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Notícia

UFF Responde: Higiene do Sono

Descubra como a higiene do sono pode melhorar a saúde diária

Dormir bem é essencial para a saúde, mas muitas pessoas enfrentam dificuldades para manter uma rotina de sono adequada. Fatores como estresse, hábitos irregulares e até a exposição excessiva às telas podem comprometer a qualidade do descanso. No caso das mulheres, a relação entre sono e equilíbrio hormonal é ainda mais complexa, e envolve flutuações ao longo do ciclo menstrual, gravidez e menopausa. Por isso, entender como melhorar a higiene do sono pode fazer toda a diferença para o bem-estar feminino.

A privação de sono pode afetar diretamente a regulação hormonal, a impactar a liberação de hormônios como o estrogênio, a progesterona e o cortisol. Nesse sentido, o desequilíbrio pode levar a alterações no ciclo menstrual, ao aumento da resistência à insulina e até à piora dos sintomas de condições, como síndrome dos ovários policísticos (SOP) e endometriose. Ademais, distúrbios do sono afetam mais as mulheres do que os homens, especialmente após a menopausa, quando a produção hormonal sofre mudanças significativas.

Diante desses desafios, adotar práticas adequadas de higiene do sono pode ser uma solução eficaz para melhorar a saúde feminina. Por isso, manter uma rotina regular de sono, evitar estimulantes antes de dormir e reduzir o uso de telas à noite são algumas estratégias recomendadas por especialistas. Além disso, compreender o próprio cronotipo – ou seja, a tendência natural de dormir e acordar em determinados horários – pode ajudar a organizar melhor o descanso e favorecer o equilíbrio hormonal. Para entender melhor essa relação entre sono e saúde feminina, conversamos com a professora do Departamento Materno-Infantil da Universidade Federal Fluminense (UFF), Karen Panisset, e a professora emérita da UFF e especialista em Neurologia, Vilma Câmara. 

O que acontece no organismo durante as diferentes fases do sono e por que a interrupção desses ciclos pode ter consequências graves para a saúde?

Vilma Câmara: Durante o sono, o organismo exerce função restauradora do corpo, como: reparo do crescimento muscular, a síntese de proteína e o descanso do cérebro. Quando ocorre a privação do sono, o que significa que as fases do sono são interrompidas, pode haver consequências ruins para a saúde, como: prejuízo da memória e do aprendizado, redução da atenção, alteração do humor, risco de desenvolver doenças psiquiátricas, enfraquecimento da imunidade, hipertensão arterial, risco de doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio, AVC) e alterações hormonais da melatonina, adrenalina e TSH (hormônio da tireoide). Como resultado, pode ocorrer fadiga, não ganho de massa muscular, ansiedade, depressão, doença de Alzheimer precoce e envelhecimento precoce.

Qual a relação entre a qualidade do sono e o equilíbrio hormonal nas mulheres?

Karen Panisset: A qualidade do sono está intimamente ligada ao equilíbrio hormonal nas mulheres. Flutuações hormonais durante o ciclo menstrual, gravidez e menopausa podem afetar significativamente os padrões de sono. Estudos indicam que essas alterações hormonais podem levar a dificuldades para iniciar e manter o sono, resultando em insônia e outros distúrbios do sono, como a síndrome do sono insuficiente que afeta cerca de 45% da população geral, com motivação socioambiental. Além disso, a privação de sono pode influenciar negativamente a regulação hormonal, exacerbando sintomas associados a essas fases. Ela pode impactar a glicemia de jejum, que pode interferir na liberação de insulina e cortisol, afetando também hormônios sexuais como o estrogênio e a progesterona.

Ciclo menstrual | Foto: Wikipédia

Como a privação de sono pode afetar o ciclo menstrual e contribuir para irregularidades?

Karen Panisset: A privação de sono pode desregular o eixo hipotálamo-hipófise-ovário, essencial para a regulação do ciclo menstrual. Além disso, pode causar resistência à insulina, um fator que influencia distúrbios menstruais, como a síndrome dos ovários policísticos (SOP).

Alterações no sono podem levar a irregularidades menstruais, incluindo ciclos sem o ovulação e variações na duração do ciclo. Estudos sugerem que a má qualidade do sono está associada a disfunções menstruais, possivelmente devido à interferência nos ritmos circadianos e na secreção pulsátil de hormônios reprodutivos. Além disso, mulheres com privação crônica de sono podem ter alterações de humor, foco e libido, o que indica um impacto mais amplo do sono na regulação do ciclo menstrual.

Quais mecanismos neurobiológicos são influenciados pela higiene do sono e como isso impacta a regulação hormonal, cognitiva e imunológica?

Vilma Câmara: Dormir significa cessar o controle do que se passa em volta. A neurofisiologia consegue explicar o mecanismo da vigília por meio de um sistema ativador ascendente na Formação Reticular no Tronco Encefálico no Sistema Nervoso Central, como produto direto da estimulação sensorial. Existem duas fases básicas no fenômeno do sono: REM (ocorre movimento dos olhos) e NREM (sem movimento dos olhos). O sono NREM tem quatro estágios, seguido do sono REM (sono profundo onde ocorrem os sonhos), e cada ciclo do sono dura 90 minutos.

Os distúrbios do sono, com destaque para a insônia, são influenciados por vários fatores externos, como problemas médicos, sociais, psicológicos, farmacológicos e outros. A higiene do sono consiste em condutas para o controle desses fatores externos, como restrição de tempo na cama, técnicas de relaxamento, reestruturação cognitiva, técnicas educacionais e comportamentais. Portanto, a higiene do sono deve ocorrer para o funcionamento fisiológico adequado do sono.

Foto: Instituto do Sono

Mulheres sofrem mais com insônia do que os homens? Quais fatores explicam essa diferença?

Karen Panisset: Sim, pesquisas indicam que as mulheres têm uma prevalência maior de distúrbios do sono em comparação aos homens. Um estudo da revista científica Sleep Medicine Reviews aponta que cerca de 20% das mulheres sofrem de insônia, um percentual relevante, comparado à prevalência masculina. A apneia obstrutiva do sono (AOS) nas mulheres aumenta significativamente, passando de 1 mulher para cada 3 homens antes da menopausa para igualdade na prevalência (1:1) na menopausa.

Fatores biológicos, como flutuações hormonais durante o ciclo menstrual, gravidez e menopausa, desempenham um papel significativo nessa diferença. Além disso, responsabilidades sociais e profissionais, como cuidados com a família e multitarefas, podem aumentar os níveis de estresse, contribuindo para uma pior qualidade do sono nas mulheres. 

Como a exposição à luz artificial à noite, especialmente de telas, altera a qualidade do sono e quais estratégias podem minimizar esse impacto?

Vilma Câmara: A glândula pineal, que está no cérebro, regula o ciclo do sono-vigília e o ritmo circadiano. Ela produz melatonina, hormônio que ajuda a dormir e que aumenta quando o indivíduo está no escuro. A luz, mesmo artificial, inibe a produção de melatonina, influenciando no ciclo do sono-vigília. Dormir bem é um processo fisiológico essencial para o bem-estar diário. O ritmo circadiano é um relógio biológico. A estratégia recomendada é não deixar luzes acesas e eletrônicos ligados no ambiente onde o indivíduo vai dormir. Recomenda-se uma luz de apoio em outro local da casa para facilitar a locomoção, caso necessário à noite.

Durante o climatério e a menopausa, quais mudanças no padrão de sono são comuns e por quê?

Karen Panisset: Durante o climatério e a menopausa, é comum que as mulheres experimentem alterações no padrão de sono, incluindo insônia e despertares noturnos frequentes. Essas mudanças estão frequentemente associadas a sintomas vasomotores, como ondas de calor e suores noturnos, que podem interromper o sono. Além disso, a redução nos níveis de estrogênio pode levar a alterações no humor e ansiedade, contribuindo para distúrbios do sono. 

A apneia do sono se torna mais prevalente na menopausa, o que pode ser um fator importante a ser tratado para melhorar a qualidade do sono.

Foto: Dr. Hélio Sato

Distúrbios do sono podem agravar condições como a SOP e a endometriose?

Karen Panisset: Embora a relação entre distúrbios do sono e condições como SOP e endometriose não seja completamente elucidada, há evidências sugerindo que a má qualidade do sono pode exacerbar os sintomas dessas condições. A resistência à insulina e a dificuldade na perda de peso são sintomas associados à apneia obstrutiva do sono, condições que também estão presentes na SOP. Como a síndrome está ligada a alterações no metabolismo da insulina e andrógenos, qualquer fator que agrava a resistência à insulina pode piorar seus sintomas.

Quanto à endometriose, a privação de sono pode aumentar os níveis de estresse e inflamação e alterar o sistema imunológico. Todos estes fatores podem aumentar a percepção e intensidade da dor.  Desse modo, distúrbios do sono podem afetar negativamente o equilíbrio hormonal, possivelmente influenciando a progressão dessas doenças.

Quais hábitos e práticas de higiene do sono podem ajudar a melhorar a saúde hormonal feminina?

Karen Panisset: Adotar práticas adequadas de higiene do sono pode beneficiar significativamente a saúde hormonal feminina. Algumas recomendações incluem:

  • Manter uma rotina regular de sono: deitar e se levantar nos mesmos horários diariamente ajuda a regular o relógio biológico. Pode-se ajustar o tempo de sono com o teste de diferentes durações (7h, 7,5h, 8h), seguida de observação cuidadosa dos efeitos;
  • Conhecer o próprio cronotipo: o autoconhecimento do paciente sobre um hábito mais matutino ou vespertino pode ajudar a organizar melhor o sono;
  • Criar um ambiente propício para o sono: assegurar que o quarto esteja escuro, silencioso e em uma temperatura confortável;
  • Evitar estimulantes antes de dormir: reduzir o consumo de cafeína e álcool nas horas que antecedem o sono;
  • Evitar refeições muito tarde: pesquisas sugerem uma redução da expectativa de vida associada ao hábito de comer tarde da noite, o que também afeta a qualidade do sono;
  • Limitar o uso de dispositivos eletrônicos: evitar exposição a telas de celulares, tablets e computadores pelo menos uma hora antes de dormir. A luz azul pode atrapalhar a produção de melatonina, que é essencial para regular o ciclo circadiano;
  • Praticar técnicas de relaxamento: atividades como meditação, ioga ou leitura podem ajudar a preparar o corpo para o descanso;
  • Suporte terapêutico: tratamentos não farmacológicos, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) para insônia, e farmacológicos, como a suplementação com melatonina para regular o ritmo circadiano podem trazer benefícios após avaliação cuidadosa. 

Implementar essas práticas pode não apenas melhorar a qualidade do sono, mas também contribuir para o equilíbrio hormonal e o bem-estar geral das mulheres.

 

Vilma Câmara: A recomendação é estabelecer horários regulares para dormir e acordar. Com essa conduta, o ciclo do sono e o ritmo circadiano ocorrem adequadamente, fornecendo boa qualidade de sono e de vida. Alguns hábitos devem ser adotados para alcançar um sono profundo e um bom relaxamento. O ambiente deve estar escuro para permitir a produção adequada de melatonina. As doenças metabólicas podem se instalar devido ao enfraquecimento do sistema imunológico. As doenças cardiovasculares também se fazem presentes, principalmente o aumento da pressão arterial e o risco de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC).

Para obter um sono reparador e se proteger das consequências que prejudicam a qualidade de vida, algumas dicas devem ser consideradas:

  • Respeitar o horário de dormir;
  • Desligar aparelhos eletrônicos;
  • Ler antes de dormir somente sentado e com literatura leve, sob luz fraca;
  • Criar um ambiente escuro;
  • Se cochilar após o almoço, que seja no máximo por 30 minutos;
  • Praticar pelo menos 30 minutos de exercício por dia, mas não após as 21h;
  • Evitar café, e se consumi-lo, que seja até seis horas antes de dormir;
  • Tomar chá calmante antes de dormir, como erva-cidreira;
  • Usar óleo essencial de lavanda no ambiente em pequena quantidade (se não for alérgico);
  • Manter silêncio e conforto.

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Karen Soto Perez Panisset possui Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994-2000), Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pela UFRJ (2002-2005). Professora do Departamento Materno-Infantil da Universidade Federal Fluminense (UFF). É a Médica Responsável pelo Serviço de Ginecologia e Cirurgia Minimamente Invasiva da Clínica Perinatal Barra (MIGS), Professora de Videolaparoscopia e Histeroscopia da Pós-Graduação Lato-Sensu do Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO) e Professora do Curso Preparatório para Residência Médica MEDCURSO (2007 – até os dias atuais) de abrangência nacional. 

Vilma Duarte Câmara possui Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense(1969), mestrado em Medicina Neurologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(1981) e doutorado em Medicina Neurologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(1992). É docente emérita da Universidade Federal Fluminense. Membro de comitê assessor do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Tem experiência na área de Medicina Clínica e Neurologia.

 

Por Lívia Galvão
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