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Desenhando a história: Pesquisa analisa o legado de Henfil na redemocratização do Brasil

Estudo analisa como a série “Cartas da Mãe” contribuiu para a mobilização política da sociedade civil contra a ditadura militar

Há 40 anos, tinha início uma das principais campanhas da luta pela redemocratização no Brasil: a Diretas Já, movimento que exigia o fim do voto indireto para presidente da república. De políticos a artistas, a ação contou com a mobilização de diversos setores da sociedade. O assunto é tema do artigo “Diretas Já Era: A estratégia de redemocratização de Henfil através das Cartas da Mãe”, do chargista e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcio José Melo Malta. Na pesquisa, fruto da sua tese de doutorado defendida em 2012 pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF (PPGCP-UFF), o docente analisa a transição do regime civil-militar e empresarial para a democracia a partir das cartas e tirinhas publicadas pelo cartunista Henfil na sua coluna na revista IstoÉ.

Nome adotado por Henrique de Souza Filho, Henfil usou o humor como estratégia política contra a ditadura militar. Na pesquisa, o objetivo principal é acompanhar, a partir do olhar do artista, os esforços da sociedade civil e política para reerguer a democracia no Brasil, passando pela luta pela anistia aos presos políticos, pelo movimento das Diretas Já e pela eleição no Colégio Eleitoral de Tancredo Neves como presidente após 21 anos de militares no poder. “O objetivo é ressignificar essa história, no sentido de dar voz a personagens que não ganham tanto reconhecimento. Geralmente, ouvimos falar de grandes personalidades, de grandes vultos, de grandes parlamentares, mas existe uma série de ativistas e militantes que deram contribuição [para o fim da ditadura]”, explica o docente.

Segundo o pesquisador, para entender a influência do artista com a luta pela redemocratização, é importante dar um passo atrás e compreender primeiro o contexto histórico da época. Antes da década de 1980, período considerado na análise, já existia um movimento de anistia, “que significa pessoas exiladas podendo voltar para o Brasil e frequentar a vida política novamente”. Simultaneamente, havia uma pressão muito grande da sociedade civil, mobilizada pela sociedade política, pelo retorno das eleições diretas para presidente da república. “Esse movimento de Diretas Já começa primeiro entre os deputados e congressistas, principalmente do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que tentam de forma legal restaurar o direito ao voto”.


Comício na Candelária, no Rio de Janeiro, pelas Diretas Já / Foto: Vidal da Trindade (CPDoc JB)
#ParaTodosVerem Uma fotografia em preto e branco mostra uma multidão com cartazes na Candelária, no Centro do Rio de Janeiro. Em um deles, lê-se “Direitas neles… Por um Brasil forte e independente”.

“A ideia do movimento no começo, que ainda nem tinha um nome, era realizar uma votação no Congresso Nacional através dos parlamentares para restituir o direito de escolha ampla e universal ao voto. Mas tem um momento subsequente, no qual a sociedade civil começa a se organizar por meio de comícios e passeatas. Esse movimento ganha uma grande conjuntura, mais demandas e mais pressão, e é aí que temos a oportunidade de vivenciar o que ficou conhecido como Diretas Já”, conta Malta.

A organização da sociedade teve apoio também da classe artística que mobilizava a opinião pública. O professor explica que o cartunista, jornalista e escritor Henfil, nascido em uma família mineira com grande engajamento político, já vinha combatendo a ditadura há muito tempo, desde o início do regime, a partir dos seus desenhos. No caso das “Cartas da Mãe”, o autor utilizava a sua coluna na revista IstoÉ para escrever cartas em que conversava com a própria mãe, Dona Maria da Conceição Figueiredo Souza. Assim, aproveitava-se do humor como arma política para abordar acontecimentos e denunciar o regime militar.

“Ele consegue fazer um formato de carta, com toda aquela tradicionalidade do gênero, e inserir temas políticos, então existem Cartas da Mãe que vem desde antes da época das Diretas Já, em que ele comenta, por exemplo, que está com saudade do irmão exilado. Assim ele ia conseguindo driblar a censura, porque costumava falar que em conversa de mãe e filho ninguém pode se meter”, avalia o professor da UFF.


Carta da Mãe publicada na revista IstoÉ em 16 de novembro de 1983
#ParaTodosVerem Uma página da revista IstoÉ traz ao lado direito uma tirinha em que dois personagens conversam “Assine aqui: pena de morte para todos os bandidos”, “Todo?”, “Todos!”, “O que você quer dizer com ‘todos’?” e ao lado esquerdo uma carta do cartunista Henfil para sua mãe.

As publicações eram uma forma de conversar com o poder e conscientizar os leitores do cenário político de uma forma “doce”, a partir do afeto. “Ele falava de doce de leite, de rosquinha de polvilho, como se estivesse mesmo conversando com a mãe dele, mas sempre com esse conteúdo político muito forte. Nesse momento dos anos 1980, estão acontecendo uma série de protestos, mobilizações e passeatas e através das Cartas da Mãe é possível acompanhar todas essas movimentações”.

Uma questão apontada pelo pesquisador é que cada vez menos se fala sobre personalidades da época que tiveram contribuição artística para a restituição da democracia. O docente lembra que locutores de futebol como Osmar de Oliveira e cantoras como Fafá de Belém fizeram parte de um conjunto de artistas engajados que tentavam convencer a classe política a votar na emenda Dante de Oliveira, que determinava o retorno do voto direto. Na época, o projeto não foi aprovado no Congresso por não atingir a quantidade mínima de votos. “A Direitas Já — termo cunhado pelo próprio Henfil — acabou sendo derrotada e o cartunista batiza o movimento de novo de Diretas Jaz, porque morreu quando Tancredo Neves é eleito presidente da república pelo Colégio Eleitoral, votação somente de parlamentares, e falece em seguida, assumindo José Sarney, sempre vinculado à ditadura e a pautas conservadoras, como primeiro presidente civil após a ditadura”.

No ano que o golpe militar completa seis décadas, o cartunista completaria 80 anos de vida. Segundo Malta, relembrar os acontecimentos de 1964 e 1984 é importante “para mostrar para as novas gerações, não no sentido piegas, a importância da democracia”. Ele reafirma também a relevância de artistas como Ziraldo, fundador do Pasquim, e do próprio Henfil, que tiveram contribuição fundamental na luta pela democracia a partir do humor. “Eles tinham uma capilaridade muito grande na sociedade, por isso uso o termo ressignificar: ressignificar essa parte da história, porque se não fossem esses ativistas se mobilizando em prol da democracia, nós não teríamos nenhum tipo de contestação para acabar com aquela situação. Eram eles que faziam essa crítica de que a ditadura estava concentrando renda, que existia cada vez mais gente pobre, corrupção e falta de liberdade de expressão”, declara.

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Márcio José Melo Malta é mestre e doutor em Ciência Política pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (PPGCP-UFF), professor de Ciência Política (INEST-UFF) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança (PPGEST-UFF) da instituição. É também pesquisador do Laboratório de Estudos em Política Internacional (Lepin-UFF) e atua nas áreas de relações internacionais, pensamento social brasileiro e pensamento político latino-americano. Cartunista, assina pelo pseudônimo de Nico.

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