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A revolução começa na mesa: Projeto da UFF de Hortas Pedagógicas denuncia mazelas da indústria alimentar

Educação. Saúde. Trabalho. Moradia. Lazer. Segurança. Alimentação. Esses são alguns dos direitos sociais básicos garantidos pela nossa Constituição Federal de 1988. Ou, pelo menos, deveriam ser. No que diz respeito à alimentação, esse direito pressupõe o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para os cidadãos, por meio de práticas que respeitem a diversidade cultural e sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

Buscando fazer eco a esse compromisso, uma equipe do Departamento de Nutrição Social da UFF inaugurou em 2016 um projeto de Horta Pedagógica, na escola municipal Alberto Francisco Torres, em Niterói, desenvolvendo com ela um conjunto de ações de promoção da alimentação adequada e saudável e voltadas para a educação ambiental.

Segundo a professora Patrícia Camacho, que coordena o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar de Niterói (CECANE), “trata-se de um movimento importante de valorização daquilo que é ofertado na alimentação escolar, do alimento in natura e a horta proporciona essa aproximação com a cadeia produtiva do alimento, valorizando o que está sendo plantado. Muitas vezes acredita-se que o que é bom é aquilo que se compra no mercado e vem no pacote. Mas a alimentação escolar é mais natural”, explica.

O projeto compreende muitas ações, a exemplo da gestão de resíduos gerados na alimentação escolar. Com as “sobras”, é feita uma compostagem para produção de adubo orgânico, que posteriormente é utilizado na horta. Essa atividade, inclusive, é realizada em parceria com outra universidade, a UFRJ. Professores de outros departamentos também participam do projeto, que possui caráter interinstitucional e interdisciplinar.

Márcio Cataldi, professor do Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental da UFF é um deles, desenvolvendo um sistema de irrigação autômato para manter a horta. Segundo ele, “as hortas, quando feitas nas escolas, têm um problema, porque no período de férias às vezes não tem ninguém para cuidar delas. A planta atinge o ponto de murcha, o solo resseca demais e morre. A ideia, então, é tratar a irrigação de forma autômata. Colocamos um sensor de baixo custo, que mede a umidade do solo. Esse sensor fica ligado a uma mangueira e ela só vai ser irrigada quando o solo estiver num determinado nível de umidade baixa. Trabalhar com automação permite que as plantas possam ficar um tempo maior sem ninguém regando”, explica.

Também são realizadas oficinas educativas periodicamente na escola, com a participação de bolsistas. A aluna Gabriella Vidal Gonçalves, que cursa o sétimo período de Nutrição, por exemplo, coleciona histórias de aprendizados e descobertas com os alunos: “Fiz uma oficina sobre redescobrir os alimentos e eles adoraram. Vendamos as crianças e cortamos o kiwi, a laranja, a banana… Havia uma resistência a provar o que eles não comiam em casa. Mas na brincadeira, aceitaram provar as frutas. Com essas atividades, o hábito deles muda dentro de casa”.

Outras ações realizadas pelo projeto são: a produção de encontros com os professores para identificar temas que possam ser trabalhados em sala de aula e que girem em torno da horta, e também a sensibilização das merendeiras com relação à questão dos resíduos.

Para Patrícia Camacho, “é necessário fazer esse mergulho na escola pública brasileira para compreender os desafios que ela traz e poder contribuir. Vivemos um momento de desvalorização do que se faz em setores públicos de um modo geral e a universidade pública tem sido um alvo frequente. Ela tem o papel de levantar questões que interessam ao debate social, como, por exemplo, o direito humano à alimentação. Cabe a nós sensibilizar a sociedade para esse direito, proporcionar o debate e também trazer soluções e é o que temos feito. Aqui se produz muito”.

Segundo a professora do Departamento de Nutrição Social Daniele Mendonça Ferreira, também participante do projeto, “o sistema está a favor das indústrias dos alimentos, e nós estamos muito contra esse sistema. Tem todo esse argumento da escolha, mas será que basta saber o que é bom e ruim para a saúde se o ambiente não favorece isso? Existem alimentos da indústria empacotados e também os refrigerantes que recebem subsídios para tornar o produto mais barato. E a população menos favorecida economicamente frente a isso, tem escolha? Não basta, portanto, a gente incentivar a alimentação adequada e saudável, precisamos agir como uma proteção também”, argumenta.

A prevalência da obesidade e de outras doenças crônicas na sociedade aponta também, segundo Patrícia, para uma falsa ideia de que existe escolha possível: “na verdade, as opções estão cada vez menores. Temos muitas embalagens e muitas cores de embalagem, mas os produtos que estão ali dentro são basicamente os mesmos. Não mudam os ingredientes, mas a coloração e os saborizantes. A variedade de frutas, legumes e verduras está diminuindo”, alerta.

Muito engajada com o trabalho desenvolvido na universidade através desse e de outros muitos projetos que levam a bandeira da alimentação saudável e adequada como um direito humano inalienável, Patrícia vai além na sua denúncia à indústria de alimentos: “Precisamos atentar para o fato de que as megacorporações estão destruindo culturas, nos encharcando de agrotóxicos. O contra-argumento, já ultrapassado, é de que o agrotóxico é necessário para viabilizar uma grande produção, levando em conta o tamanho do Brasil. Mas estamos aqui sempre contra, protegendo a saúde dos cidadãos. Estamos constantemente lutando para que a sociedade seja informada, protegida dessas corporações que só visam o lucro. Que os nossos alunos saiam formados com compromisso ético, humano, priorizando a saúde da população”, conclui.

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