A COVID-19 ocasionou preocupações no mundo todo sobre como a quarentena afetaria o funcionamento dos setores econômicos. O setor de turismo tem na mobilidade das pessoas seu principal fundamento e, em função dessa natureza, é uma das áreas mais afetadas pelo cenário atual. A par dessa realidade, os grupos de pesquisa que fazem parte da Rede Brasileira de Observatórios de Turismo (RBOT) desenvolveram um estudo sobre os efeitos da pandemia no setor de Turismo no Brasil. Ao todo, foram onze observatórios do país colaborando na construção desse estudo. A Universidade Federal Fluminense (UFF) contribuiu através do Observatório do Turismo do Rio de Janeiro, grupo de pesquisa coordenado pelos professores Osiris Ricardo Bezerra Marques e João Evangelista Dias Monteiro, ambos da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF.
O estudo denominado “Sondagem empresarial dos impactos da COVID-19 no setor de Turismo no Brasil” surgiu com o objetivo de produzir análises que pudessem auxiliar os governos estaduais e municipais a entender demandas e necessidades das empresas dessa área no país, visando à elaboração de ações governamentais para minimizar os danos no setor. “Até então cada grupo conduzia suas pesquisas de maneira isolada. Com o surgimento do novo coronavírus, a RBOT detectou a necessidade de produzir em conjunto. Tornou-se essencial a investigação de alguns dados em esfera nacional para compreender efeitos específicos da pandemia no turismo. Portanto, os observatórios da rede enxergaram a oportunidade de realizar um trabalho em equipe para monitorar os impactos do coronavírus em negócios do turismo”, explica o professor Osiris.
O docente relata que o fundamento da pesquisa está em demonstrar como as empresas estão se saindo em termos de recuperação, faturamento, demissões, fôlego para sobrevivência, além do fluxo de caixa. “Para entender a evolução das decisões e expectativas dos empresários do setor ao longo dos meses de janeiro a abril de 2020, o grupo discutiu ajustes em um questionário inicial já elaborado pelo Observatório de Turismo do Estado de São Paulo. Depois de adaptar as perguntas para aplicação em nível nacional, cada observatório ficou responsável em divulgar o questionário nos municípios de seu estado. A pesquisa foi realizada com 4.921 empresas, em treze estados, entre 8 e 27 de abril. Por fim, compilamos e organizamos as informações para que todos os membros da RBOT divulgassem”.
Turismo: do crescimento ao colapso
Ao perceber que o turismo ainda é bastante vulnerável em relação à sua capacidade de recuperação, dada sua essência, Osiris destaca, em primeiro lugar, uma realidade do setor que se reflete na pesquisa: a maior parte são microempreendedores individuais, micro e pequenas empresas – mais de 90%. “Em grande proporção, essa característica explica os resultados que obtivemos. Percebemos também que os negócios turísticos passam a ser afetados especialmente em março e abril de 2020”, sinaliza. De maneira específica, Osiris aponta algumas conclusões importantes do estudo. “Verifica-se que 45% das empresas entrevistadas demitiu ou vão demitir funcionários. Sobre a expectativa de recuperação, cerca de 51% delas aguardam que se concretize no ano de 2021, enquanto 12% acredita que isso só ocorrerá de 2022 em diante. Contudo, por serem micro e pequenos negócios, seu fôlego de sobrevivência é muito curto: 30% dos negócios possuem fluxo de caixa para sobreviver apenas um mês; outros 27%, de um a dois meses, e 20% dos negócios conseguem sobreviver de dois a quatro”.
Já o professor João Evangelista, também coordenador do Observatório do Turismo do Rio de Janeiro, narra que apesar do crescimento contínuo do fluxo de viagens internacionais no mundo nos últimos dez anos, a pandemia pode ser realmente grave para o turismo. “Entre 2009 e 2019, a proporção de turistas aumentou consideravelmente. Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (CMVT), em 2019 o setor representava 10,3% do PIB mundial e era responsável por 300 milhões de empregos diretos no mundo. As medidas de restrição implantadas em função da pandemia interromperam esse período de crescimento do turismo global e os negócios estão entrando em colapso. Projeções da Organização Mundial do Turismo (OMT) divulgadas no dia 12 de maio mostram que os cenários rumam para retração de 58% a 78% no fluxo de turistas internacionais”, admite.
O especialista ressalta que os dados levantados pelo estudo da RBOT indicam uma deterioração nas condições de atividades turísticas no Brasil. “Cerca de 30% das empresas adotaram alguma estratégia de redução de preços como resposta à queda na demanda em função do isolamento social. A partir daí, começaram a sofrer alguns impactos, como retração no faturamento. No final de abril, mais de 60% delas estavam em quarentena, fechadas ou com redução de 100% nas receitas”. João ressalta que, neste momento, o grande desafio é salvar o maior número de negócios, minimizando os impactos da pandemia, e que uma solução seria prover crédito de baixo custo para o setor. Segundo ele, as ações governamentais são de elevada necessidade para o suporte à recuperação do setor nos próximos meses, até o ano de 2021.
Diante dessa conjuntura, Osiris pontua que as perspectivas para a área do turismo não são promissoras, como refletem os resultados apurados no estudo. “Sem movimentação de pessoas, não há turismo e todos os negócios que dependem dele, de forma direta ou indireta, podem desaparecer. Apesar de algumas medidas já anunciadas serem importantes num primeiro momento, elas têm um prazo de duração. Parece insuficiente quando o setor exige certa atenção das políticas de assistência em um prazo mais longo. Além disso, a burocracia é um fator que tem dificultado o acesso das empresas aos recursos disponibilizados”.
Por fim, o professor traz um questionamento que, se respondido, pode ajudar o setor a enfrentar os desafios que vivencia no momento. “É preciso saber quando as pessoas poderão viajar com segurança. A principal fonte para a resolução desse impasse é o conhecimento científico; por isso ele é tão fundamental. Apesar das dificuldades impostas pela quarentena, é necessário um esforço coletivo para que universidades e centros de pesquisa cumpram seu papel e continuem a produzir conhecimento de qualidade. Tenho orgulho de poder colaborar na área em que atuo e compor o mosaico das diversas pesquisas e ações que estão sendo implementadas”.