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UFF vai liderar ações nacionais de combate à desinformação

Ato antidemocrático em Brasília do último domingo coloca em pauta a urgência de amplo debate sobre o tema

Na tarde do último domingo, dia 8 de janeiro de 2023, golpistas invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, em Brasília, exigindo intervenção militar e a prisão do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. O ato antidemocrático, que foi articulado por bolsonaristas radicais via aplicativos de mensagem, como Telegram e WhatsApp, é mais um dos episódios que reforça a urgência de se promover um amplo debate sobre a regulação das plataformas digitais e da comunicação eletrônica no Brasil visando à reconstrução da democracia no país.

Em compasso com essa necessidade, para a qual o Governo Federal já acenou com ações estratégicas, como a criação da Secretaria de Políticas Digitais, que atuará no combate à desinformação e ao discurso de ódio disseminado nas redes sociais em todo o país, entrará em vigor a partir desse ano o novo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Universidade Federal Fluminense (UFF): Disputas e Soberanias Informacionais. O projeto foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que abriu chamada nacional para a constituição de novos INCTs em áreas estratégicas, auxiliando na solução de grandes desafios nacionais.

Com a coordenação do professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFF, Afonso de Albuquerque, o INCT possui atuação em três diferentes eixos: legitimação do conhecimento científico, papel exercido pelas mídias de massa e atuação das plataformas e algoritmos na circulação da informação, sendo composto por uma equipe multidisciplinar de investigadores brasileiros e estrangeiros. Entre seus principais objetivos, se destacam a identificação dos problemas em escala global do ponto de vista da soberania nacional, de modo a formular estratégias que auxiliem o aprimoramento do exercício do poder democrático na arena informacional contemporânea: “ao investigar a noção de soberania, a proposta reforça a capacidade do país em criar políticas de combate para a circulação de informações danosas em seu território, sobretudo por conta da ampla difusão de plataformas de comunicação digital”.

As ações do instituto estarão voltadas, entre outras coisas, à elaboração de diagnósticos que auxiliem a tomada de decisão sobre os desafios de regulamentação da mídia e das plataformas digitais em diversos âmbitos, no combate à desinformação e aos discursos de ódio, reforço da privacidade e governança de dados pessoais, aprimoramento de diretrizes e modelos de financiamento da produção de conteúdo científico, jornalístico e de interesse público. Atualmente, essas plataformas constituem-se em espaços aterritoriais, cujas relações são estabelecidas à revelia dos países. Muito se discute a respeito da necessidade de regular essas relações ou do impulsionamento do fenômeno da desinformação em diversas áreas, como no campo da saúde e também eleitoral. Assim, o INCT buscará investigar dinâmicas de produção de conteúdo; circulação e legitimação de desinformação nas plataformas digitais; disputa da autoridade informativa com a mídia tradicional; novos modelos de financiamento de plataformas; mecanismos de legitimação do conteúdo, assim como algoritmos e dados.

De forma mais específica, o projeto também possui como intuito montar uma rede internacional de investigadores na área de informação e soberania com liderança brasileira, investigando a evolução de plataformas e algoritmos, e oferecendo um diagnóstico contínuo acerca de como as mudanças implementadas por atores privados afetam o interesse público. Para o coordenador, o projeto identifica o processo de globalização neoliberal desenvolvido desde o final da década de 1980 como um fator problemático do ponto de vista da soberania. “Mais do que efetivamente global, esse processo teve por consequência o advento de uma ordem global unipolar, centrada nos Estados Unidos. Enquanto o mundo se encaminha cada vez mais para uma ordem multipolar, existe ainda um campo no qual os países ocidentais – e os Estados Unidos acima de todos – permanecem ditando as regras do jogo: o campo da informação. Isso ocorre nos campos do conhecimento científico, das mídias e das plataformas e algoritmos”, explica.

Afonso de Albuquerque aponta os riscos envolvidos em depender tão fortemente do consumo da informação via países estrangeiros a exemplo de eventos como o da Operação Lava Jato, que “refletiu uma agenda anticorrupção promovida por agentes externos ao país e contou com largo apoio de uma parte significativa do aparato universitário dos Estados Unidos. O escândalo da Cambridge Analytica, que revelou como o Facebook disponibilizou acesso aos dados pessoais de seus usuários para agentes politicamente motivados, é outro caso. Um terceiro exemplo se refere ao fato, indicado por diferentes estudos, de que plataformas como o Youtube têm oferecido maior visibilidade ou alcance para grupos de extrema-direita”.

Mas o caminho para a estruturação de uma agenda em torno do tema e de estratégias eficazes no combate à desinformação, mesmo que urgente, não é tão curto. Prova disso é que somente a partir de 2017 a desinformação se tornou objeto de debate acadêmico sistemático. Além desse dado, segundo o coordenador, é importante revisar e recriar os modos através dos quais o combate à desinformação é realizado: “Tomamos muitas vezes por dado que as agências que conduzem o fact-checking atuam no combate à desinformação. Contudo, o próprio modelo de fact-checking – o modo como se define o que é ‘fake’ ou não, os valores embutidos nas avaliações, os métodos utilizados – são importados dos Estados Unidos. Que um país dependa de outro para definir o que é verdade é um tremendo problema do ponto de vista da soberania. Existe, portanto, a necessidade de um debate nacional visando definir concretamente o que é desinformação e quais as políticas mais adequadas para combatê-la”.

Além de fomentar cada vez mais pesquisas acadêmicas em torno da temática, o INCT também se propõe a ser um elo entre a pesquisa e associações da sociedade civil organizada, assim como com agências governamentais encarregadas de estabelecer políticas públicas na área da informação, de modo a consolidar uma rede de pesquisa internacional sediada no país. Esse objetivo, explica Afonso de Albuquerque, “tem a ver com o papel que o Brasil tem a desempenhar como agente promotor de um mundo multipolar também no campo da informação. A possibilidade de desenvolvermos um olhar próprio sobre o tema é fundamental, mas nada fácil, considerando o que o sistema acadêmico global reserva aos países situados fora do eixo ocidental. Por outro lado, as assimetrias existentes no tocante à pesquisa internacional se tornaram um tema de crescente atenção e existem demandas muito concretas para que o problema venha a ser corrigido nos próximos anos. Para além disso, o debate sobre a soberania informacional tem interesse para toda a sociedade e, também, para os demais campos da ciência, dado que a desinformação política e a desinformação científica se constituem em fatores de desestabilização do tecido social no mundo contemporâneo”, finaliza.

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