Em defesa da integralidade da ciência
Nota da Frente Rio em repúdio às novas diretrizes do MCTIC-CNPq
A comunidade científica brasileira vem acompanhando com perplexidade o processo de redirecionamento das ações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e das Comunicações (MCTIC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que sinalizam restrições, ou até mesmo a extinção, do fomento necessário ao avanço da pesquisa básica, tanto nas áreas de ciências exatas quanto nas humanidades.
A portaria de 1122 de 19 de março de 2020 do MCTIC, que elenca cinco áreas de desenvolvimento tecnológico prioritários, não trazia qualquer menção às Ciências Humanas e à pesquisa básica em geral, além de estabelecer que as prioridades elencada teriam caráter determinante nos programas das agências vinculadas ao ministério, como é o caso do CNPq.
As críticas formuladas por mais de 70 associações científicas brasileiras, lideradas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) levaram a importantes reformulações, registradas na portaria 1329 de 29 de março de 2020, que passou a contemplar “projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais que contribuam para o desenvolvimento” das áreas prioritárias, e definiu que elas teriam um caráter de orientação a ser internalizado pela agências “no que couber”. Isso não resolvia o problema central, já que as “áreas prioritárias”, todas elas da maior relevância, foram formuladas sem diálogo com os pesquisadores e sem um planejamento estratégico referente à articulação entre pesquisa básica, pesquisa aplicada e inovação.
A disposição do MCTIC em ouvir as críticas apresentadas e reformular as diretrizes propostas, entretanto, parecia sinalizar a manutenção de um canal de diálogo frutífero, o que, infelizmente, foi desmentido pela divulgação da préchamada do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
Num claro retrocesso em relação à própria portaria 1329, o CNPq indica que as bolsas de iniciação científica devem ter “aderência” às Áreas de Tecnologias Prioritárias, subordinando a possibilidade de fomento na ciência básica e nas ciências humanas a uma perspectiva instrumental.
Trata-se de uma visão de política científica profundamente equivocada, particularmente no que diz respeito ao PIBIC, um programa de de baixo custo, com resultados positivos inquestionáveis, cuja finalidade, de acordo com o próprio CNPq é “Despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de graduação.”
Embora a concentração de esforços interdisciplinares no enfrentamento de grandes problemas globais e nacionais indicada pelas portarias do MCTIC seja uma diretriz pertinente, ela só poderá ser alcançada de forma eficaz com a manutenção de um sólido e massivo processo de formação de pesquisadores com domínio dos fundamentos referentes à prática da pesquisa nas mais variadas formas de conhecimento.
O atrelamento da experiência formativa de base do PIBIC à aplicabilidade em áreas pré-definidas, além de empobrecer o espectro da produção científica do país, ameaça solapar as bases de um programa bem-sucedido sem alcançar os objetivos pretendidos.
Vale destacar ainda o ataque ao princípio da autonomia universitária contido nessa diretriz restritiva. Isso por que não se trata de um programa que conceda bolsas diretamente aos discentes, mas sim de um programa institucional ao qual as universidades e centros de pesquisa aportam uma considerável contrapartida. Ao restringir unilateralmente o escopo dos projetos passíveis de aprovação, o CNPq interfere indevidamente na liberdade de investigação, de expressão e de pensamento que se constituem em pilares fundamentais da vida acadêmica. A Frente Rio, composta pelos pró-reitores de pesquisa e pós-graduação das universidade públicas do estado do Rio de Janeiro, pela PUC-Rio e de diversos centros de pesquisa, conclama o CNPq a alterar os termos constantes da préchamada na formulação definitiva do edital do PIBIC, de modo a respeitar a finalidade do programa, a autonomia das instituições parceiras e o próprio teor indicativo das prioridades tecnológicas, conforme preconizado pela portaria 1329.
Conclamamos também os integrantes da comunidade científica e a sociedade brasileira como um todo a se manterem vigilantes na defesa de uma visão integral e democrática de ciência, a única que poderá contribuir efetivamente para a elevação do patamar de desenvolvimento e para a superação das desigualdades estruturais no nosso país.
Assinam os pró-reitores de pesquisa e pós-graduação:
Alexander Cardoso – UEZO
Alexandre Fortes – UFRRJ
Andrea Latgé – UFF
Denise M G Freire – UFRJ
Evelyn Orrico – Unirio
Gustavo Saldanha – IBICT / MCTIC
Luis Antonio C.P. da Mota – UERJ
Maria Cristina R. Guilam – Fiocruz
Maura Da Cunha – UENF
Maurício Castanheira – Cefet/RJ
Paulo Cesar Duque Estrada – PUC-Rio
Vicente Oliveira- IFF