Projeto da UFF combate a desigualdade de gênero no cinema brasileiro

O percentual de diretoras em lançamentos do cinema brasileiro é baixíssimo

Crédito da fotografia: 
Revista Trip / Divulgação
Através da difusão de dados e pesquisa, busca-se dar visibilidade às diretoras de fotografia

No dia 19 de junho é comemorado o dia nacional do cinema brasileiro, em celebração às primeiras gravações cinematográficas realizadas no país, em 1898. Atento a esse tema, o projeto da Universidade Federal Fluminense (UFF) “Diretoras de fotografia: difusão de dados e filmes para o combate à desigualdade de gênero no cinema brasileiro” busca reduzir a desigualdade de gênero no cinema nacional através da difusão de dados. No site do projeto foi elaborado um banco de dados que contém informações sobre as diretoras de fotografia do país e mapeia os lançamentos de longas-metragens nacionais fotografados por mulheres.

O projeto produz materiais acadêmicos e documentais que fazem a divulgação da pesquisa para escolas, universidades, cursos livres e pessoas. Entre os materiais produzidos pelo projeto até hoje estão: banco de dados sobre filmes nacionais fotografados por mulheres, artigos e capítulos de livros sobre a presença feminina na direção fotográfica no cinema nacional e o longa-metragem “À luz delas”.

O projeto, criado e coordenado pela professora do curso de Cinema e Audiovisual da UFF, Marina Cavalcanti Tedesco, realiza há 10 anos pesquisas sobre a presença feminina nas equipes de câmeras dos longas-metragens nacionais. Ao longo dos anos de atuação, o projeto contou com apoio da UFF, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Marina Tedesco falou sobre o processo de iniciar as pesquisas na área “A tese que defendi em 2013 foi sobre direção de fotografia, mas focada na frente das telas. Eu percebia que não tinha como discutir o que acontecia na frente das telas sem falar de quem estava por trás das câmeras. Então, assim que entrei na universidade, comecei a fazer o levantamento de quem são as mulheres nas diferentes equipes de câmera de longas-metragens do cinema brasileiro”.

Banco de dados de lançamentos do cinema nacional

O banco de dados de diretoras de fotografia reúne longas-metragens brasileiros lançados nos cinemas é constantemente atualizado desde a sua criação, em 2022, mapeia os lançamentos de filmes nacionais fotografados por mulheres e organiza todas as informações sobre as diretoras de fotografia do cinema nacional. Além disso, o material disponibiliza mecanismos de busca que podem ser combinados para encontrar diferentes obras lançadas ao longo da história do cinema brasileiro. Entre esses mecanismos de busca por filmes estão: ano de lançamento, gênero, título da obra, nome e raça da diretora.


Mecanismo de buscas oferece opções diversas para pesquisa. Fonte: Diretoras de Fotografia.

A professora Marina comentou sobre o funcionamento deste banco de dados “A nossa principal ferramenta no momento é o mecanismo de busca no banco de dados. Então a pessoa pode ver, por exemplo, quantos filmes tiveram mulheres na geração de fotografia por ano, quantas comédias foram fotografadas por mulheres, quantos filmes foram fotografados por mulheres indígenas e essas variáveis podem ser combinadas. O banco de dados é atualizado anualmente, a partir dos informes sobre o mercado cinematográfico nacional divulgados pela Agência nacional do cinema (Ancine)”, explicou a coordenadora.

Obra sobre diretoras de fotografia no Brasil

O longa-metragem documental “À luz delas”, dirigido por Marina Tedesco e Luana Farias, estreou em 2019, resultado da etapa financiada pelo CNPQ. Com 72 minutos de duração, o longa aborda sobre o trabalho das mulheres na direção de fotografia no Brasil, com depoimentos de oito fotógrafas de diferentes gerações: Dani Azul, Heloisa Passos, Jane Malaquias, Joyce Prado, Julia Zakia, Kátia Coelho, Luelane Corrêa e Martina Rupp. O filme aborda questões como a maternidade, um dos eixos centrais da pesquisa, com um debate sobre a conciliação entre os filhos e a carreira, a partir das reflexões das cineastas.

Segundo Marina, o longa-metragem é utilizado por instituições de ensino público e privado da área. “Esse filme é exibido em várias instituições de ensino públicas e privadas na disciplina de direção de fotografia. Para fazer discussões e debates dentro dos cursos de cinematografia sobre desigualdade de gênero”.

Dados apontam crescimento no número de mulheres dirigindo filmes

Outro produto do projeto é o artigo lançado em 2016 “Mulheres atrás das câmeras: a presença feminina na direção de fotografia de longas-metragens ficcionais brasileiros”. A publicação contextualiza sobre a história da luta feminina e a evolução do espaço da mulher na sociedade, aprofundando-se também em como a fotografia cinematográfica é um lugar de homens, tornando o ambiente de trabalho hostil para as mulheres, que sofrem machismo e violências. O principal foco do artigo é tratar sobre a história da presença feminina na fotografia cinematográfica brasileira e o cenário atual dessa área.

No levantamento mais recente, os dados revelaram que a ocupação de mulheres na direção de fotografia passou por altos e baixos nos últimos anos. Apesar disso, em 2023 esse número passou por um aumento de 30% em relação ao ano anterior, com 26 dos 154 filmes lançados sendo fotografados por mulheres. Esse levantamento leva em conta os filmes ficcionais e os documentais.


Levantamento de números de filmes lançados com fotógrafas nos últimos anos. Fonte: Diretoras de Fotografia.

O livro “Trabalhadoras do cinema brasileiro: mulheres muito além da direção”, também de autoria da Marina Tedesco, cobre a presença feminina nas etapas da produção de um filme, com a participação de diversas especialistas na área. Em um dos capítulos, Marina aborda sobre os 20 anos do filme “Tônica Dominante”, drama musical com a direção fotográfica de Kátia Coelho, que fez história ao se tornar a primeira diretora de fotografia em longas do cinema brasileiro.

As reflexões sobre o pioneirismo de Kátia Coelho levam em conta o levantamento sobre a quantidade de filmes fotografados por mulheres no Brasil, realizado em 2016 por Marina e atualizado periodicamente. No capítulo, também há uma contextualização sobre a ascensão das quatro mulheres que fotografaram metade dos filmes de ficção brasileiros, concluindo que essas diretoras são brancas, cisgênero e com base no Rio de Janeiro ou em São Paulo capital, reafirmando as desigualdades sociais no país e a incapacidade de fazer reflexões sobre o cinema brasileiro sem considerar características como raça, classe, orientação sexual, identidade de gênero e outras variáveis.

Por fim, Marina faz uma abordagem sobre a produção fotográfica de “Tônica Dominante”, com a participação da Diretora de Fotografia, Kátia Coelho, e da diretora Lina Chamie. As duas explicaram sobre o processo criativo de realização do filme, que envolveu as diferentes temperaturas de cor utilizadas, os desenhos de luz, os movimentos de câmera, as relações de contraste e outras características.

Futuro do projeto

Planejado para ser lançado no próximo mês, o próximo material produzido pelo projeto é uma videoteca, que será sediada no Instituto de Artes e Comunicação Social da UFF (IACS/UFF), em Niterói. A ideia é disponibilizar os filmes fotografados por mulheres, tanto ficcionais quanto documentais, fazendo um guia para que esses longas-metragens possam ser utilizados em cursos de ensino superior e escolas ao redor do país.

Além disso, um material paradidático chamado “Mulheres atrás das câmeras: filmes brasileiros com diretoras de fotografia para todas as salas de aula”, será lançado junto com a videoteca, também relacionado aos filmes ficcionais e documentais fotografados por mulheres.

Marina é uma das coordenadoras do cineclube “Quase Catálogo”, que funciona desde 2016 exibindo filmes de diretoras de fotografia. Segundo a coordenadora, um dos objetivos deste ano é realizar sessões fora do horário de aula, buscando trabalhar com escolas.

“Queremos mostrar que a direção de fotografia, a despeito de todos os percalços, também é uma profissão que pode estar no horizonte das mulheres. Mas o grande desafio vai ser manter e ampliar sem um projeto da envergadura do Universal, do Jovem cientista, que aí vamos ter que parar, escrever e se contemplar de novo. Então a gente vai entrar na fase mais difícil do projeto”, afirmou a coordenadora.

Ao longo dos anos de atuação, o projeto contou com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Marina Cavalcanti Tedesco é doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense - UFF (2013). Bacharela em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda (2008) e em Cinema (2005), ambas pela UFF. Docente do quadro permanente do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual e professora Adjunta II no Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense. Coordena o projeto “Diretoras de fotografia: difusão de dados e filmes para o combate à desigualdade de gênero no cinema brasileiro”.

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