Heavy metal, punk e grunge são apenas três dos diversos estilos dentro do gênero musical rock, que apresenta ritmos imponentes com riffs de guitarra em conjunto com vocais poderosos e a sonoridade de baterias, baixos e teclados. Apesar da origem do gênero ser comumente atrelada a nomes masculinos, como Chuck Berry, Elvis Presley e Little Richard, mulheres também tiveram muita relevância na história do rock ‘n’ roll, para além do papel que permeia o imaginário social de fãs enlouquecidas e apaixonadas pelos integrantes das bandas.
Nesse sentido, um estudo da UFF visa discutir essa construção cultural e histórica de espaços incomuns para mulheres na indústria musical brasileira, a fim de entender como se forma esse cenário e de que maneira organizações têm se movimentado contra a discriminação no meio. Segundo a doutoranda responsável pela pesquisa, Beatriz Medeiros, “foi possível concluir que a construção desses espaços incomuns para mulheres na música reprime a participação feminina na indústria do rock. Não é comum termos mulheres bateristas, mulheres no comando dos grupos, festivais em que a maioria das bandas é compostas por mulheres musicistas… Outra conclusão importante foi que as redes [organizações de mulheres na música] são muito importantes para a entrada e manutenção das mulheres na indústria musical, mas elas por si só não são suficientes”.
Dados levantados pelo estudo. Créditos: Beatriz Medeiros
Para chegar a essas conclusões, Beatriz aplicou metodologias em diferentes etapas da pesquisa. Primeiramente, esteve presente em festivais de rock underground — vertente do gênero referente a um grupo de musicistas que não se preocupa em seguir padrões comerciais e modismos, e geralmente não está na mídia —, depois frequentou algumas redes e coletivos femininos de rock. Entretanto, com a pandemia, foi necessário se reinventar para que a pesquisa continuasse. Nesse segundo momento, realizou uma pesquisa online através de um formulário com 48 mulheres instrumentistas. Em seguida, aplicou entrevistas de profundidade (in-depth), método que consiste na coleta de dados com poucas pessoas, mas de forma profunda e constante. Vale ressaltar que a realização da pesquisa foi possível por conta dos apoios financeiros da bolsa nacional CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e também uma Bolsa de Doutorado Sanduíche, programa de estudos no qual Beatriz foi contemplada e conseguiu fazer parte de seu trabalho na Alemanha pela “Deutscher Akademischer Austauschdienst”.
Sobre os métodos realizados pelo estudo, Beatriz informa que “por meio de entrevistas longas com mulheres e duas pessoas não binárias, um extenso mapeamento on-line de projetos e análise de perfis em plataformas de redes sociais, a investigação categorizou quatro tipos de redes interessadas em resolver os problemas de desigualdade gênero no setor musical: criativa, relacional, educacional e informativa. Todas essas redes retratam estruturas e funcionamentos diferentes, mas têm objetivos semelhantes: oferecer mais visibilidade a musicistas, criar conexões e engajamento, construir uma representação feminina no setor musical e incentivar mulheres e pessoas não binárias a aprender e criar música. Esses são os caminhos a serem seguidos para o desmantelamento dos espaços incomuns na música”.
Dados levantados pelo estudo. Créditos: Beatriz Medeiros
A responsável pela pesquisa explicou, ainda, como enxerga o cenário musical no Brasil. “Comecei a trabalhar com a cena do rock em 2013 e, nessa época, era muito complicado. Quando você olha pro heavy metal em específico, existe uma hipervalorização do que é europeu: a masculinidade branca se faz muito presente, traz à tona a ideia de violência, agressividade. Essas questões acabam criando uma barreira para pessoas não homens e não brancas. Mas, atualmente, percebo que existe uma mudança muito grande também por conta dessas redes de apoio femininas. De mulheres e meninas descobrindo que elas podem tocar se quiserem e como quiserem. Vem acontecendo uma movimentação, um câmbio realizado por mulheres que sempre estiveram ali, dentro desse cenário. A presença feminina sempre existiu, o que muda é a função delas no rock”. A partir dessa mudança, a luta se torna uma constante, visto que é uma quebra de paradigmas que vem em conjunto com preconceitos e perseguições. Ainda assim, Beatriz é otimista, visto que, em suas palavras, “existe um esforço feminino para criar redes de apoio e ocupar espaços incomuns na música, para que se chegue o mais perto possível do que seria uma equidade de gênero no universo musical do rock”.