentor que estabeleceu para mim a altura do salto a ser dado em arte. Para mim, literatura é mais uma forma de pôr em risco a sanidade mental. Corre-se sempre o risco do tombo por escrever literatura e também por fazer crítica literária e até por ensinar literatura. São atividades que beiram o tabu da liberdade humana e são sempre problemáticas quando são apresentadas a uma coletividade. Tento, pois, viver intensamente cada tempo da vida a seu modo e exigências. Cada tempo me impulsiona a me manifestar publicamente. Minha obra é vária e, claro, fragmentada. Sempre procurei oferecer a quem se interessa por me ler algo que ela ou ele ainda não sabia. (O sucesso se alcança oferecendo ao leitor aquilo que ele já sabe.) E que eu também ainda não sei. Pode parecer pretensão, e talvez seja, mas a literatura não deixa de ser a busca de uma maneira de se inserir – dando sentido à minha própria vida – na vida alheia. Isso nas várias comunidades em que a docência, a crítica e a criação acabam por me inserir.

UFF – Há quem considere a produção literária nacional como monotemática. Esse cenário se deve a quê? Trata-se de uma questão de mercado ou apenas um reflexo da própria sociedade brasileira?

Santiago – Não acho a produção literária nacional monotemática. Já no final do século 19, antes do centenário da Independência, e, falando apenas de prosa, havia romancistas muito diversos, convivendo na capital federal, como José de Alencar, Machado de Assis, Raul Pompéia, Aluísio Azevedo e Adolfo Caminha. Estou me referindo apenas aos romancistas que fizeram parte da minha formação nos anos 1950. De lá para cá, muita pesquisa tem sido feita e novos nomes têm aparecido e têm ganhado destaque. […] A questão que você levanta é, portanto, mais complexa. Ela parte de uma questão mais ampla – a da alfabetização e a da educação formal do povo brasileiro. E ainda de fato decorrente: o objeto livro passa a ser um objeto de classe. Nesse caso, pode-se dar o exemplo relativamente recente da intrepidez da Carolina Maria de Jesus. Com a cara e a coragem se põe a escrever e tem talento. Mesmo desprovida de um conhecimento “castiço” da língua portuguesa, Carolina foi em frente. Desafiou e escreveu e foi publicada com grande sucesso no estrangeiro e hoje é reconhecida por edição da Companhia das Letras. Outra questão ainda mais ampla e delicada é a da difusão da língua portuguesa no mundo. Somos o único país de fala lusa na América Latina com vinte e tantos países de fala castelhana. Veja que a questão da lusofonia chegou e veio para ficar. Há que aproximar os membros dessa comunidade.

UFF – Em “Mil rosas roubadas”, obra que fala sobre o afeto de dois adolescentes do mesmo sexo, decidiu por fazer um trabalho inovador. O que te motivou?

Santiago – Cada livro meu é um experimento. Tento inserir-me em temas que me parecem atuais e dignos de reflexão ficcional. Pertenço a uma geração que se colocou diante da literatura com a intenção de fazer uma obra que contasse ao mesmo tempo com a tradição e com a inovação. Com o saber já constituído e audácia suficiente para movimentá-lo. Tivemos a sorte de ter os modernistas desbravadores como passado. O uso da paródia (no fundo, do deboche) é extraordinário entre eles, e os leitores de hoje esquecem. Nós, jovens, podíamos subir nos seus ombros e olhar o horizonte nacional e internacional de uma maneira diferente. Os ombros deles suportaram o mundo, caberia a nossa geração suportar o mundo posterior à Segunda Grande Guerra. (Nasci em 1936.) Muitos de nós fomos educados no Estado Novo, atravessamos a ditadura de 1964 e quase naufragamos de novo no totalitarismo. Já vê que se trabalhamos com o já sabido e a audácia, trabalhamos também com velhos problemas nacionais e novos atrevimentos na nossa inserção no mundo contemporâneo. Nossa escrita foi alimentada pela crença de que teria de haver uma revolução comportamental no povo brasileiro para que o novo mundo ganhasse um sentido desprovido das velhas crenças antidemocráticas. […] Nunca como antes houve no Brasil um acordo entre as várias artes, a literária, a teatral, a pictórica, a musical, e assim por diante. Posso escrever sobre literatura e sobre artes plásticas, cinema e Tropicália. Me sinto à vontade. O universo artístico brasileiro, a que gostaria de pertencer, tornou-se mais coeso. Romance vira filme. Filme vira peça de teatro. Peça de teatro vira exposição em museu, etc.

UFF – Com o aumento do uso de tecnologias e com o cotidiano acelerado, muitas pessoas não dedicam tempo para apreciar a literatura. Qual a importância da produção de obras com temas atuais para atrair esse público?

Santiago – Alguém que queira ser um grande artista, tem apenas uma e principal demanda. A necessária liberdade para fazer a obra que lhe parece indispensável fazer. Repare que muitos políticos, como o presidente Trump, reclamam de liberdade para escrever até fake news, mas na hora em que se defrontam com objetos de arte audaciosos em termos de demanda de liberdade de expressão (exposições, livros, pinturas, esculturas, etc.), invocam a censura ou o cancelamento daquela atividade. E conseguem o aplauso de parte da população. Acredito que o tema – na realização de uma obra de arte – é menos importante que o tratamento que se dá a ele. A arte é a prima-pobre da filosofia, pois ela exige muito da reflexão do escritor e disputa lugar de honra no conhecimento com as diversas ciências humanas e sociais. A arte tem como objeto a plenitude da filosofia e padece as amarras das ciências. Ela cria um lugar especial no caminho do saber, lugar de tal modo necessário porque ele é, como os antigos médicos, generalista. Ela é sempre atual, embora raramente seja incisiva. Suas balizas são por um lado o panfletário (ou seja, o discurso que só existe e tem valor como opinião pessoal) e o mercado (ou seja, aquilo que é feito com a intenção de ser facilmente consumido).

UFF – A literatura brasileira contemporânea ainda vende pouco, mas a percepção é de que nunca foi tão debatida quanto agora. Qual a sua visão sobre isso?

Santiago – Numa sociedade como a nossa, onde a pobreza de parte da população ainda é uma realidade debatida até fora do país, não se pode ter uma noção otimista da venda do livro apenas pelo mercado. O livro continuaria um objeto das classes favorecidas. Portanto, é mais importante a divulgação do livro do que a sua venda, no sentido estreito da palavra. Durante anos, houve um sistema oficial que se incumbia de tornar o livro mais acessível à massa da população. São os subsídios, às compras para bibliotecas públicas e para os estudantes em sala de aula. Houve um tempo em que pululavam as bibliotecas públicas em todas as cidades. É importante que as bibliotecas públicas tenham as verbas necessárias para se atualizarem e poderem oferecer ao leitor ou à leitora curiosa os novos produtos do mercado. Portanto, a melhoria da situação do livro e, em particular, do livro de literatura depende de fatores importantes de que o Estado nacional, estadual e municipal não pode ser excluído. Ao se excluir, o Estado atenta contra a educação e o saber das novas gerações.

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