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Torben Grael: um campeão da vela focado na inclusão social

Olimpíadas 2016

Com cinco medalhas olímpicas em sua carreira como velejador, entre elas duas de ouro, Torben Grael está pronto para mais uma competição, os Jogos do Rio 2016, no período de 5 a 21 de agosto. Além do histórico vitorioso como atleta, Torben é um dos idealizadores e fundadores do Projeto Grael, que busca promover a inclusão de jovens estudantes de escolas públicas no esporte da vela e inseri-los no mercado de trabalho do setor náutico. O bicampeão olímpico na categoria Star se formou em Administração na UFF nos anos 80.

Em entrevista realizada na sede do Projeto Grael, no Instituto Rumo Náutico, em Jurujuba, Niterói, o atleta falou da importância da formação acadêmica em sua carreira esportiva, do projeto que leva o seu sobrenome e da importância da UFF no desenvolvimento desportivo e nas competições olímpicas. Ele também manifestou suas preocupações quanto à realização dos Jogos e falou das consequências que espera a partir do evento internacional.

Como surgiu a ideia do Projeto Grael?

O instituto começou como uma escola de vela. A primeira coisa que foi identificada é que apesar de Niterói ser uma cidade litorânea cheia de praias, boa parte das crianças não sabe nadar adequadamente para ir velejar. A ideia do projeto veio de uma reunião em 1996 entre o Marcelo Ferreira (proeiro de Torben, integrante da dupla que conquistou as duas medalhas de ouro nos Jogos), o Lars (Grael, irmão de Torben, duas vezes medalhista de bronze nas Olimpíadas de Seul e Atlanta, também na vela, na classe Tornado) e eu. Começou a funcionar em 1998, na praia de Charitas, até 2004, quando viemos para essas instalações em Jurujuba. Já são 12 anos contínuos de obras de modernização aqui. O Axel (Grael, também irmão de Torben e vice-prefeito de Niterói) teve um papel muito importante na parte profissionalizante e ambiental.

Existe alguma parceria do Projeto Grael com a UFF?

A gente tem várias parcerias com a UFF, que vão mudando ao longo do tempo (segundo a gerente executiva adjunta do Projeto Grael, Joana Alves Dutra, existe um convênio com a UFF há mais de 10 anos, mas no momento não há nenhuma parceria ativa. O projeto recebe muitos alunos da universidade como estagiários, nas áreas de Biblioteconomia, Biologia e Assistência Social, por exemplo).

Como você acha que a graduação em Administração na UFF influenciou na sua carreira de esportista?

Bom, na época em que comecei, a gente fazia tudo. Gerenciávamos nossa própria carreira, o contato com patrocinadores, eventos, planejamento de campeonatos. Era diferente de hoje, que temos a confederação, que, junto aos patrocinadores, apoia os atletas, ajuda no planejamento e tudo o mais. Administração é uma formação como o Direito: são profissões muito úteis no dia a dia, mesmo que você não trabalhe numa grande empresa.

Para a criação do Projeto Grael, sua formação acadêmica também teve importância?

Sim. Eu também tive um estaleiro, construí barcos para competição durante bastante tempo. Foi até em um período em que eu ainda estava estudando. Depois, no Projeto Grael, a gente acabou usando bastante desse conhecimento da universidade, também.

Na situação contrária, você acha que o esporte ajudou na sua formação acadêmica?

Ajudou muito, porque o esporte tem muitos valores importantes como disciplina, determinação, assistência, planejamento. E todos eles têm algo em comum com a Administração. Então ajuda bastante sim.

Além de você, sabemos que sua filha também fez um curso na UFF. Você poderia falar um pouco da ligação da família Grael com a universidade?

Eu entrei na UFF em 1978. Minha esposa (Andrea Soffiatti Grael, velejadora e mestre em Veterinária) também é formada pela UFF. Ela entrou depois de mim, mas se formou antes (risos). Aí entrou o Marco, para fazer Administração, e depois a Martine, fazendo Engenharia Ambiental (Marco e Martine são filhos do casal). No momento os dois estão com matrícula trancada devido à campanha olímpica para os Jogos do Rio.

Qual a sua expectativa para as competições de iatismo nas Olimpíadas?

Essa é uma pergunta muito difícil e muito fácil ao mesmo tempo (risos). Acertar o resultado é difícil. É muito complicado de mensurar, depende de várias condições, da água, do vento… Mas a minha expectativa é de manter a tradição da vela olímpica no país e trazermos mais uma medalha para o Brasil.

O que tem a dizer sobre todos esses problemas estruturais e de segurança que a cidade teve na preparação para os Jogos do Rio?

Teve não, continua tendo, mas não foi só o Rio de Janeiro que enfrentou dificuldades. A Grécia teve problemas semelhantes aos nossos e mesmo assim a olimpíada realizada lá em 2004 foi bem bacana.

A Grécia teve problemas também com poluição?

Não, poluição não, mas houve muitos problemas com as instalações. Ficou muita coisa abandonada lá e teve uma crise grande no país depois dos Jogos Olímpicos. Aqui a gente já se adiantou e fez a crise logo antes (risos). Parte dos nossos políticos não se importa muito com essa questão ambiental. Então, obviamente, o problema foi relegado ao segundo plano. Não foi feito absolutamente nada em relação a essa questão.

E sobre aqueles barcos que estão fazendo recolhimento do lixo na Baía de Guanabara?

Na minha opinião, isso é uma ação pontual, que vai acontecer para os Jogos e depois vai ser interrompida. Até porque, atualmente, o governo do Estado do Rio não vem realizando o pagamento desses trabalhadores. Então, um finge que paga, o outro finge que trabalha e nada muda.

Então, nos jogos vamos contar com a sorte?

Para a Olimpíada, o problema da qualidade da água vai ser resolvido com o uso daquelas bactérias que consomem material orgânico. Aí, vai dar uma aparência de limpeza para a água. Só que esse processo custa muito caro e não é uma solução definitiva. Ninguém pode ficar jogando bactéria na Baía de Guanabara o tempo todo. Aquilo vai ser feito “para inglês ver”, literalmente, e depois volta a ficar como sempre foi. O mesmo vai acontecer em relação ao lixo. Devem ser utilizadas aquelas barreiras de contenção para os detritos da superfície não chegarem à área das provas, mas isso também é temporário.

Em sua opinião, qual é a solução?

A solução definitiva é dar um destino correto ao lixo. São vários municípios no entorno da baía, além das cidades cujos rios deságuam nela, que não possuem coleta adequada. Esses dejetos são despejados principalmente em áreas ribeirinhas, na beira dos canais e dos rios, que também não têm coleta de esgoto. Isso tudo vai parar nessas águas e, quando chove, o lixo vem para onde? Para a Baía de Guanabara. A Companhia Águas de Niterói aumentou muito a rede de esgoto, mas utiliza o sistema de tratamento apenas no tempo seco. Então, fazer propaganda de que faz 100% do tratamento não é correto. Essa porcentagem é de quando não chove. Quero dizer, quando chove não tem tratamento de nada e 100% do esgoto vai para a água. Além disso, não é levado em consideração o lixo de toda a “cidade informal”, apenas da “cidade formal”. Não é muito diferente do que se fazia, hoje só não se vê o esgoto correndo na rua. Vai tudo para o mesmo lugar de antes, mas ninguém percebe porque sai num emissário debaixo d’água.

O Projeto Grael procura despertar uma consciência ambiental nos estudantes?

Desde que a gente veio para essa sede, o Axel implantou essa vertente ambiental no projeto, que é importante. Mas o simples fato de o aluno ir para a água já traz uma conscientização muito grande. Fora d’água ele não é afetado, mas quando está lá, vendo a imundície, o lixo agarrando no barco, ele já vai se conscientizando. Porém, temos aulas sobre meio ambiente e ações de limpeza de praia em grupo. Há várias iniciativas nesse sentido.

Você podia falar um pouco mais do projeto? Ele propõe a preparação esportiva das crianças.

Então, a primeira coisa que se ensina é a natação. Depois vem a iniciação à vela e outros cursos mais avançados. Paralelamente, temos uma área profissionalizante, voltada para despertar o interesse deles para profissões ligadas à área náutica: carpintaria, mecânica, trabalho com fibra de vidro, capotaria elétrica…

Mais ou menos quantas crianças vocês atendem aqui?

Atendemos em torno de 350 crianças por semestre, tanto na parte da vela, quanto nas outras áreas relacionadas. Trabalhamos em dois turnos, de manhã e de tarde, no período oposto ao da escola.

O projeto tem algum foco especial na preparação de jovens carentes?

Como a pessoa que tem recurso pode frequentar um clube, a gente tenta atingir quem não pode. E como normalmente quem tem recurso no nosso país frequenta escola privada, a maneira que a gente encontrou foi direcionar o projeto para a escola pública. Se não atingirmos o número de interessados, abrimos vagas para escolas privadas, mas nunca aconteceu.

Quanto à questão financeira, a vela não é um esporte caro?

Para a prática do esporte, não é preciso ser sócio de clube e nem dono do barco, só é necessária a oportunidade de aprender o bastante para chegar a um nível alto o suficiente para ser convidado a fazer parte de uma tripulação. Um barco de oceano médio tem de seis a dez tripulantes e normalmente só uma pessoa é dona da embarcação. Então, o problema é juntar uma ponta com a outra, o dono do barco com bons tripulantes, o que não é fácil conseguir. Hoje a vela é basicamente um esporte de classe média.

São muitos clubes no Rio de Janeiro que têm esse tipo de modalidade?

Só aqui na enseada são seis clubes. Têm mais dois no Rio, no bairro da Urca, e mais três clubes em outros locais da orla da baía. Então, tem bastante, sim. O papel dos clubes no Brasil é forte no esporte da vela. Acho que até um dos motivos do sucesso do esporte aqui é a boa infraestrutura de clubes. A diferença é que a gente não tem muito acesso público, de escolas públicas. O projeto começou até com o intuito de mostrar que o espaço ocupado pela vela pode ser imensamente maior do que é hoje. Não tem nada de errado com a estrutura de clubes, o que falta é a estrutura fora deles.

A parte profissionalizante do projeto é toda voltada para a náutica?

Sim. A náutica normalmente remunera muito bem, se você é um bom profissional. Se mantivermos esses jovens mais tempo ligados conosco, fica mais fácil de se fazer o link entre eles e os clubes. Daí eles podem ser encaixados em tripulações e trabalhos na área. Quando começamos como escola de vela, eles aprendiam a velejar. Mas se não tinha como continuar velejando profissionalmente, acabava virando uma frustração. Dessa maneira a gente acaba infiltrando muita gente no esporte, o que é muito bacana.

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