Na edição do SiSU 2019/1, mais de 2500 estudantes que optaram por uma das modalidades de ação afirmativa de ingresso na Universidade Federal Fluminense passaram pelas comissões de verificação. A universidade é uma das pioneiras do Brasil em institucionalizar, dar transparência e definir critérios objetivos para a aplicação das políticas de cotas. São três comissões compostas para cada avaliação: socioeconômica, heteroidentificação e de pessoas com deficiência.
Desde a 1ª edição do SiSU de 2017, a UFF possui Comissão de Aferição de Autodeclaração de Cor/Etnia, a Comissão de Heteroidentificação. O candidato deverá comprovar que pertence ao grupo de pretos, pardos ou indígenas, de acordo com os critérios estabelecidos em legislação e normativos nacionais. A comissão é uma orientação do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e do Ministério Público Federal.
Segundo a pró-reitora de Graduação, Alexandra Anastacio, o objetivo da universidade federal é promover a inclusão, especialmente daqueles grupos historicamente excluídos dos espaços acadêmicos. “É importante ter claro que estamos lidando com pessoas que sonham em entrar na universidade. A comissão tem o propósito de acolher e de incluir”.
É importante que a universidade conheça esse trabalho de ingresso e recepção dos alunos. É uma movimentação imensa que demanda um compromisso de muitas pessoas para compor as comissões”, ressalta a pró-reitora.
O coordenador de seleção acadêmica (Coseac), Luiz Antônio Cruz, ressalta que todos os candidatos, sem exceção, passam pela avaliação das comissões. No SiSU, os candidatos optam pela modalidade de ampla concorrência ou de ações afirmativas e, na universidade, devem comprovar a adequação aos requisitos de acordo com o disposto em edital. “É um processo bastante trabalhoso, mas é gratificante abrir a porta da universidade para aqueles que historicamente não tinham a chance de ser incluídos.”
A comissão de heteroidentificação
A Comissão de Heteroidentificação cumpre a determinação de prever e detalhar os métodos de verificação da veracidade da autodeclaração de pretos, pardos e indígenas. As análises são presenciais e são considerados os critérios fenotípicos, além do Termo de Autodeclaração.
De acordo com Rolf Malungo de Souza, professor de Antropologia no curso de Ciências Humanas de Pádua, e membro da Assessoria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (AFiDE), a comissão é uma forma de aplicar as políticas públicas de forma institucional, transparente e participativa. “A ideia é criar mecanismos de resolução de conflito. Estamos indo no caminho certo. O que queremos é melhorar cada vez mais”, afirma.
A AFiDE assessora a implantação e o acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa Étnico-raciais no âmbito da UFF. Leonardo Vieira Silva, mestrando em Antropologia da UFF explica que a comissão é um momento de aplicação e de refinamento das políticas públicas. “A política pública é extremamente positiva, mas precisamos refinar para não cometer injustiças. A política pública é para incluir”.
Como funciona
A cada semestre, a UFF constitui comissões de verificação de requisitos para ingresso de estudantes nas vagas reservadas pelas leis de cotas. Este modelo exige um esforço de normatização, articulação institucional e de logística de atendimento dos candidatos. O grupo é composto por docentes, técnico-administrativos e discentes, preservando a diversidade de gênero, de cor/etnia e de geração.
Para Stefânia Pereira da Silva, aluna de ciências sociais da UFF e membro do Coletivo Negro da UFF – Iolanda de Oliveira, a representatividade da comissão é resultado de uma reivindicação dos alunos. “Participamos desde as primeiras conversas. O avanço tem sido lento, porém efetivo. Têm sido feitas rodas de leitura, conversas para que a gente tenha embasamento teórico real para fazer a avaliação”, detalha.
Leonardo conta que a comissão se propõe a ser um lugar de acolhimento. “Os candidatos chegam lá desesperados por uma construção prévia negativa sobre a banca. O primeiro passo é fazer com que eles se sintam tranquilos naquele momento”.
A seleção para compor a comissão é aberta a todos os membros da comunidade interna da UFF. São realizados workshops e treinamentos para que os avaliadores conheçam a legislação, o contexto e os critérios de aplicação. Depois das seleções, é realizado um seminário para amadurecer o processo de avaliação.
Esse procedimento foi sendo consolidado e aprimorado ao longo do tempo. “É um olhar de inclusão e acolhimento. Essas pessoas já têm uma história de participação nessas comissões, são capacitadas e conhecem o funcionamento, os procedimentos e estão abertas ao diálogo”, afirma a pró-reitora de Graduação.
Não trabalhamos com a hipótese de que as pessoas agem de má fé e tentam fraudar a política de cotas. Muitas pessoas não conhecem os critérios das políticas públicas e não se adequam por desinformação”, comenta Alexandra Anastacio.
O processo de aferição é simples. O candidato entra na sala e a banca filma a ficha. Há uma conversa para receber e acolher o candidato e os membros fazem a avaliação. “Quando a comissão se mostra com um semblante acolhedor, faz muita diferença”, conta Leonardo. Os candidatos devem comprovar, também, terem estudado por todo o ensino médio em escola pública.
Os casos de indeferimento de matrícula são tratados como “não atendimento ao requisito exigido para ingresso pela modalidade específica”, sendo o candidato considerado apto ou não apto à continuidade do processo seletivo. Há instâncias recursais previstas no próprio edital e, em caso de indeferimento em última análise, são convocados os próximos candidatos da lista de espera daquela ação afirmativa.
Números
A comissão possui três anos de funcionamento. Os números mostram que a taxa de indeferimento é muito baixa. “Ele tem se tornado cada vez menor porque as pessoas sabem que tem comissão e se informam sobre os critérios”, afirma Stefânia.