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Estudo sobre a Antártica analisa as alterações no continente

Pesquisa da UFF coleta sedimentos do solo antártico para compreender sua história e os efeitos das mudanças climáticas na região

A Antártica, continente mais ao sul da Terra e região mais fria do planeta, destaca-se no sistema climático global por ser o principal regulador térmico, com influência nos circuitos das correntes marítimas e das massas de ar. A região — que tem seu nome derivado de anti-ártico, em referência à posição geográfica oposta ao Ártico — interfere diretamente no clima e nas condições de vida na Terra, além de possuir as maiores reservas de gelo (90%) e de água doce (70%) do planeta, somada a uma rica biodiversidade e presença de recursos minerais e energéticos.

Pelo impacto no clima global, o continente torna-se um importante objeto de pesquisa. Nesse sentido, a professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), Rosemary Vieira, estuda sedimentos recolhidos ao longo de expedições ao continente. O objetivo é compreender o passado para traçar hipóteses sobre o futuro da região diante das consequências das mudanças climáticas, que afetam até mesmo os locais mais inóspitos. “Quando as geleiras se deslocam, deixam marcas erosivas e depósitos, que são os seus registros. Nossa tarefa é interpretar esses registros e também coletar os sedimentos (tanto terrestres, retirados de lagos e trincheiras, quanto marinhos)”, explica a docente.

A partir dos sedimentos recolhidos, é realizada uma análise geofísica e geoquímica das amostras, além datação e avaliação dos elementos químicos presentes. São executadas diferentes análises que contam a história ambiental e climática do continente, feitas para reconstruir “o que aconteceu, o que está acontecendo e o que ainda pode acontecer” na Antártica: “Tentamos entender e contar a história que ocorreu naquela área há dezenas, centenas ou até milhares de anos a partir das formas e dos sedimentos que as galerias vão deixando. É uma análise muito complexa, porque é sempre feita na base da inferência”.

Estamos desenvolvendo outro estudo sobre o primeiro caso de desaparecimento de um lago no continente. No Ártico, isso já está acontecendo há mais tempo, mas na Antártica, pelo que eu saiba, é o primeiro caso – Rosemary Vieira

A cada expedição, são coletadas dezenas de amostras de sedimentos, também compartilhados com os laboratórios da Universidade de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A pesquisa conta também com equipamentos geofísicos que realizam a leitura do subfundo marinho e fazem a coleta de sedimentos. De acordo com Vieira, executar antes a leitura do local é extremamente importante: “Precisamos primeiro saber onde estamos navegando para poder lançar o equipamento de coleta, porque o fundo pode ser de rocha, então o equipamento pode quebrar. Devemos lançá-lo onde tem lama”.

Até o momento, a professora contabiliza 16 expedições pela região ao longo da pesquisa, sendo duas no manto de gelo da Antártica Ocidental. Cada expedição começa em outubro e termina em abril, com a partida e chegada dos navios, respectivamente, e cerca de 200 kg de sedimentos já foram coletados, considerando também aqueles recolhidos em parceria com outras equipes. Durante o processo de coleta no navio, são recolhidos tubos com até seis metros de comprimento de sedimentos. As análises são realizadas no Instituto de Geociências da UFF, mas o corte dos tubos é feito antes, ainda na embarcação.

Tubos de PVC são inseridos nos amostradores e, uma vez feita a coleta, são retirados e cortados. No caso de tubos completos, com seis metros, a divisão é realizada em seções de um metro cada. Depois, os cortes recebem tampas, são numerados, identificados de acordo com a posição (“o que é topo e o que é base”) e guardados em freezers para serem congelados — os sedimentos precisam ser resfriados para que a atividade biológica e a datação não sejam afetadas pelo ambiente externo. “Há todo um processo que envolve essa coleta e temos que pegar todas as características da área estudada e também do próprio testemunho”, afirma a pesquisadora.

Aumento da temperatura no continente

Considerando as mudanças na Antártica ao longo das eras, a também professora de Geografia da UFF destaca um estudo em desenvolvimento em conjunto com pesquisadores do Instituto Antártico Argentino, da UFRGS e da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) sobre o primeiro caso de desaparecimento de um lago no continente. Trata-se do Lago Boeckella, localizado no norte da Península Antártica, região que tem registrado as mais elevadas temperaturas, chegando a números positivos, acima de 15°C. “O solo da Antártica é congelado, é o que chamamos de permafrost (permanentemente congelado). Com a elevação da temperatura, esse solo está descongelando e formando drenos, como se fossem buracos na superfície e no fundo do lago. A água simplesmente escorreu por eles em direção ao mar”.


Localização do Lago Boeckella / Créditos: Estudo “Tardigrade eggs and exuviae in Antarctic lake sediments: Insights into Holocene dynamics and origins of the fauna”
#ParaTodosVerem Mapa em preto e branco mostra o continente antártico e os seus lagos, como o Lago Boeckella, localizado no extremo nordeste da Península Antártica

O lago era utilizado para o abastecimento da base científica da Argentina, uma das maiores construídas no continente. Com o desaparecimento da reserva — segundo a pesquisadora, irrecuperável com a contínua elevação da temperatura e com a degradação do permafrost —, o país vizinho precisou recorrer a outro lago, também ameaçado de desaparecimento. “A temperatura na Península Antártica nos últimos 60 anos aumentou em torno de 3oC. Não somente as geleiras estão recuando, como também já existe esse forte registro do desaparecimento de lagos. No Ártico, isso já está acontecendo há mais tempo, mas na Antártica, pelo que eu saiba, é o primeiro caso”.

Outra situação decorrente do aumento da temperatura global e, consequentemente, na região, é o surgimento de vegetação rasteira na Antártica Marítima, que corresponde às ilhas Shetland do Sul e a parte noroeste da Península Antártica. Se, por um lado, as geleiras estão derretendo, ameaçando elevar o nível dos oceanos, por outro surgem formações vegetais como gramíneas que confirmam mais um sinal do aquecimento regional. Além disso, esse processo de “verdificação” alerta para o surgimento de condições futuras de ocupação permanente da região, pondo em disputa o sistema do Tratado Antártico (acordo internacional que impede qualquer pretensão territorial, limitando a presença no continente para pesquisas científicas e para o turismo controlado).


Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), base de pesquisa brasileira localizada na ilha do Rei George / Créditos: Maurício de Almeida (TV Brasil)
#ParaTodosVerem Solo com a presença de vegetação semelhante a musgos. Ao fundo, uma faixa de água e montanhas congeladas cobertas de neve

Além de conter a maior reserva de água potável do planeta, há áreas de intensa atividade biológica na região e até mesmo presença de petróleo, recursos que atraem a atenção das nações. Além disso, é importante ressaltar que a Antártica desempenha um papel estratégico ao se comunicar com todas as bacias oceânicas e ser um regulador climático. A próxima atualização do Tratado Antártico acontecerá em 2048, diante dessa situação, a pesquisadora reflete: “Como ficará o mundo em 2048? Como estará a Antártica em 2048? Será que o acordo vai aguentar a pressão dos países?”

Consequências das mudanças climáticas

VVieira alerta para as mudanças que acontecem no continente, especialmente para a elevação do nível do mar em razão do derretimento das geleiras. O continente está congelado há mais de 30 milhões de anos e é preciso levar em consideração que apenas o derretimento parcial do manto de gelo pode levar a situações trágicas. “Não necessita ser catastrófico, como derreter completamente o manto de gelo, maior que o território brasileiro. Se esse derretimento começar a acontecer, várias cidades do planeta podem desaparecer”.

Os países mais próximos são os mais vulneráveis às consequências. O Brasil, por ser a sétima nação em distância do continente, tem seu clima, sistemas frontais (como frentes frias), regimes de precipitação e padrões de temperatura diretamente afetados pelas condições na Antártica. Os efeitos diretos das mudanças na região serão no nível médio do mar e nos regimes de temperatura e de chuvas no país, principalmente nas regiões Sul e Sudeste.

Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), base de pesquisa brasileira localizada na ilha do Rei George / Créditos: Maurício de Almeida (TV Brasil)
#ParaTodosVerem Estação Antártica Comandante Ferraz, localizada na Península Keller, diante de uma fonte de água. Ao fundo, montanhas com solo escuro cobertas de neve

Essa não é a primeira vez que o planeta passa por mudanças climáticas. No passado, essas variações ocorreram ao longo de milhões de anos: “Elas aconteceram de uma forma mais lenta, e também as respostas foram mais lentas, agora o que está acontecendo é muito rápido, não só o impacto, mas também as respostas”, esclarece Vieira. O estudo desenvolvido pela pesquisadora do PROANTAR busca justamente inferir quais foram os retornos dados pelo ambiente em função dessas alterações no passado, levando em consideração as escalas geológicas, e como o ambiente está reagindo no presente.

A próxima expedição começa na segunda-feira, 22. O passo seguinte da pesquisa é concluir as análises dos sedimentos coletados e avançar para o sul, em direção ao Estreito de Gerlache, região mais fria, portanto mais complicada de ser estudada. “Nós, da geociências, estamos trabalhando com o passado, coletando histórias e dados do que aconteceu e das mudanças que ocorreram, assim como a intensidade no tempo em que aconteceram. Isso é muito importante para entender como agora as mudanças estão sendo tão rápidas”, avalia a docente.

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Rosemary Vieira é graduada em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (1987), mestrado em Geografia pela Universidad de Chile (2002), doutorado em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006) e Estágio de Doutoramento pela Universidad de Chile (2005). Pós-Doutorado no Centro Polar e Climático. Atualmente, é Professora Associada da Universidade Federal Fluminense (UFF) no Departamento de Geografia, Instituto de Geociência. É pesquisadora do Programa Antártico Brasileiro e coordenadora do Laboratório de Processos Sedimentares e Ambientais (LAPSA), integrado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera.

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