Pesquisas recentes mostram que o volume de compras online aumentou no período da pandemia do novo coronavírus. E não é para menos. O isolamento social contribuiu para o surgimento de novos hábitos de consumo e mercados. Por outro lado, muitas pessoas perderam seus empregos, a economia deu uma estagnada e até nós, servidores públicos, fomos afetados com o congelamento dos reajustes salariais.
Como lidar com um momento tão delicado sem gastar por impulso e sem comprometer as nossas finanças? Você, servidor, observou mudanças no seu modo de consumir e viu seus gastos aumentarem ou diminuírem nos últimos meses? Independentemente do seu comportamento de compra, é sempre bom falar sobre economia, ainda mais com um especialista da área. Entrevistamos Ruy Afonso de Santacruz Lima, professor e Diretor da Faculdade de Economia da UFF, que tem inclusive algumas dicas para você.
P: Alguns especialistas acreditam que durante o período de isolamento social as famílias tendem a gastar menos. Por outro lado, estudos demonstram que houve o aumento das compras digitais nos últimos meses. Até quanto podemos comprometer o nosso orçamento com parcelas no cartão de crédito, que é muito utilizado, inclusive, nesse tipo de transação?
R: As compras por meios digitais já eram uma tendência, mas agora foram reforçadas. A pandemia deve aumentar esse mercado porque as pessoas que não compravam antigamente estão começando a perceber, por exemplo, que é muito confortável fazer compras de supermercado sem estar lá presencialmente. Agora, compromisso com parcela de cartão de crédito é a coisa mais discutível. Em geral, os economistas especialistas em Defesa do Consumidor recomendam que você comprometa 30% da sua renda para parcelas de empréstimos, créditos e etc. Mas é algo pessoal, pois cada um se planeja de uma forma. Outra coisa importante reparada neste momento foi que aumentou o investimento em poupança. Por que? Isso é demanda precaucional por dinheiro, pois ninguém sabe o que pode acontecer neste período, como algum familiar perder o emprego por exemplo.
P: Indústrias, fábricas e afins deixaram de produzir durante alguns meses deste ano e as consequências já são sentidas no bolso do consumidor. Como readequar as finanças pessoais e o orçamento familiar frente a esse cenário?
R: Na verdade, indústrias e fábricas deixaram de produzir ou baixaram muito a produção, gerando desemprego, assim como o comércio também foi muito afetado. Embora as estatísticas oficiais indiquem que cerca de 13 milhões de pessoas estão sem trabalho, outros estudos apontam que o desemprego oculto atinge cerca de 18 a 20 milhões da população brasileira. E o que fazer diante desse cenário? Nesse momento, devemos “jogar” conservadoramente, gastar o mínimo possível. Classe média, por exemplo, não trocar o carro; e classe baixa não trocar TV, não trocar o liquidificador e etc. Agora você não deve contrair dívida, mas reduzir o consumo e aumentar a poupança. Essa é a recomendação.
P: A estabilidade do servidor público, de algum modo, garante certa tranquilidade quando estamos diante de uma crise. Você acredita que o atual momento é ideal para fazermos novos investimentos ou para mantermos uma postura mais conservadora?
R: O funcionário público realmente, neste período, está em “vantagem” se comparado a outros grupos. Então, como ele sabe que o salário não será afetado e caso ele tenha uma poupança, sem colocar a sua renda em risco, pode ser uma boa ideia comprar um imóvel, um carro que já estava no seu planejamento, até porque agora os preços estão mais baixos.
P: O ano foi praticamente de estagnação para a economia do país e do mundo devido a pandemia do novo coronavírus. O que esperar para 2021?
R: Bom, no Brasil o cenário não é muito positivo. Desde 2014, estamos com uma renda per capita abaixo do esperado e nunca mais alcançamos o pico de 2013. Em 2014, por exemplo, o nosso crescimento foi de 0,5%. Em 2015 e 2016, tivemos uma recessão e o PIB caiu 3,5%. Somando os últimos três anos, crescemos 1%. Íamos recuperar agora em 2020 e entrou a pandemia. O que os economistas acham é que o estado de renda média do brasileiro, PIB per capita, só vai voltar ao nível de 2013 em 2021, 2022. Ou seja, perdemos 10 anos da vida econômica do brasileiro. Nós não ganhamos renda, o mundo inteiro melhorou e nós não conseguimos melhorar, algo que é reflexo dos anos anteriores.
Desde junho, o comércio e os serviços vem aumentando, as lojas voltaram a abrir e vender, o cabeleireiro voltou a funcionar e estão conseguindo recuperar. Isso refletiu em vendas para a indústria também, porque o salário está voltando a circular. O que vai acontecer em 2021: nós vamos crescer. É claro que nós vamos crescer, estamos no fundo do poço. Quando você sai do fundo do poço, qualquer coisa é crescimento. 2021 vai ser um ano de recuperação, mas o importante é quando nós vamos alcançar o nível de 2013. A gente não consegue chegar no curto prazo e deve ser lá pra 2022. São dez anos de economia perdida para o brasileiro.