Pesquisa liderada pela UFF aponta que aquecimento dos lagos tropicais pode agravar ainda mais as mudanças climáticas
O aumento da temperatura pode reduzir drasticamente o heroico serviço dos lagos tropicais para o equilíbrio do clima global
Os lagos são reservas naturais de água doce e habitat natural de peixes, plantas e algas que, além oferecerem uma oportunidade de lazer para turistas e moradores do seu entorno, exercem para toda a humanidade um importante, mas pouco conhecido serviço ambiental.
Trata-se de sua capacidade de funcionar como um importante reservatório e aprisionador de carbono. Com isso, os lagos contribuem para o equilíbrio climático, uma vez que eles evitam que mais gases do efeito estufa alcancem a atmosfera.
Tal serviço ambiental é de grande importância, pois, apesar de serem relativamente pequenos, os lagos, em sua totalidade (afinal, são muitos!), podem acumular os efeitos da ação humana de vastas áreas da superfície terrestre. Isso porque eles são destinos preferenciais para as águas que carregam matéria orgânica de cidades e regiões mais altas (Ver quadro abaixo).
Entretanto, o aumento da temperatura que está sendo provocada pelo aquecimento global pode reduzir drasticamente o heroico serviço dos lagos tropicais para o equilíbrio do clima global.
Isso é o que sugere um recente estudo publicado na Nature Climate Changeque comparou a produção de gases provocadas por sedimentos lacustres — que é aquela lama e areia que fica no fundo — de lagos da Amazônia (região tropical) com outros da Suécia (região boreal).
O coordenador desse estudo, o doutor em Ecologia e professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Humberto Marotta Ribeiro (na foto ao lado), explica que “devido à frequente disponibilidade de matéria orgânica e nutrientes, os sedimentos lacustres podem apresentar elevadas taxas tanto de acumulação quanto de liberação de compostos que contribuem ao aquecimento da atmosfera”.
Isso significa que, quando a temperatura se mantém dentro da média histórica, os lagos tropicais contribuem para o equilíbrio climático ao reterem e acumularem grande parte do carbono que recebem, impedindo que voltem para atmosfera e, consequentemente, agravem o efeito estufa.
No entanto, o efeito pode ser justamente oposto caso a temperatura do planeta continue aumentando devido à imensa quantidade de gases do efeito estufa que as sociedades industriais têm lançado na atmosfera nos últimos séculos. Como, até agora, todas as tentativas de se reduzir essa emissão se mostraram fracassadas, a previsão dos cientistas é que a temperatura global continue aumentando. E, nesse cenário, os lagos perderiam substancialmente sua capacidade de frear o desequilíbrio climático.
Isso porque o aumento da temperatura da água faz com que os lagos acabem liberando para a atmosfera uma boa parte do carbono que, nas temperaturas normais, permaneceria preso no fundo do lago como parte do sedimento lacustre.
Essa liberação ocorre pela ação de micro-organismos que se proliferam com maior intensidade quando a temperatura da água aumenta. É que esses micro-organismos, ao degradarem a matéria orgânica, acabam liberando gases ricos em carbono, tais como o gás carbônico (o CO2) e o metano (CH4), que são justamente os maiores responsáveis pela intensificação do aquecimento global.
Como aponta o Prof. Dr. Humberto Marotta e os respectivos coautores da pesquisa, observou-se uma sensibilidade maior dos sedimentos contidos nos lagos tropicais do Brasil do que nos lagos boreais da Suécia. Este resultado inovador evidencia que não somente ambientes frios, mas também os quentes podem ser afetados pelo processo de efeito estufa.
Os lagos podem, então, estar retroalimentando o efeito estufa num nível mais intenso nos trópicos, pois, no conjunto, os lagos dessa região produziriam uma quantidade quase três vezes maior dos gases que aumentam a temperatura do planeta. Como resultado dessa produção, o planeta ficaria ainda mais quente, o que, por sua vez, faria com que os lagos liberassem ainda mais desses gases que aquecem o planeta, e assim por diante. Haveria, assim, nos trópicos, uma espiral latente excepcionalmente poderosa de retroalimentação do caos climático global (Ver quadro abaixo).
Retroalimentação Climática: Quanto maior a temperatura, maiores as emissões. Quanto maiores as emissões, maior a temperatura
Entenda melhor esse processo
Como pecinhas de montar, os elementos químicos que contém o carbono — uma das peças-chave que intensificam aquecimento global — podem estar juntos e/ou separados. Quando eles formam os seres vivos (como as plantas, algas etc.), tais elementos estão bem juntos, ou seja, bem encaixados uns aos outros. Quando separados a partir do processo de degradação, eles podem ser liberados no meio ambiente. Como nos conta o professor Marotta, “este movimento dos elementos químicos entre a síntese e a degradação de matéria orgânica, análogo à composição de um brinquedo de montar, denominamos de ciclagem da matéria.”
Determinados gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4) podem estar como “pecinhas soltas” e, por serem muito pequenas, podem volatilizar e alcançar a atmosfera. Por outro lado, podem também ser apreendidos por seres vivos como algas e plantas, formando biomassa de grande tamanho molecular, e/ou aprisionados em sedimentos minerais, de forma que se tornam “sequestrados”, não alcançando a atmosfera e, nessa circunstância, não contribuem com o subsequente efeito estufa.
Os sedimentos lacustres são importantes reservatórios que sequestram o carbono, pois são formados a partir da acumulação de matéria orgânica que se deposita no fundo dos lagos (trazida pelas águas que escorrem de regiões mais altas). Assim, eles podem concentrar efeitos da poluição e do desmatamento, frutos tanto da ação humana como da natural.
No entanto, como este ambiente é pobre em oxigênio, micro-organismos anaeróbios agem de modo degradar a matéria orgânica acumulada nos sedimentos lacustres, liberando nesse processo de degradação elementos como o gás carbônico e o metano, que são justamente os grandes responsáveis pelo efeito estufa. O problema é que com o aumento da temperatura da água, essa degradação ocorre ainda mais intensamente.
A pesquisa
Publicada em 11 de maio do ano passado no site da prestigiada Nature Climate Change, a pesquisa coordenada pelo Prof. Dr. Humberto Marotta (UFF) se intitula “Greenhouse gas production in low-latitude lake sediments responds strongly to warming”. Ela foi realizada em colaboração com pesquisadores do Brasil e Suécia. A experiência nas universidades suecas de Uppsala e Linkoping permitiram compor a infraestrutura necessária para prosseguimento dessa linha de pesquisa em dois laboratórios da UFF, na central analítica de gases do Núcleo de Estudos em Biomassa e Gerenciamento de Água (NAB/UFF) — coordenado pelo professor Raimundo Damasceno — , e no setor de corte e preparação de sedimentos do Laboratório de Processos Sedimentares e Ambientais (LAPSA/UFF — INCT CRIOSFERA) — coordenado pela profa. Rosemary Vieira.
Amostras de sedimentos de nove lagos tropicais e oito boreais foram isoladas em frascos e submetidas a diferentes temperaturas, que variaram de 4,3 graus Celsius (ºC) até 40,5 ºC, por um período de 44 dias, permitindo determinar quanto de gás carbônico e metano foram produzidos por cada amostra. A expectativa era de que, com o aquecimento, os lagos boreais liberariam mais gases. Mas não foi isso o que se constatou.
“Nossos resultados mostraram que, na condição tropical quente, uma determinada quantidade de sedimento tropical poderia liberar mais gases do efeito estufa pelo processo de degradação da matéria orgânica do que a mesma quantidade de sedimento de um ecossistema aquático mais frio”, relata o Prof. Humberto.
De acordo com a publicação, mesmo se utilizando de um cenário conservador (que prevê um aquecimento global ameno), sendo este o cenário B1 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), o aumento da produção de gás carbônico e metano provenientes de sedimentos em lagos tropicais podem ser 3 vezes maior do que o aumento em lagos boreais.
O que parece ruim pode ser ainda pior
Outro “agravante” desta situação é que, de acordo com a pesquisa, a resposta ao aumento de temperatura na produção de metano é ainda maior que o de gás carbônico devido ao fato de que, nesses sedimentos com baixo níveis de oxigênio, parte do gás carbônico é consumido para a produção do metano. Isso pode gerar um aumento ainda maior da produção de gás metano nas regiões de baixa latitude em relação às de alta latitude, tornando àquelas mais sensíveis a pequenos aumentos de temperatura, contribuindo, desse modo, para uma retroalimentação relativamente mais severa do aquecimento global, especialmente pelo fato de que comparativamente, o metano é 25 vezes mais eficiente na captura de radiação do que o CO2.
A publicação enfatiza que os resultados são conservadores em relação ao potencial de impacto no aquecimento global, já que não foram consideradas as áreas de alagamentos, de formação de rios perenes nos trópicos, nem os períodos de congelamento dos lagos mais próximos aos polos. Casos tais elementos tivessem sido inclusos nas projeções, elas seriam ainda mais alarmantes.
CRÉDITOS
Matheus Otanari — Coordenação, entrevista e revisão
ana-beatriz-bretas — Entrevista e redação
Junior Melo — Produção de imagens gráficas
Amanda Domingos — Produção e comunicação interna
Mauricio de Souza — Pesquisa
Luiz Daniel — Pesquisa
Fabiano Carvalho — Pesquisa
thiago-machado — Apoio à produção
breno-de-oliveira — Apoio à produção
Supervisão Geral — afonso-de-albuquerque, diogenes-lycariao
Esta matéria foi produzida pelos discentes da disciplina “Comunicação e Divulgação Científica” (Estudos de Mídia) em parceria com Superintendência de Comunicação Social (SCS) da UFF