O setor automotivo contratou quase nove mil novos empregados em julho de 2023 no Brasil, número bem próximo ao dos desligamentos, que somam um total de 9,4 mil funcionários no mês. O dado foi retirado do Painel do Setor Automotivo, um projeto pioneiro no Brasil, produzido por uma universidade pública brasileira e idealizado pelos professores de Sociologia Raphael Lima e Cristiano Monteiro da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Desde 2013, os docentes iniciaram um grupo de pesquisa, o Grupo de Estudos em Desenvolvimento do Sul Fluminense, sobre as montadoras da região, com o objetivo de olhar para o desenvolvimento dessas empresas, como o lucro, mercado de trabalho, a arrecadação, entre outros fatores. Contudo, os últimos dois projetos alcançaram âmbito nacional, com pesquisas em Pernambuco e Rio Grande do Sul. Assim, foi criada a plataforma tecnológica Brazilian Research in Auto Industry (BRAIN), associada ao grupo e ao Laboratório de Multi-Aplicação em Gestão (LAMAG), sediados no Instituto de Ciências Humanas e Sociais de Volta Redonda (ICHS) da UFF, que atualmente funciona como um repositório de conteúdo produzido sobre o setor automotivo.
“A ideia do painel foi criar uma base de dados que as pessoas e os pesquisadores interessados no tema podem acessar para obter informações que são extraídas de diversos canais. Fazemos alguns cruzamentos, pegamos dados do mercado de trabalho, de emprego, da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), de produção e venda de automóveis no Brasil, da localização das plantas de determinadas empresas no Brasil e no mundo. Recolhemos essas informações também, sobretudo da International Organization of Motor Vehicle Manufacturers (OICA), que é uma rede internacional”, relata Raphael.
Página de abertura do site do painel
A fim de auxiliar a produção de conhecimento em pesquisas acadêmicas de diversas áreas, o BRAIN disponibiliza materiais variados com distribuição gratuita e livre, como entrevistas, artigos, livros, podcasts, e outras formas de mídias relacionadas a esse universo, que poderão ser citados em artigos ou teses. A ferramenta é a primeira elaborada no Brasil por uma universidade brasileira e foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
O painel possui cinco abas, com temáticas diferentes sobre a indústria automotiva, sendo elas a venda, a produção, o raio x, o uso e o emprego, com o uso de gráficos e mapas que exemplificam a cadeia produtiva automotiva. Raphael explica os dois primeiros tópicos, a compra e a venda.
“Se você pegar o Nissan Kicks, que é produzido em Resende, vai saber como são compostas as peças que integram o carro e de onde elas saem. Ou seja, a gente está olhando como o veículo é produzido, onde ele é produzido e para onde está se direcionando em termos de mercado”.
“O raio X está muito mais focado na montagem do veículo, destrinchando a estrutura do automóvel. Já em relação ao uso desse veículo, é possível ver, por exemplo, um uso expressivo nas regiões de agronegócio, no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, de picapes ou de trator, mas sobretudo dos carros Ranger e S10; já em outras regiões mais urbanas, observam-se mais veículos SUV ou automóveis populares. Então, o objetivo do uso é entender essas tendências a partir da compra dos veículos em regiões variadas”, continua o professor.
O emprego é o último tópico, gerado a partir do cruzamento de dados da CAGED. O objetivo é mostrar as admissões e desligamentos ao longo dos anos, bem como o mapa do emprego, o saldo geral de emprego, a evolução do saldo por mês, a evolução total de admissões e a quantidade de empregos, baseado em sexo e cor, na escolaridade, entre outros aspectos. O docente informa que a ideia é criar “um retrato das pessoas que estão trabalhando na cadeia automotiva especificamente do Brasil”.
Trabalho de campo. Foto: Cristiano Monteiro
De acordo com Cristiano, o painel automotivo poderá ajudar também nas políticas públicas do país. “Esse material que a gente está oferecendo ajuda a pensar em políticas públicas e em novas análises que vão subsidiar essas políticas, para promover esse desenvolvimento almejado”, diz o professor.
“Uma prefeitura que está visando atrair um determinado investimento ligado ao setor automotivo, por exemplo, identifica que tem, usando nossos dados, um determinado tipo de produção de componentes que temos expertise para produzir. Então, pode-se perceber que, em São Bernardo do Campo, é produzido tal coisa no automóvel e, a partir disso, tentar desenvolver uma política pública para atrair um fornecedor, uma empresa, qualificar a mão de obra, ou negociar a ampliação de investimentos. Acho que são dados que podem subsidiar políticas municipais de desenvolvimento, de geração de emprego e renda”, conclui Raphael.
É possível conhecer mais sobre o projeto no site: https://www.brainautomotive.org/. Para ver mais dados do painel, acesse o POWER BI do BRAIN: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMGRlYTE5MWMtNzAxYS00ODQ2LWIwNjktNjgxZDU5ODBjYTJhIiwidCI6ImRkZjc0Zjk3LTljZTgtNDczNy04MmM4LTM5MDBmZmZiNWM1NiJ9. Mais conteúdos sobre o projeto estão disponíveis no canal do youtube “BrainTube”, em: https://www.youtube.com/@brain3784. Para escutar entrevistas com pesquisadores, acadêmicos, trabalhadores e sindicalistas, escute o podcast “Brain Entrevista”, disponível no Spotify, em: https://open.spotify.com/show/6ju2GBTMhaFztFU0TYHteC.
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Raphael Lima possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002), mestrado em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005) e doutorado em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2010). É professor associado III da Universidade Federal Fluminense (UFF), vinculado ao Departamento Multidisciplinar de Volta Redonda e credenciado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (campus Niterói) e ao Programa de Pós-Graduação em Administração do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (campus Volta Redonda). Com experiência na área Sociologia, com ênfase em Sociologia Econômica e Sociologia do Trabalho, atua principalmente em: desenvolvimento regional, movimentos sociais, sindicato e política, trabalho, siderurgia e indústria automobilística. É bolsista da FAPERJ (Jovem Cientista do Nosso Estado – JCNE) e coordenador do programa Brazilian Research in Auto Industry (BRAIN).
Cristiano Fonseca Monteiro possui graduação em Ciências Sociais (1997) e mestrado (2000) e doutorado (2004) em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é coordenador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento do Sul Fluminense (UFF), juntamente com Raphael Lima, e pesquisador do grupo Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (UFRJ). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Econômica e abordagens neo-institucionais, atuando principalmente nos seguintes temas: política e economia, dependência de trajetória x mudança institucional e estratégias de desenvolvimento.