Em entrevista à Rádio Internacional da China, o vice-reitor da Universidade Federal Fluminense, Antonio Claudio da Nóbrega, fala da importância de sua viagem a Pequim para o encontro das universidades dos países integrantes do Brics. O encontro ocorreu em outubro na Beijing Normal University e conseguiu conquistar o Consenso de Pequim, documento que aprova a criação de uma plataforma de pesquisa coordenada, além de outras ações que têm o intuito de envolver as universidades.
Rádio Internacional da China: O que foi o encontro e o que ele representa?
Antonio Claudio da Nóbrega: Este encontro vem sendo organizado há algum tempo e foi sediado na Beijing Normal University. Ele teve o objetivo de fundar uma liga de universidades dos países integrantes do Brics. O propósito global foi o de estimular uma cooperação articulada entre as faculdades para atacar alguns dos desafios comuns a esses países. Este foi o encontro que inaugurou essa liga. Foi construído o chamado Consenso de Pequim, onde se estabeleceram alguns princípios que nortearão essas ações de cooperação. Ao todo, foram 44 universidades do Brasil, Rússia, China e África do Sul.
RIC: Quais as questões acordadas entre os países?
ACN: A criação do termo Brics estimulou uma identidade comum desses países, valorizando as diferenças, mas, por outro lado, focando nas nossas grandes similaridades do ponto de vista dos desafios de desenvolvimento dos nossos países. Foram questões como o crescimento econômico acelerado, que todos temos experimentado, associado à sustentabilidade, à questão fundamental da erradicação da pobreza e à mobilidade urbana. São todas comuns entre esses países e estão no centro das preocupações das universidades. Alguns princípios foram muito bem marcados como norteadores das cooperações. Primeiro, a formação de capital humano, intelecto e conhecimento comum entre os países que possam colaborar com a formação de políticas públicas para solução desses problemas. O fortalecimento desses países no cenário nacional, é um elemento fundamental que decorre de todas as ações de qualquer universidade. A responsabilidade social com a melhoria da qualidade de vida é um ponto que nós, da Universidade Federal Fluminense, trabalhamos e insistimos muito para que não pare na definição dos princípios em questões meramente acadêmicas. A universidade tem o papel de, por meio da mobilidade e intercâmbio de alunos e pesquisadores e realização de pesquisas comuns, desenvolver nossa missão, que é de produzir conhecimento, formar pessoas, profissionais, cidadãos e produzir inovações transformadoras para a sociedade. Nós insistimos que tudo deve servir a objetivos de estado, de no final das contas melhorarem a vida das pessoas e a qualidade de vida. Esses são os princípios básicos que nortearam o Consenso de Pequim.
RIC: Dentro desses princípios, qual seria o maior desafio de vocês? Qual é o mais difícil de ser alcançado?
ACN: São todos desafios gigantescos. Observe que existe embutido em cada um deles certa ambiguidade no sentido de que todos queremos crescer rápido, mas também preservar o meio ambiente e ser sustentável. Essa talvez seja a questão central: manter o equilíbrio entre crescer, consumir, para que as pessoas tenham mais conforto, e manter um ambiente sustentável para os milênios futuros. Esse, na verdade, não é um desafio só dos Brics. Para todos os países que economicamente crescem muito rápido, ele se torna mais agudo. Por isso mesmo é importante que nós tenhamos um intercâmbio de ideias, soluções, e compartilhemos práticas de sucesso. Não só no sentido do papel da universidade de formar o profissional, mas também em colaborar para a formação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento sustentável.
RIC: A sustentabilidade está muito ligada a uma educação mais primária. Para haver pessoas mais conscientes, esta educação tem de vir desde cedo. Dentro desses projetos, há espaço para crianças?
ACN: Você tocou num ponto fundamental. Não há como impor um comportamento a milhões de pessoas numa sociedade. Isso tem de ser construído como uma atitude cotidiana. Nosso exemplo na Universidade Federal Fluminense, é o Colégio Universitário, que inclui ensino básico, fundamental e médio. Temos interagido muito com projetos de pesquisa feitos pelos alunos com os professores dessa escola, cooperando com laboratórios da universidade. Os alunos visitam a universidade e retornam ao colégio de maneira que eles possam multiplicar o que aprenderam. Muitos estudantes são de comunidades mais carentes e levam os projetos ligados a energias renováveis para suas famílias e aos lugares onde moram, que geralmente têm os serviços básicos falhos ou até mesmo inexistentes. Isso provoca uma reflexão sobre os direitos dessas pessoas como cidadãos e pagadores de impostos. É um elemento fundamental na nossa compreensão de cidadania como uma característica indissociável do desenvolvimento sustentável, a capacidade do indivíduo de ser um agente da sua própria qualidade de vida e, portanto, da coletividade em que ele está inserido.
RIC: Como funciona a cooperação Sul-Sul e a integração latino-americana?
ACN: Nossa universidade tem expandido de maneira bastante rápida a cooperação internacional em todos os sentidos. Tradicionalmente, ainda consolidamos a articulação entre Estados Unidos e Europa. Nos últimos anos, cresceu rapidamente e de maneira deliberada a cooperação com a América Latina. Foi uma decisão institucional aumentar a cooperação, não só economicamente, mas também de identidade própria. Respeitando e valorizando as diferenças, temos muitas características comuns, do ponto de vista histórico. A cooperação na América Latina tem sido alvo fundamental no reconhecimento da identidade comum e do papel das universidades nesse sentido. Muito embora já tenhamos experimentado grandes avanços em pesquisas conjuntas com Colômbia, Chile, Argentina, Peru, ainda temos espaço para crescer. É um objetivo constante. A cooperação Sul-Sul, além da América Latina, envolve a África, particularmente os países de língua portuguesa. Nós temos um papel importante com desenvolvimento das universidades desses locais. Temos projetos que envolvem ensino à distância, como uma ferramenta complementar da formação universitária, não só usando essa tecnologia para formar, mas também para capacitar profissionais que a multipliquem. Quando países têm níveis de desenvolvimento diferentes, aqueles que têm uma experiência maior, podem emprestar sua competência para formação de pessoas, e também funcionar como agentes de formação de formadores, para que os países com menor desenvolvimento adquiram autonomia. Essa cooperação Sul-Sul se estende, de certa forma, para a Ásia, incluindo a Índia e parte da China. Temos crescido, também, pelo Timor Leste, Oceania. São ações de internacionalização que começam a ganhar mais “robustez”. Nós temos convicção de que esse encontro terá um papel muito grande.