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Grupo de Pesquisa da UFF se destaca em ações de defesa dos direitos humanos da população LGBTQIA+

O Atlas da Violência de 2021, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), levantou dados que apontam que a violência contra pessoas LGBTQIA+ no Brasil é um fenômeno histórico. Na dimensão do corpo, essa violência pode operar em forma de abandono, estupro, espancamento e assassinato. Na dimensão simbólica, atua através dos estereótipos e estigmas que marcam a população LGBTQIA+ como agentes desviantes da sociedade. O Atlas ressalta que essas violências buscam apagar e silenciar expressões de sexualidade e gênero dissonantes do modelo normativo historicamente imposto na cultura brasileira e que um dos desafios centrais para o avanço da agenda de promoção de direitos LGBTQIA+ é a escassez de dados. A falta de informações e intervenções estatais pela promoção de direitos da população LGBTQIA+ tende a aprofundar as vulnerabilidades sociais que a acometem.

Apesar da lacuna que existe na produção e publicação de indicadores sobre a questão LGBTQIA+ no Brasil, na Universidade Federal Fluminense, o grupo de pesquisa “Sexualidade, Direito e Democracia” (SDD-UFF) se propõe a desenvolver essas pesquisas na esfera jurídica e interdisciplinar, atravessando os conceitos de sexualidade, governança e poder. O grupo foi fundado no final do ano de 2014 pelo docente Eder Fernandes Monica, da Faculdade de Direito da UFF. Atualmente, a coordenação geral do SDD é formada por ele e pela docente Carla Appollinário, também do Direito. E conta também com uma grande equipe formada por alunos e professores, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD-UFF) e ao Programa de Pós-Graduação em Direitos, Instituições e Negócios (PPGDIN-UFF).

A pesquisadora Carla Appollinário explica que em um país como o nosso, extremamente violento com pessoas LGBTQIA+, transexuais e travestis são assassinadas sem que haja qualquer dado oficial produzido nesse sentido. “Os relatórios divulgados atualmente são elaborados por entidades como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), por exemplo. Considerando esse contexto, os trabalhos do SDD-UFF partem da perspectiva jurídica para encontrar interseções entre as esferas pública e privada, relacionando a sexualidade com outros marcadores sociais de diferença, como o gênero, a raça, a classe, dentre outros. Nosso enfoque está em pesquisas e ações voltadas à comunidade LGBTQIA+ como um todo, para contribuir com o acúmulo teórico e prático da reflexão crítica quanto aos problemas inerentes ao direito e à sexualidade, em especial, no cenário brasileiro”.

Juntos, os coordenadores do SDD administram também a Clínica Jurídica LGBTQIA+, desenvolvida no âmbito do Edital PDPA, resultado da parceria da UFF com a Prefeitura de Niterói. “Na Clínica Jurídica, além do atendimento especializado, pautado pelo acolhimento e voltado à garantia dos direitos das pessoas LGBTQIA+, também realizamos outros projetos: o DIVERSIPÓS, um preparatório social para a pós-graduação; o curso Defensoras, para a formação de pessoas LGBTQIA+ com potencial de atuarem em suas localidades na área de Direitos Humanos; e a sensibilização e capacitação de profissionais de empresas privadas e de servidores públicos (federais, estaduais e municipais) para o respeito à diversidade no local de trabalho com base no direito antidiscriminatório”, ressaltam Eder e Carla.

O professor Eder pontua que a clínica possui um papel social que já é destaque no cenário nacional. “Recebemos mensagens e elogios de pessoas de todo o país, justamente pela sua proposta inédita de atender especificamente a população LGBTQIA+, desenvolvendo medidas e protocolos sensíveis às suas particularidades. Além do atendimento jurídico capacitado e dos cursos ofertados, também temos a Jornada da Clínica e do SDD, um evento anual que dá publicidade aos trabalhos feitos no atendimento e às pesquisas do SDD-UFF, numa dinâmica integrada entre a clínica e o grupo de pesquisa”.

A doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD-UFF), Karen Colen, faz parte do SDD-UFF e contribui também na Clínica Jurídica LGBTQIA+. Ela expressa sua felicidade em participar desse projeto. “A partir do olhar sócio-jurídico proporcionado pela minha formação, ainda em andamento, percebo como esse trabalho tem papel fundamental de garantir o acesso das pessoas LGBTQIA+, à justiça. Principalmente, os que estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Fazemos isso por diferentes meios e há esse retorno para a comunidade externa, tal como se pretende um projeto de extensão. Dentro dessa perspectiva de aliar teoria e prática, também há o intercâmbio de vivências e saberes entre discentes da graduação e da pós-graduação que integram o projeto, o que enriquece a experiência com a clínica”, enfatiza a pesquisadora.

Em 2023, ano em que o convênio com a Prefeitura se encerra, serão produzidos um documentário e um livro com o acúmulo das experiências e dos saberes. “Esses serão frutos da parceria com o Grupo Diversidade Niterói (GDN), que nos acompanha na Clínica fornecendo os subsídios oriundos das demandas e da agenda de reivindicações dos movimentos sociais e populares LGBTQIA+, para que a nossa atuação jurídica possa contribuir de forma potencializada para a transformação social mais efetiva”, acrescenta a coordenadora Carla.

SDD-UFF participa de Julgamento da Organização dos Estados Americanos (OEA)

Com o acúmulo de pesquisas e reflexões que o SDD-UFF já possuía, em 2016, o grupo foi convidado pela ONG Justiça Global – que trabalha com proteção e promoção dos direitos humanos e o fortalecimento da sociedade civil e da democracia -, a contribuir com a elaboração da instrução processual final do caso de Luiza Melinho na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). “O Estado brasileiro violou seus direitos humanos ao negar a Luiza a realização de uma cirurgia de afirmação sexual através do Sistema Único de Saúde (SUS) e negar-lhe pagar a realização da cirurgia em um hospital particular. Isto a impediu de ter uma vida digna e colocou em risco sua vida e integridade física”, informa Carla.

A docente narra que Luiza Melinho cumpriu os dois anos de acompanhamento médico e psicológico na rede pública de saúde, que eram exigidos à época para acesso à cirurgia. “Ela presenciou outras pessoas tendo acesso à cirurgia no mesmo Centro de Atendimento em que era assistida e, no seu caso, foi abruptamente comunicada de que o procedimento não seria realizado, sem que lhe fossem informados os reais motivos da recusa. Luiza acabou realizando a cirurgia na rede privada com ajuda de pessoas queridas, tendo em vista a omissão do Estado brasileiro”.

Segundo a coordenadora do SDD, ao agir assim, o Estado violou todos os direitos da Luiza, negando acesso a recursos efetivos para garanti-los. “Seu advogado particular abriu representação perante a CIDH-OEA e, posteriormente, incluiu a Justiça Global como copeticionária contra o Brasil, por violação dos direitos humanos. Durante a sessão de audiência na Comissão, ficaram evidenciadas as inúmeras violações aos direitos humanos mais básicos dela, além da seletividade e omissão do Estado. Nenhum outro procedimento corretivo prestado pelo sistema público de saúde brasileiro apresenta fila de espera similar ao tempo médio esperado pelas pessoas que desejam retificar o gênero de nascimento, e, assim, atingir a dignidade sexual, essa importante dimensão da cidadania substantiva”, salienta a pesquisadora.

O professor Eder destaca que foi utilizada uma fundamentação inovadora baseada no argumento da “petição ética” defendido pela pesquisadora Judith Butler em 2014, ao trabalhar com a atual percepção da Organização Mundial de Saúde sobre a população trans. “Focamos em compreender a dimensão ética contida no processo, para além das questões estritamente jurídicas que se restringem a regras, leis e regulamentos. Além disso, debati o caso em três oportunidades na Espanha: em 2017, num curso na Universidade Jaume II para alunos de Direito, e em 2019 e 2020, na Universidade Complutense de Madrid, para alunos de Relações Internacionais, na discussão sobre o papel da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para o Brasil”, conta o coordenador.

A sentença do caso Luiza Melinho ainda não tem data definida para ser dada pela CIDH-OEA, porém a coordenadora do SDD-UFF afirma que está otimista a respeito do desfecho do caso, pois há chances reais de o Estado brasileiro ser condenado no processo. “Diante de tantas omissões e violações de direitos humanos, entendemos que as universidades podem e devem cumprir papel relevante no sentido de não apenas auxiliarem na produção de dados e reflexões críticas, mas sobretudo no auxílio à formulação, acompanhamento, execução e na avaliação de políticas públicas inerentes à cidadania sexual e de gênero, pautadas pela garantia da vida, da saúde e do bem-estar pleno da comunidade LGBTQIA+. Essa é a missão do SDD em todas as suas frentes de atuação, no tripé indissociável entre ensino, pesquisa e extensão”, conclui Carla.

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