Com o passar do tempo em distanciamento social, vamos descobrindo novas formas de trabalhar, de passar o tempo, de administrar o convívio com a família e amigos e, principalmente, ganhando uma resiliência que não sabíamos que era importante para atravessar momentos tão difíceis como esses. A pandemia trouxe incertezas, angústias, mudanças bruscas e necessidades de adaptações. Em contrapartida, estamos cultivando aprendizados e relembrando palavras que em diversos períodos estiveram esquecidas, dentre elas, a tolerância. Vamos abordar esse termo para compreender e reforçar como ele pode ganhar espaço nesse período de distanciamento social e continuar conosco quando retornarmos.
A palavra tolerância, derivada do latim tolerantĭa, significa “suportar”, “aceitar”. O Dicionário Michaelis traz uma definição interessante de tolerância como “atitude liberal de quem reconhece aos outros o direito de manifestar opiniões ou revelar condutas diferentes das suas ou até diametralmente opostas a elas”. Tolerância, então, tem a ver com respeitar as diferenças, sejam elas de qualquer natureza. E, por sermos seres sociais, esta é uma atitude necessária à manutenção de relações saudáveis e harmônicas, tanto na vida pessoal quanto na vida profissional.
Eu com os Outros
É importante pensarmos nesta tolerância como “uma virtude da convivência humana”. Deve então ser discutida como uma qualidade de coexistir com o diferente e não colocando-o em posição de inferioridade. Neste momento de pandemia é importante não enxergar o outro com uma tolerância que represente o significado de “suportar, aguentar, aturar ou conformar”. Devemos praticá-la em seu sentido mais genuíno de respeitar as ideias, opiniões, gostos, sonhos, metas e trabalhos de outras pessoas. O que é diferente de nós pode ser dialogado, legitimando um aprendizado conjunto, entendendo que podemos aprender com a experiência do outro.
Acolhimento: Acolher vai além das significações que possamos dar para a palavra, mas está em todas as relações humanas devendo ser fortalecido continuamente pois promove condições necessárias para que as comunicações aconteçam. Acolher o outro implica em compreender que a vida dele pode ter sido construída de maneira diferente da minha. Assim, se complementa com o significado genuíno da tolerância. Neste período de distanciamento social devido à pandemia, acolher pode estar presente no ouvir, no olhar atento em uma videoconferência ou presencialmente para aqueles que dividem espaço de moradia. Estar presente pela maneira que recepcionamos o outro sem conceitos pré-estabelecidos para julgamentos. Acolher nos permite coexistir sendo solidários, afetivos, humanos, respeitosos e acessíveis, podendo trazer leveza durante a turbulência.
Diálogo: Está intimamente conectado à tolerância. Dialogar implica em duas ou mais pessoas estabelecendo conversas e interações. Com a troca de palavras existe a troca de experiências e motivações. É um aliado ao aprendizado uma vez que dialogar favorece a formação de redes com geração de ideias, reflexões conjuntas e compreensão. O diálogo é importante em qualquer ambiente, seja em casa, no trabalho, nas redes sociais. Além de dialogar se torna essencial aprender a ouvir. Ouvir o outro é ferramenta tão indispensável quanto falar. A capacidade de ouvir traz um sentimento de valor e afeto que torna a experiência do diálogo mais rica e memorável. Uma das técnicas mais utilizadas hoje para fortalecimento dessa característica humana é a Comunicação Não Violenta (CNV), descrita a seguir.
Comunicação não violenta (CNV): essa ferramenta auxilia em momentos em que os sentimentos, sensações e a paciência consigo mesmo e com o próximo é testado constantemente.. Vivemos à flor da pele! A CNV nos proporciona meios eficientes de linguagem e comunicação reformulados, para melhor se expressar e ouvir os demais. Ela possibilita cuidarmos da saúde dos relacionamentos e implantar uma cultura de paz, em qualquer ambiente. Sua prática significa utilizar palavras e atitudes positivas, tentar se expressar com honestidade, sem agredir o outro, por meio de uma escuta empática, de respeito e tolerância. A CNV nos traz a recordação que escutar é importante. Ao ouvir opiniões e pontos de vista divergentes aos seus, você compreende a visão do outro, sendo capaz de perceber e aceitar a reação dessa pessoa ao sentir, vivenciar ou experimentar determinada situação. A técnica tem quatro passos fundamentais:
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1º PASSO – OBSERVAR SEM JULGAR: encare as atitudes e comportamentos dos outros de forma neutra, sem lhes atribuir carga emocional ou emitir qualquer juízo de valor. Evite generalizações e termos como “sempre, jamais, nunca”. Por exemplo: “Você nunca faz o que eu te peço. Você sempre atrasa nas atividades, e eu jamais posso confiar em você”. As pessoas têm uma tendência natural a enxergar a partir do seu ponto de vista e dizer/receber como crítica negativa algo que poderia ser construído em conjunto.
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2º PASSO – IDENTIFICAR E NOMEAR SENTIMENTOS: em cada situação, procure entrar em contato com o que você realmente está sentindo em relação ao que observa. É importante nomear os sentimentos: tristeza, raiva, insegurança, alegria, entusiasmo, frustração, etc. Expressar-se ajuda a resolver os conflitos. Por exemplo: “Quando você toma decisões e não me comunica, eu me sinto inseguro”.
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3º PASSO – NECESSIDADES: quais as necessidades escondidas por trás desses sentimentos? O que de fato está motivando as minhas ações? O que precisa ser atendido? É preciso reconhecer quais as necessidades estão conectadas aos sentimentos que já identificamos. Podem ser de segurança, estabilidade, paz, amor, alimentação, trabalho etc. Por exemplo: “Isso é importante porque me faz sentir seguro”. Veja também a necessidade do outro, nem tudo vai girar ao redor das nossas necessidades individuais.
- 4º PASSO – FAZER PEDIDOS: destine demandas aos outros, explicitando claramente suas verdadeiras necessidades e sentimentos em relação à situação. Quanto mais claros e objetivos formos em relação ao que queremos, mais provável será que consigamos. Prefira utilizar linguagens positivas. Substitua os termos de exigência por pedidos, como por exemplo: “Não quero que você grite” por “Gostaria que você falasse mais baixo”; “Não suporto mais que você tome decisões sozinho” por “Gostaria de ser comunicada para tomarmos decisões juntos”. Seja claro e honesto com você e com o outro.
Lembre-se:
- Classificar e julgar o outro estimula violência;
- Comparações são formas de julgamentos;
- O que os outros fazem podem ser estímulos para os nossos sentimentos, mas não a causa deles;
- Estimular empatia ao observar e receber do outro, estando aberto ao diálogo.
Eu comigo mesmo
Relembrando o que tratamos no texto “Relacionamentos interpessoais em tempos de confinamento”, nós não enxergamos as coisas como elas são, mas sim como nós somos. Damos significado às coisas e às pessoas, de acordo com nossas experiências passadas, crenças e valores formados. A partir da nossa interpretação sobre a situação, vamos ter sentimentos e comportamentos correspondentes. Sendo assim, se alguém expõe uma opinião contrária à sua ou toma uma ação que te desagrada, você sente raiva e reage na tentativa de combatê-lo, o que pode ser um sinal de intolerância de sua parte.
Todos temos, em algum grau, intolerância à alguma coisa. E o que precisamos entender é que as nossas intolerâncias dizem respeito mais a nós mesmos do que ao outro. Como afirmou Freud, “quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo”. Ou seja, aquilo que falamos (ou mesmo pensamos e sentimos) sobre os outros, diz dos nossos próprios preconceitos e da nossa própria arrogância, em considerar que o nosso modo de ser e pensar é o mais correto e, por isso, deveria ser o único.
Quando externalizamos nossa intolerância de maneira agressiva, é verdade que corremos o risco de magoar o outro e enfraquecer as nossas relações. Mas precisamos também entender quais prejuízos podem trazer para nós mesmos. Caso se livrar de julgamentos, adquirir conhecimento e melhorar os relacionamentos ainda não seja motivação suficiente para você querer desenvolver mais tolerância, talvez o impacto na saúde o seja. A raiva é a emoção mais associada à intolerância. E ao sentirmos raiva, nosso organismo começa a secretar em maior quantidade hormônios do estresse como cortisol, adrenalina e noradrenalina.
O excesso de cortisol circulando no nosso organismo diminui os níveis de serotonina, neurotransmissor importante relacionado a sentimentos de bem-estar e felicidade, trazendo irritação, cansaço e problemas de memória. A médio e longo prazos, a circulação desses hormônios aumenta o risco de problemas cardiovasculares (como infarto e AVC), de problemas psiquiátricos (como depressão e ansiedade), acelera o envelhecimento precoce, favorece / agrava o diabetes e afeta o sono, o apetite e a libido.
O exercício da tolerância, do acolhimento, do diálogo e das boas relações partem de decisões que tomamos ao longo dos dias. Estamos vivendo em um momento de crise e é importante acreditar que dias melhores virão e seguir fazendo nossa parte na construção do mundo que queremos. Essas mudanças podem começar pela maneira de nos comunicarmos e de praticar empatia. Praticar ações mais positivas e menos individualistas já representam bons começos. São essas pequenas atitudes no dia-a-dia que podem tornar mais receptivos os ambientes em que vivemos.
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