Atualidades UFF: Caso de microcefalia por febre oropouche indica riscos de um novo surto da doença no Brasil

Mosquito vetor da febre oropouche.

Crédito da fotografia: 
James Gathany (Reuters) / Nexo Jornal.
A relação entre a doença e as ocorrências de malformações congênitas ainda não é comprovada, mas oito casos de transmissão vertical são investigados

Na última quinta-feira (8), o Ministério da Saúde (MS) registrou um caso de microcefalia e anomalias congênitas causadas por transmissão vertical da febre oropouche. Segundo informações da pasta, o recém-nascido tinha apenas 47 dias de vida. Após exames pós-parto confirmarem o diagnóstico da doença, especialistas temem um novo surto de casos de microcefalia.

“O registro no Acre liga um alerta sobre a transmissão vertical - da mãe para o feto - do vírus. Em junho deste ano, o Instituto Evandro Chagas também detectou a presença de anticorpos (IgM) contra o vírus Oropouche em soro ou líquor de quatro recém-nascidos com microcefalia, de forma retrospectiva, reforçando que essa possibilidade existe, mas ainda precisamos de evidências científicas consistentes para se estabelecer uma relação causal entre doença e má formação”, analisa a professora do Departamento Materno-Infantil da Universidade Federal Fluminense (UFF), Renata Artimos.

Na nota em que confirma a morte do recém-nascido, o MS ressalta que “a correlação direta da contaminação vertical de Oropouche com as anomalias ainda precisa de uma investigação mais aprofundada". Outros oito casos de transmissão vertical da doença estão sendo investigados. As análises estão sendo realizadas entre as secretarias de saúde estaduais, especialistas e a pasta federal, para averiguar se há relação entre a oropouche e a ocorrência de anomalia congênita.

Como forma de prevenção, a docente destaca uma série de cuidados que as gestantes devem adotar para evitar a infecção. “É importante evitar locais onde há muitos insetos, como os maruins, por exemplo, usar repelentes em áreas expostas, roupas que protejam a maior parte do corpo, cuidar da limpeza do ambiente para evitar locais de criadouros de mosquitos e se informar sempre sobre as condições da doença na região em que reside”.

Surto de casos no Brasil

Em 2024, o Brasil apresentou mais de 7.400 casos da febre oropouche em 23 estados, com três óbitos confirmados. Em 2023, por exemplo, aconteceram menos de 900 casos do vírus ao longo do ano. Entre os estados brasileiros, somente quatro unidades (Distrito Federal, Goiás, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul) não relataram a propagação da Oropouche, enquanto o Amazonas reportou mais de 3 mil notificações da doença. O vírus, identificado pela primeira vez no Brasil em 1960, é endêmico na região Amazônica que registra, até agora, 80% das ocorrências.

O professor do Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Instituto Biomédico da UFF, Rafael Brandão, relaciona o crescimento dos casos de Oropouche no Brasil às mudanças ambientais. “Esse surto significativo se deve a uma combinação de fatores ecológicos e socioeconômicos. Desmatamento, urbanização descontrolada, deslocamento humano e variações na pluviosidade e temperatura têm ampliado o habitat dos vetores transmissores do vírus Oropouche”.

Segundo o docente, outro ponto a ser observado é a mudança na vigilância epidemiológica do país. “A expansão dos diagnósticos laboratoriais pela rede de LACENs (Laboratórios Centrais de Saúde Pública) em todo o Brasil desempenha um papel crucial no aumento da notificação de casos. Com a melhoria na capacidade de diagnóstico, especialmente em regiões endêmicas, como a Amazônia, muitos casos que anteriormente poderiam ter sido subnotificados ou não identificados passaram a ser registrados”.

A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, emitiu um alerta epidemiológico sobre a doença, por conta da expansão para novas áreas e o relato das primeiras mortes registradas no mundo, ocorridas no Brasil. Segundo a Opas, 8.078 ocorrências da doença foram relatadas nas Américas neste ano. Além do Brasil, que registrou 90% dos casos, outros quatro países reportaram a propagação da Oropouche, incluindo: Bolívia (356 casos), Colômbia (74 casos), Cuba (74 casos) e Peru (290 casos).

Brandão alerta que as condições climáticas para disseminação do vírus vão ficar ainda mais favoráveis nos próximos meses “O pico de infecções por arbovírus, como dengue, zika, chikungunya e febre de Oropouche, geralmente coincide com as estações chuvosas - entre janeiro e maio - em regiões tropicais e subtropicais, que é o nosso caso. Sem medidas eficazes de controle dos vetores e vigilância epidemiológica, o risco de expansão da febre para outras regiões do Brasil e países vizinhos permanece elevado”.

Informações sobre a Oropouche

A transmissão da Oropouche é realizada pelo inseto conhecido como Maruim. Os sintomas são parecidos com os da dengue e chikungunya, são eles:  dor de cabeça intensa, dor muscular, náusea e diarreia. No caso da Oropouche, quadros mais evoluídos podem causar acometimento do sistema nervoso central, ocorrendo, por exemplo, meningite asséptica e meningoencefalite.

“O diagnóstico da febre de Oropouche é desafiador devido à semelhança dos sintomas com outras arboviroses, como dengue e chikungunya. O diagnóstico clínico inicial pode incluir alterações no hemograma, como leucopenia, e elevação das enzimas hepáticas. Testes específicos, como sorologia, após o 5º dia da doença, e o teste molecular por PCR, do 1º ao 7º dia da doença, são utilizados para confirmar a presença do vírus. Amostras de sangue, saliva e urina podem ser analisadas para detecção do genoma viral”, explica Brandão.

Segundo o Ministério da Saúde, não existe tratamento específico para a doença. Os pacientes devem permanecer em repouso, com tratamento sintomático e acompanhamento médico. Na cartilha de prevenção do MS, recomenda-se:

  • Evitar o contato com áreas de ocorrência e/ou minimizar a exposição às picadas dos vetores.

  • Usar roupas que cubram a maior parte do corpo e aplique repelente nas áreas expostas da pele.

  • Limpeza de terrenos e de locais de criação de animais.

  • Recolhimento de folhas e frutos que caem no solo.

  • Uso de telas de malha fina em portas e janelas.

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Rafael Brandão Varella é professor associado de Virologia do Departamento de Microbiologia e Parasitologia (MIP) do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professor dos Programas de Pós-graduação em Microbiologia e Parasitologia Aplicada da UFF. Possui graduação em Ciências Biológicas, modalidade Microbiologia e Imunologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Renata Artimos de Oliveira é professora associada do Departamento Materno-Infantil da Universidade Federal Fluminense (MMI/UFF). Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), mestrado e doutorado em Ciências Médicas pela UFF. Atua com ênfase em pediatria, principalmente nos seguintes temas: manifestações clínicas, síndrome da Zika congênita, diagnóstico, epidemiologia e microcefalia.

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