Tempestades frequentes e ondas de calor no Brasil, influenciados pela mudança climática e pelo fenômeno El Niño, elevaram a preocupação com a dengue. Isso porque as condições causadas por chuvas e altas temperaturas impactam na maior proliferação do vetor, o mosquito Aedes aegypti. Os dados preocupam: nos primeiros 15 dias deste ano, foram quase 56 mil casos da doença registrados, um aumento de 108% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Ministério da Saúde.
O histórico dos últimos dois anos é um alerta. Em 2022 foram 1016 mortes e um aumento de 162,5% no número de casos em relação a 2021. Quanto ao futuro, projeções realizadas pelo Ministério da Saúde em parceria com a Fiocruz indicam que o número de casos pode variar entre 1,7 milhão até 5 milhões para 2024. Entretanto, com a campanha de vacinação, inicialmente para crianças e adolescentes, a esperança é que a população esteja imunizada e que a mortalidade caia. Para esclarecer as principais dúvidas acerca da dengue, conversamos com a professora Cláudia Lamarca Vitral, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Quais são as razões para o aumento expressivo de casos de dengue desde 2022?
Com o início do período das chuvas e das altas temperaturas, o número de casos de dengue, como também de chikungunya e zika, tende sempre a aumentar, por conta da proliferação de criadouros do mosquito. Além disso, encontramos os quatro sorotipos (1, 2, 3 e 4) circulando ao mesmo tempo no país, uma situação bem incomum que piora o quadro.
Quais são as diferenças entre os sorotipos do vírus?
O vírus da dengue apresenta quatro tipos diferentes do vírus, denominados sorotipos. Por este motivo, um indivíduo pode se infectar até quatro vezes. No entanto, cada um confere imunidade específica permanente, não havendo proteção cruzada entre os sorotipos. Todos eles podem causar doença grave e fatal.
Como alguém sabe que está com dengue?
Considera-se um caso provável de dengue aquele em que o indivíduo apresenta febre juntamente com dois dos seguintes critérios: náusea/vômito, irritação na pele, dores, prova do laço positiva e leucopenia. Uma vez diagnosticado com dengue, o paciente deve ficar atento ao desenvolvimento de possíveis sinais de alerta, principalmente dor abdominal, vômito persistente, sangramento de mucosa e letargia. Neste caso, o retorno ao local de atendimento deve ser imediato.
A infecção simultânea de diferentes arboviroses (dengue, zika, chikungunya e febre amarela) é possível?
Sim, é possível, uma vez que são causadas por vírus diferentes. Inclusive, o Aedes aegypti é o mosquito vetor da forma urbana dessas quatro arboviroses, isto é, infecção viral transmitida por artrópodes vetores. Embora a imunidade para o vírus da dengue seja sorotipo específica, admite-se que por um período de 1 a 3 meses após a infecção por algum tipo, o indivíduo apresente alguma imunidade cruzada contra os demais. No entanto, passado esse tempo, ocorre uma seleção clonal dos anticorpos específicos, restando apenas os anticorpos IgG relacionados ao tipo que originou à infecção.
Quais são as principais medidas no combate à proliferação da doença?
Sendo uma arbovirose, uma das medidas de prevenção da dengue giram principalmente em torno do controle da proliferação do mosquito Aedes aegypti, eliminando recipientes com água armazenada que possam se tornar possíveis criadouros. E sendo este mosquito endofílico (isto é, muito bem adaptado ao domicílio humano) e antropofílico (possui alta afinidade por sangue humano), essas medidas devem ser especialmente implementadas em nossas residências. De fato, admite-se que cerca de 75% dos criadouros do mosquito da dengue estejam nos domicílios, como em vasos e pratos de plantas, garrafas retornáveis, pingadeira, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros em geral, pequenas fontes ornamentais e materiais em depósitos de construção (sanitários estocados, canos, etc). Por esse motivo, é preciso o empenho da sociedade para eliminar os criadouros e evitar água parada. As medidas são simples e podem ser implementadas na rotina. O Ministério da Saúde sugere que a população faça uma inspeção em casa pelo menos uma vez por semana. Além disso, quando necessário, a população pode fazer pedidos de vistoria ou denunciar possíveis focos do mosquito pela Central de Atendimento da Prefeitura, no telefone 1746.
Por que a vacina só estará disponível no SUS para crianças e adolescentes?
Um dos motivos é por conta da capacidade limitada de fornecimento de doses pelo laboratório fabricante da vacina. Por conta disso, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações (CTAI) debateram estratégias de utilização do quantitativo disponível. Essa é uma etapa fundamental no processo de incorporação da vacina e definição de estratégia de imunização. Serão vacinadas as crianças e adolescentes de regiões com maior incidência e transmissão do vírus, com idade entre 10 e 14 anos, faixa etária que concentra maior número de hospitalizações por dengue. Foram 16,4 mil de janeiro de 2019 a novembro de 2023, depois das pessoas idosas, grupo para o qual a vacina não foi autorizada pela Anvisa.
A vacina contra a dengue é segura? Quem pode tomar?
A QDenga, vacina fabricada pela Takeda em Osaka, Japão, tem demonstrado ser segura para as pessoas, independentemente de terem sido previamente infectadas, e tem uma taxa de eficácia global de 73%. A vacina pode ser aplicada em pessoas de 4 a 60 anos. No entanto, a Organização Mundial da Saúde possui um grupo de trabalho chamado Strategic Advisory Group of Experts on Immunization (SAGE) que , em 2/10/2023, recomendou que a faixa etária de administração da vacina fosse para pessoas entre 6 e 16 anos. Como todo imunizante de vírus vivo, a Qdenga é contraindicada para gestantes e pessoas quem tem o sistema imunológico comprometido ou alguma condição imunossupressora.
O Brasil está na vanguarda ao incluir o imunizante QDenga no SUS. Ele protege contra todos os sorotipos do vírus?
De acordo com os dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), a Qdenga demonstrou ser eficaz contra o DENV-1 em 69,8% dos casos; contra o DENV-2 em 95,1%; e contra o DENV-3 em 48,9%. Durante o estudo, o DENV-4 não pôde ser avaliado porque havia poucos casos de dengue causados por esse sorotipo.
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Cláudia Lamarca Vitral é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula (1984) e Pós-Graduada pelos Cursos de Mestrado e Doutorado em Biologia Parasitária (área de concentração: virologia) pela Fundação Oswaldo Cruz, concluídos em 1991 e 1997, respectivamente. É Professora Titular do Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Instituto Biomédico, Universidade Federal Fluminense (UFF), onde também atua como membro do Colegiado e do Núcleo Docente Estruturante do Curso de Medicina. Atua na UFF também como Coordenadora do Projeto de Pesquisa e Extensão relacionado ao Conhecimento sobre Infecções Imunopreveníveis e Vacinação entre Alunos de Cursos de Graduação da Área da Saúde e Coordena o Projeto de Ensino INTEGRAMED: construção compartilhada do conhecimento entre alunos e professores do 1o ao 4o período do Curso de Medicina.