Atualidades UFF: Centro e esquerda encaminham acordo para o segundo turno das eleições legislativas na França

O Palácio de Luxemburgo é a sede do parlamento francês

Crédito da fotografia: 
Senado Francês
Partido Rassemblement National, de extrema direita, pode conquistar maioria absoluta no próximo domingo e indicar novo primeiro-ministro

O primeiro turno das eleições para a Assembleia Nacional da França, realizado no domingo (30) registrou a maior taxa de comparecimento desde 1997, com 65,8%. O resultado foi histórico para o partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, que segundo o Ministério do Interior Francês, saiu em vantagem obtendo 33% dos votos. A aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP) ficou em segundo lugar, alcançando 28% dos votos, seguida do bloco centrista do presidente francês, Emmanuel Macron, que recebeu 20% dos votos.

Para combater o RN no segundo turno, as coalizões de esquerda e de centro anunciaram que vão retirar da próxima votação todos os candidatos que ficaram em terceiro lugar, consolidando uma união ao candidato mais viável para derrotar o partido de Le Pen. Caso conquiste as 289 cadeiras necessárias para a maioria absoluta, a extrema direita deve indicar Jordan Bardella ao cargo de primeiro-ministro. Se isso ocorrer, a França entrará no governo de “coabitação”, que acontece quando o presidente e o primeiro-ministro são de partidos políticos diferentes. Nessa situação, o premiê assume o comando do país internamente, enquanto o presidente fica responsável pelas políticas externas.

O professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF), Thomas Ferdinand Heye, avalia que a vitória do RN pode paralisar o governo francês. “A nomeação de Bardella pode criar um governo disfuncional, no qual a cooperação entre o presidente e o primeiro-ministro seria extremamente difícil. A coabitação entre um presidente centrista e um primeiro-ministro de extrema direita pode ser completamente instável. Macron poderia enfrentar dificuldades em aprovar suas agendas legislativas e políticas, resultando em um governo paralisado. Isso poderia levar a uma crise política, com possíveis pedidos de novas eleições ou até mesmo a renúncia do atual presidente”, explica o professor.

A vitória da extrema direita não teria apenas impactos na França. Para Thomas Heye, as relações políticas com o Brasil e países que não possuem governo de direita podem ser comprometidas. “Inicialmente, é provável que haja uma mudança significativa na política externa francesa, com uma ênfase maior em políticas nacionalistas e protecionistas. Isso pode levar a um distanciamento em relação a países que não compartilham dessas visões, incluindo o Brasil, especialmente se o governo brasileiro continuar a seguir uma linha mais progressista ou centrista. A relação entre a França e o Brasil pode se tornar mais tensa”.

A votação para eleger o parlamento francês é organizada por círculos eleitorais, no total, são 577, incluindo 13 distritos ultramarinos e 11 que representam expatriados franceses no estrangeiro. Cada eleitor é vinculado a um círculo e a votação é por maioria de um único membro em duas voltas, apenas um político pode vencer nos locais da eleição. Estão classificados para o segundo turno candidatos que obtiverem pelo menos 12,5% dos votos. Se um nome conseguir mais de 50% no primeiro turno é eleito automaticamente.

Estratégia arriscada de Macron

No início do mês, o presidente Emmanuel Macron dissolveu a assembleia nacional e antecipou as eleições para os dias 30 de junho e 7 de julho. A decisão foi tomada após a votação para o parlamento europeu, em que a aliança de Macron perdeu para o agrupamento da RN. O grupo de Le Pen recebeu em torno de 33% dos votos, enquanto o partido capitaneado por Macron registrou cerca de 15%.


Emmanuel Macron tomou a polêmica decisão de dissolver a assembleia nacional. Foto: CNN Brasil

A vitória da ultradireita na França não foi um caso isolado. Na Alemanha, por exemplo, o Alternativa para a Alemanha (AfD) foi o segundo maior votado do país. Apesar dos resultados das eleições mostrarem que o centro ainda se mantém dominante nos assentos para o poder legislativo da União Europeia, a preocupação com o crescimento da extrema direita aumentou, após os partidos radicais conquistarem 150 das 720 vagas, número recorde impulsionado por eleitores da França, Itália e Alemanha.

Segundo a professora do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/UFF), Márcia Carneiro, o crescimento da extrema direita na Europa, nos últimos anos, está relacionado ao histórico das crises econômicas.

“O fenômeno fascista encontra ressonância nas revoltas populares que atingiram a Europa na década de 2010, em meio às crises políticas provocadas por medidas impopulares de governos ideologicamente de esquerda, baseadas em austeridade, que levaram cidadãos europeus a reagirem aos movimentos migratórios. Essa reação culpa os estrangeiros pelo empobrecimento e massificação da população”, analisa a docente.

Carneiro também identifica a principal força para o avanço da ideologia reacionária no continente europeu. “O ódio ao ‘outro’ é o principal motor para a ascensão da direita radical europeia. O ‘outro’ também é representado pelas ideologias igualitárias das esquerdas, configuradas indeterminadamente como ‘comunistas’ ou ‘esquerdistas’”.

Protestos pós-eleições

Após a divulgação dos resultados que apontaram a vitória da direita nacionalista no 1º turno das eleições legislativas francesas, foram registrados diversos pontos de protestos ao redor do país. A principal concentração ocorreu na Place de la République, em Paris, onde manifestantes atearam fogo em lixeiras, barricadas e dispararam fogos de artifício contra a polícia, que respondeu atirando bombas de gás lacrimogêneo. Também aconteceram protestos nas cidades de Lyon, Estrasburgo e Rennes.


Barricada pegando fogo na  Place de la Republique, em Paris. Foto: Fabrizio Bensch/Reuters.

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Thomas Ferdinand Heye é Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Decano do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST/UFF). Possui Bacharelado em História (1994) e Mestrado em Relações Internacionais (1997) pela PUC-RJ. É Doutor em Ciência Política (2005) pelo IUPERJ.  Lidera o Laboratório de Integração Sul Americana (LISA) e é Coordenador do GT de Segurança Regional e Conselheiro do Fórum Universitário do Mercosul (FOMERCO).

Márcia Carneiro é professora associada no Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense, atuando no Departamento de História nas Disciplinas História do Brasil Republicano e História Econômica Geral (Curso de Ciências Econômicas). Possui Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em História na UFF.

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