Qual o papel das universidades e de nós, cidadãos e servidores de uma instituição pública de ensino, no combate à desinformação? O início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, em janeiro deste ano, trouxe um ar de esperança, mas ao mesmo tempo reacendeu o debate sobre a importância das vacinas para o controle de doenças e como esses imunizantes são desenvolvidos nos centros de pesquisa e laboratórios.
Frente ao excesso de notícias falsas e da negativa de uma parcela da população brasileira quanto ao caráter de imunização da vacina contra o novo coronavírus, precisamos entender melhor esse cenário, esclarecer as nossas dúvidas e compartilhar dados científicos sobre o tema.
Confira a entrevista realizada com a professora Tatiana Guimarães de Noronha, da Faculdade de Medicina da UFF. Médica pela nossa Universidade, Tatiana é também pediatra com especialização em Infectologia Pediátrica pela UFRJ, Mestre em Saúde Pública e Doutora em Epidemiologia pela ENSP/Fiocruz.
1) Podemos confiar nas vacinas? Como elas são desenvolvidas e reagem no nosso corpo?
A vacinação é conhecida como uma das ações em saúde de maior eficiência, tendo grande impacto na redução da mortalidade e aumento no número de anos vividos. Podemos confiar nas vacinas liberadas para uso sim, pois elas passam por um rigoroso processo de desenvolvimento, incluindo o controle de qualidade em todas as fases de produção e avaliação, tanto da segurança da sua aplicação em seres humanos, quanto do seu potencial em estimular o nosso sistema imunológico para a defesa contra microorganismos invasores. Assim que as vacinas funcionam: elas são preparadas em laboratório, de acordo com o que conhecemos sobre o comportamento de determinado vírus, por exemplo, em nosso organismo, de modo a apresentar esse vírus (ou parte dele) ao nosso sistema imunológico, sem causar a doença. Dessa forma, o nosso organismo fica preparado para desencadear uma resposta de defesa, imediata e duradoura, quando o vírus causador da doença (chamado de “selvagem”), de fato, invadir o nosso corpo. Então, o nosso sistema imunológico pode destruí-lo antes mesmo dela causar sintomas. Por isso, as vacinas são estratégias e extremamente importantes para a prevenção de doenças infecciosas.
Como todos os medicamentos, algumas reações adversas podem ocorrer. No entanto, essas reações são na sua grande maioria leves, de curta duração e relacionadas ao estímulo que a vacina causou no nosso organismo. As possíveis reações adversas são estudadas ao longo de todo o desenvolvimento das vacinas e a sua fiscalização continua mesmo após o seu registro e distribuição generalizada. A introdução das vacinas no nosso programa nacional de imunizações, e a sua manutenção, baseia-se sempre numa relação de risco benefício. Ou seja, mesmo com a possível ocorrência de algumas reações adversas a determinadas vacinas, a sua aplicação se justifica, e em muito, diante do risco de adoecimento após determinadas infecções.
2) Qual a importância da vacina para a sociedade?
A vacinação é uma forma segura e eficaz de prevenir doenças e salvar vidas. Graças às vacinas foi possível erradicar a varíola do mundo e controlar doenças como a poliomielite, as sequelas da rubéola em recém-nascidos e surtos de febre amarela, por exemplo. Segundo a OMS, hoje, existem vacinas contra cerca de 20 doenças, as quais salvam a vida de até 3 milhões de pessoas por ano. Não podemos fechar os olhos para o avanço da ciência na prevenção de doenças infecciosas a partir do desenvolvimento de vacinas com tecnologias cada vez mais avançadas. Acredito que a importância das vacinas para a sociedade ficou ainda mais evidente com a pandemia da Covid-19.
3) É mito ou verdade a ideia de que contrair a doença dá mais proteção que a própria vacina?
Mito. A vacina é uma forma segura e inteligente de produzir uma resposta imunológica, ou seja, proteção no nosso organismo sem causar doença. As vacinas são projetadas para estimular memória imunológica. Ou seja, nosso sistema imunológico é induzido pela vacinação a lembrar do contato com aquele microrganismo (ou parte dele) contido na vacina, deixando-nos protegido contra uma doença por meses, anos, décadas ou mesmo toda a vida. Isso também ocorre pela infecção natural (exposição ao microrganismo agressor), porém, com a vacinação há o grande benefício de não ter sido necessário adoecer para adquirir essa proteção.
4) Por que todos devem se vacinar contra a Covid-19?
Todos aqueles que estiverem incluídos entre os grupos de recomendação de vacinação e não apresentarem contra-indicações, segundo os critérios definidos nas bulas das respectivas vacinas, devem ser vacinados. São necessárias elevadas coberturas vacinais para bloquear a cadeia de transmissão do vírus e é importante que cada um faça a sua parte. É importante lembrar sempre que a vacinação é uma ação de saúde coletiva. Além de estarmos nos protegendo individualmente, estamos protegendo também por tabela aqueles que estão ao nosso redor e que, por algum motivo, tenham uma contra-indicação às vacinas em uso.
5) Por qual razão devemos manter os protocolos de higiene (uso de máscara, álcool gel, distanciamento social e etc) contra a Covid-19, mesmo após a vacinação?
As vacinas não conferem proteção imediata, pois é necessário um certo tempo para estimular o sistema imune. Além disso, é necessário completar o esquema de número de doses previstas para cada vacina. Mesmo com o número de doses completos, as eficácias das vacinas não chegam a 100%, sendo possível o adoecimento, mesmo que numa frequência muito menor, de indivíduos vacinados. O que só poderá ser melhor controlado quando tivermos elevadas coberturas vacinais, ou seja, grande proporção da população vacinada. Além disso, precisamos conhecer um pouco melhor a atuação das vacinas na prevenção de infecções assintomáticas, que é quando o indivíduo vacinado não adoece, mas pode pode portar o vírus e transmitir para os seus contatos desprotegidos. Dessa forma, apesar de todo o benefício trazido pela introdução da vacinação contra a Covid-19, ainda é necessário manter os cuidados gerais, como distanciamento social, uso correto de máscaras, lavagem de mãos e uso de álcool gel frequentemente.