Pesquisadoras lançam livro sobre a presença das mulheres na ciência

Professoras Letícia de Oliveira, Hildete Pereira, Karin Calaza e Eliane Volchan, organizadora e autoras do livro “Mulheres na Ciência: O que mudou e o que ainda precisamos mudar”

Crédito da fotografia: 
Acervo pessoal
Lançado neste ano, obra construída de forma coletiva traz discussões sobre o espaço ocupado e os desafios enfrentados pelas mulheres no meio científico

Com seis capítulos, o livro “Mulheres na Ciência: O que mudou e o que ainda precisamos mudar”, organizado pelas pesquisadoras Letícia de Oliveira, docentes participantes da Comissão Permanente de Equidade de Gênero da Universidade Federal Fluminense (CPEG-UFF), e Tatiana Roque, professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e primeira mulher secretária de Ciência e Tecnologia do município do Rio de Janeiro, reúne artigos e entrevistas de pesquisadoras brasileiras que abordam a desigualdade de gênero no ambiente científico. “O livro nasceu a partir da nossa vontade de compartilhar nossas reflexões e discussões sobre a falta de diversidade na ciência brasileira. As organizadoras e autoras têm experiência tanto em estudos sobre gênero quanto em atuação em projetos que tentam mudar a realidade desigual da ciência”, diz Oliveira. “Outra motivação importante foi a criação de um livro-movimento, um livro em construção que contará com a participação coletiva de outras mulheres”.

A obra começa com uma entrevista com a professora Hildete Pereira, do Departamento de Economia da UFF — “uma das feministas mais importantes do Brasil”, nas palavras de Oliveria. Em seguida, os demais capítulos tratam sobre o estado da arte quanto à equidade de gênero; os estereótipos de gênero e raça socialmente construídos; o impacto da maternidade na carreira de mulheres cientistas; as intersecções entre gênero e raça, com foco em mulheres negras, e os desafios enfrentados pelas mulheres inseridas nos campos das ciências exatas e tecnológicas. Além da edição publicada, uma segunda está prevista para ser lançada.


Capa do livro “Mulheres na Ciência: O que mudou e o que ainda precisamos mudar” / Foto: Divulgação
#ParaTodosVerem Livro com fundo roxo e o símbolo do gênero feminino em laranja, no qual se lê o título da obra e, acima, o nome das organizadoras Letícia de Oliveira e Tatiana Roque

Vice-presidente da CPEG-UFF, professora do Departamento de Neurobiologia da UFF e uma das autoras do livro, Karin da Costa Calaza afirma que a obra “é uma oportunidade de democratizar uma discussão importante como o viés implícito e a ameaça pelo estereótipo”. A docente acrescenta que a equidade almejada na academia só será possível com a democratização da ciência, dependendo também da diversidade e inclusão de grupos sub-representados no meio científico, como mulheres, pessoas negras e pessoas que se identificam com diferentes identidades e expressões de gênero. “Quando observamos os dados sobre a presença de mulheres na ciência, percebemos que existem dois problemas principais: a sub-representação delas nas ciências exatas e da terra, área estratégica e de poderio econômico, e a escassez delas em posição de prestígio e poder”, analisa.

De acordo com um estudo realizado pelo movimento Parent In Science (PiS), criado para discutir sobre a parentalidade no universo acadêmico e científico, em 2022, as mulheres representavam apenas 35% das bolsas PQ e 27% das bolsas nível 1A (o nível mais alto), apesar de serem maioria nas ciências: 58% das bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Para Calaza, algumas áreas, como a da saúde, possuem uma maioria de mulheres na base, mas conforme o avanço na carreira, ocorre uma diminuição desproporcional. “Esse processo fica evidente pelo fato, na minha opinião absurdo, de nunca termos tido uma presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo”.

Ainda segundo a professora, a ausência de participação das minorias sociais nas discussões científicas e tecnológicas gera prejuízos para o avanço da ciência: “Tomando como exemplo a Inteligência Artificial, tema em ascensão e com potencial de revolução enorme em muitos campos da nossa sociedade, vemos a descrição de muitos problemas de vieses que aparecem por falta de um ponto de vista dos grupos sub-representados”, analisa Karin.

Para essas pessoas, são muitas as questões que precisam ser enfrentadas ao longo das suas trajetórias acadêmicas. A professora do Departamento de Neurobiologia da UFF enumera a distribuição desigual do trabalho do cuidado e o assédio — desde microagressões até violência sexual — como desafios específicos que as mulheres enfrentam, ainda mais se considerados os diversos marcadores sociais que atravessam essa identidade de gênero. “É praticamente impossível desenvolver a completa potencialidade da mulher no ambiente de estudo e de trabalho pelas suas diferentes experiências negativas, desde as mais sutis até as mais violentas, que os homens não enfrentam. A equidade depende de um ambiente justo, onde todos, todas e todes têm as mesmas oportunidades. E a ciência, assim como a sociedade, ainda está longe de alcançar”.

Apesar do cenário atual ainda desigual, Oliveira afirma que algumas iniciativas produzem diferenças e são importantes para promover transformações. No estado do Rio de Janeiro, a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa (FAPERJ) criou a Comissão de Equidade, Diversidade e Inclusão, que lança editais específicos para mulheres cientistas e que são mães, além de outras ações para apoiar a diversidade na ciência do estado. Além disso, a pesquisadora cita que o Parent in Science traz discussões fundamentais sobre o impacto da parentalidade, especialmente da maternidade, na carreira das cientistas e inspira políticas compensatórias para mães em diversas universidades e agências de fomento.

Na UFF, a Comissão Permanente de Equidade de Gênero, criada a partir do grupo de trabalho “Mulheres na Ciência”, gera mudanças na universidade e atua para o enfrentamento das violência de gênero contra mulheres na instituição. “Por exemplo, o Regulamento Geral dos cursos de pós-graduação stricto sensu da UFF torna obrigatória a implantação de políticas de apoio à maternidade nos programas de pós-graduação”. Calaza acrescenta que a instituição tem muitos projetos de pesquisa e extensão que atuam nessa área, produzindo importantes contribuições para um ambiente mais equânime. “Ainda, a publicação de um livro gratuito e, em construção, possibilita a democratização dessa reflexão de modo que possamos, coletivamente, caminhar para uma ciência cada vez mais democrática e inclusiva”, conclui.

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Letícia de Oliveira é professora e presidente da Comissão Permanente de Equidade de Gênero da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do movimento Parent in Science (PiS). É mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ), ambos na área de Neurofisiologia. Atualmente, é coordenadora da área de Biológicas da FAPERJ, onde exerce ainda a presidência da Comissão de Equidade, Diversidade e Inclusão. Em 2023, ganhou moção de aplauso pela Câmara Municipal de Niterói, representando a Comissão de Equidade de Gênero da UFF.

Karin da Costa Calaza é professora do Departamento de Neurobiologia, da Pós-Graduação em Neurociências e da Pós-Graduação em Ciências Biomédicas, além de vice-presidente da Comissão Permanente de Equidade de Gênero da Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado e doutorado em Ciências Biológicas (Biofísica) pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho também da UFRJ, foi vice-presidente do Grupo de Trabalho Mulheres na Ciência da UFF (2018 - 2022), membro do Fórum dos Grupos de Trabalho de Gênero e Parentalidade do Rio de Janeiro e do Comitê de Diversidade da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (2020 - 2023).

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