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Tratamento de câncer: projeto da UFF utiliza conceitos do Nobel de Química

No último dia 5 de outubro, a Real Academia de Ciências da Suécia divulgou os laureados com o Nobel de Química de 2016. O prêmio foi concedido ao escocês Sir Fraser Stoddart, ao francês Jean-Pierre Sauvage e ao holandês Bernard Feringa por suas pesquisas de planejamento, síntese e funcionamento de máquinas moleculares artificiais, também chamadas de nanomáquinas. Essas “menores máquinas do mundo” são uma realidade próxima da professora e pesquisadora do Departamento de Química Inorgânica da UFF, Célia Machado Ronconi.

Durante o seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), entre 2003 e 2005, a professora trabalhou diretamente com o professor Stoddart e outros 40 pesquisadores do mundo. Atualmente, Célia desenvolve na universidade o projeto de pesquisa “Fabricação de nanodispositivos para aplicações em quimioterapia do câncer”, que tem como base os conceitos adquiridos durante sua experiência acadêmica nos Estados Unidos.

As nanomáquinas são moléculas com movimentos controláveis, que podem executar uma tarefa quando recebem algum tipo de energia, seja química, elétrica, óptica ou magnética. São chamadas assim devido às suas dimensões na ordem de um bilionésimo do metro (10-9m), ou seja, na casa de milésimos da espessura de um fio de cabelo.

É ótimo poder propagar conhecimento e continuar pesquisando a partir do que foi aprendido com um prêmio Nobel”, destaca Célia Machado Ronconi

No grupo de pesquisa de Stoddart, Célia trabalhou na síntese de nanoelevadores, rotaxanos e dendrímeros – moléculas utilizadas na fabricação das nanomáquinas. Com base em sua experiência na UCLA, a professora aplica os conceitos aprendidos com Stoddart e desenvolve no Departamento de Química Inorgânica da UFF uma série de nanoválvulas programadas para liberarem fármacos com atividade anticâncer somente ao detectarem células tumorais.

“Estamos sintetizando e preparando as nanoválvulas de acordo com o que aprendi durante o pós-doutorado. Nós aplicamos um estímulo no dispositivo, a porta abre e o conteúdo é liberado. Temos um controle sobre o funcionamento. No nosso caso, o conteúdo que está dentro do reservatório são fármacos – substância química que é o princípio ativo do medicamento -, moléculas que têm atividade anticancerígena”, explica a pesquisadora.

Segundo Célia, uma das motivações para o desenvolvimento das nanoválvulas é a busca pela diminuição dos efeitos adversos causados pelos remédios no tratamento do câncer, como a queda de cabelo e a diminuição da imunidade. “Isso ocorre porque os fármacos presentes na medicação não matam somente as células cancerosas, mas também as sadias”, ressalta.

Para a professora, a ideia de usar essas nanomáquinas, esses dispositivos, é que elas só vão liberar o fármaco onde estiver localizado o tumor. Elas não podem liberar o fármaco prematuramente, se isso ocorrer, o produto vai para a corrente sanguínea e começa a causar esses efeitos adversos. A proposta é o dispositivo localizar somente a célula cancerosa e ali abrir e liberar o conteúdo. “Nós fabricamos o dispositivo, estudamos o funcionamento e, depois, para a liberação, utilizamos o meio ácido porque as células cancerosas, em seu interior, são mais ácidas. Fizemos os testes in vitro e não em vivo, mas elas funcionaram. A única desvantagem é que a quantidade de fármaco que nós conseguimos colocar dentro da nanoválvula é muito pequena. Mesmo assim, essa quantidade foi suficiente para matar 30% das células cancerígenas. O que estamos tentando fazer agora é fabricar outros dispositivos para colocar uma quantidade maior do fármaco e, consequentemente, aumentar sua eficiência”, conclui.

As nanoválvulas são desenvolvidas para atuar em diferentes células cancerosas, já que o fármaco incorporado pode ser específico para cada tipo de tumor. Segundo Célia, no momento, os testes do dispositivo estão sendo realizados em células cancerígenas de pulmão humano.

Atualmente, o projeto de pesquisa trabalha com vários sistemas para a liberação de fármacos com o objetivo de aumentar as células cancerosas mortas. “O sistema com que trabalhamos agora é um pouquinho diferente, usa macrociclos diferentes e, com isso, a funcionalização é distinta. Na verdade, nossa meta é atingir uma porcentagem de 80% de eficiência. Não só aumentando a quantidade de fármaco, mas usando um dispositivo que abra mais rápido, por exemplo”, explica.

Na ciência você não tem fronteiras, os conceitos são usados em qualquer lugar do mundo”, afirma a professora

Célia Ronconi era a única latino-americana dentre os 40 integrantes que atuavam no grupo de pesquisa do ganhador do prêmio Nobel. Segundo ela, somente o seu grupo desenvolve esse tipo de pesquisa no país. “É um assunto que tem uma importância imensa para a universidade e para o Brasil. É ótimo poder propagar conhecimento e continuar pesquisando a partir do que foi aprendido com um prêmio Nobel. Os alunos se interessam porque sabem o mérito acadêmico disso”, ressalta.

“Na ciência você não tem fronteiras, os conceitos são usados em qualquer lugar do mundo. Fraser Stoddart se orgulhava disso, de ter chineses, italianos, espanhóis, australianos e uma brasileira no grupo, pois isso agregava muito ao trabalho. Aprender ciência é igual em qualquer lugar. Existem grupos que são mais fortes, que fazem coisas diferentes, mas os conceitos são os mesmos. Você só vai lá aprender uma técnica nova, um conceito novo. Acho que é por aí”, finaliza.

A professora, que ministra a disciplina Introdução à Química Supramolecular e Nanotecnologia na pós-graduação, acrescenta que pretende transformá-la em uma disciplina eletiva para os alunos de graduação para abordar as máquinas moleculares, seus conceitos, como são fabricadas e sintetizadas.

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