Com a chegada da Black Friday, consumidores de todo o país se preparam para aproveitar as ofertas e descontos. Mas, junto dos preços baixos, surgem também os relatos de propagandas enganosas, falta de clareza nas condições de venda e até golpes virtuais. Para ajudar você a evitar transtornos e garantir que os seus direitos sejam respeitados, preparamos um guia prático com orientações sobre o que fazer antes, durante e depois da compra.
“Os direitos básicos do consumidor durante a Black Friday são os mesmos que ele já possui durante todo o ano. A grande questão é que, durante a data, é necessária uma maior atenção por ser um período em que, frequentemente, ocorrem mais fraudes. O consumidor tem direito à proteção, à prestação de informações precisas e a ser protegido contra publicidade enganosa e abusiva, contra práticas abusivas e cláusulas nulas”, explica Lúcia Souza D’Aquino, professora do Departamento de Direito do Instituto de Ciências da Sociedade da Universidade Federal Fluminense (ICM/UFF).
Pré-compra
“Antes de mergulhar nas ofertas, vale a pena fazer um planejamento com atenção para garantir que as compras sejam vantajosas”, aconselha a professora. Entre os pontos a serem observados, destacam-se a pesquisa dos preços, da reputação da loja e do valor do frete.
Verifique o histórico de preços
Muitas lojas aumentam os valores dos produtos nas semanas que antecedem a Black Friday para simular um desconto maior no dia. Use ferramentas de monitoramento de preços, como o Google Shopping, Buscapé ou Zoom, que ajudam a comparar o histórico e avaliar se o desconto é real.
A professora destaca que essa prática, conhecida como maquiagem de preço, é difícil de identificar porque exige um monitoramento contínuo dos valores. “O ideal é que o consumidor comece a acompanhar o valor do produto de interesse cerca de dez dias a duas semanas antes da Black Friday. Isso pode ser feito verificando o preço em diferentes lojas, tanto físicas quanto online, para entender o valor real do item. Assim, na data do evento, será possível perceber se houve uma redução de preço de fato. Nesse caso, a atenção e o planejamento do consumidor são fundamentais para evitar ser enganado”.
Pesquise sobre a reputação da loja
Para evitar fraudes, sempre faça uma pesquisa sobre a reputação das lojas. Sites como Reclame Aqui e Consumidor.gov.br são boas fontes para verificar a experiência de outros consumidores. Priorize sites com boa avaliação e que forneçam dados claros de contato, como CNPJ e telefone.
Fique atento ao valor do frete
O frete pode ser um dos fatores que encarecem a compra. Verifique se o custo do envio e o prazo de entrega são razoáveis, especialmente em ofertas muito atrativas. Muitas vezes, um frete alto esconde o que parecia ser um bom desconto.
Durante a compra
No momento da compra, é importante estar atento e observar alguns aspectos que podem evitar problemas futuros. Principalmente em transações online, nas quais as tentativas de golpes são maiores. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina que as empresas divulguem no site o CNPJ e o endereço comercial, geralmente no rodapé da página. Essa informação permite que o consumidor saiba para onde direcionar uma demanda em caso de problema. Também se recomenda verificar, antes de clicar em um link, se ele é realmente da loja oficial, além de ter cuidado redobrado com anúncios e promoções enviadas por e-mail ou WhatsApp que direcionem para sites desconhecidos.
Outra ação que pode evitar uma possível fraude é verificar o método de pagamento antes de fechar a compra na internet. “Ao optar por Pix ou boleto, é importante confirmar se o titular da conta ou o emitente do boleto corresponde à mesma empresa que está vendendo o produto. Empresas que aceitam apenas boletos merecem atenção redobrada, já que esse método de pagamento é mais difícil de reverter em caso de fraude. Também é fundamental observar se o site possui o ícone de cadeado no endereço, indicando que é seguro, e verificar se há certificações que garantam a proteção dos dados pessoais. Por fim, uma pesquisa em sites de busca ou nas redes sociais pode encontrar relatos de outros consumidores que ajudam a identificar possíveis golpes”, orienta a professora.
Guarde todas as informações da compra
Prints da página do produto, descrições, preços, e condições da oferta são documentos importantes para garantir que o que você comprou será entregue conforme o combinado. Guarde também e-mails de confirmação e comprovantes de pagamento.
Pós-compra
Caso alguma condição da compra não esteja de acordo com o que estava descrito ou haja algum problema após concretizá-la, é importante saber como proceder para garantir o cumprimento de seus direitos.
Leia as políticas de troca e devolução
O CDC assegura o direito de arrependimento nas compras feitas pela internet, mas é importante verificar como a loja aplica essa política. De forma geral, em caso de desistência, o consumidor tem até sete dias para cancelar a compra sem justificativa, com direito ao reembolso total. Contudo, D’Aquino aponta algumas diferenças.
“Se a compra for realizada em uma loja física, a devolução do produto sem defeito não é uma obrigação do fornecedor. Algumas empresas possuem políticas próprias de devolução, mas isso depende de cada caso e deve ser informado no momento da compra. Se não houver defeito e a empresa se recusar a aceitar a devolução, ela não estará infringindo nenhuma lei”, esclarece a especialista.
Produto com defeito
Se o produto apresentar algum defeito, o consumidor tem direito à troca ou ao conserto. Segundo o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/RJ), a empresa tem um prazo de 30 dias para resolver o problema. De acordo com D’Aquino, “Se o prazo não for cumprido, o consumidor pode optar pela troca por um produto novo, a devolução integral do valor pago com correção monetária ou o abatimento proporcional do preço. Produtos essenciais, como geladeiras ou itens indispensáveis para o trabalho, devem ser substituídos imediatamente após a constatação do defeito, sem a necessidade de aguardar o prazo de 30 dias”.
Atenção ao prazo de entrega
Se o prazo de entrega não for cumprido, o consumidor pode exigir que o pedido seja realizado imediatamente, ou solicitar o cancelamento da compra e o reembolso total. O atraso excessivo é considerado descumprimento de oferta, e o consumidor tem direito à reparação. A professora destaca que, para isso, “é essencial guardar todos os comprovantes de contato com a empresa, preferindo canais formais como o site oficial e registrando protocolos de atendimento. Contatos via WhatsApp, por exemplo, devem ser evitados porque são passíveis de manipulação”.
Suspeita de propaganda enganosa ou “maquiagem de preço”
Se o consumidor identificar a ocorrência de golpe ou fraude, é essencial agir rapidamente. Segundo a especialista, “a primeira coisa a fazer é registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia de crimes cibernéticos ou em uma delegacia de polícia comum. Além disso, é importante buscar o Procon para orientação e, no caso de pagamentos feitos com cartão de crédito, tentar reaver o valor com a operadora do cartão. Se o pagamento foi realizado por meio do sistema Pix, é possível recorrer ao site do Banco Central ou ao aplicativo do banco, utilizando a ferramenta de devolução de Pix. Nessas plataformas, o consumidor pode abrir uma chamada, justificar a situação e solicitar o ressarcimento. Contudo, essa devolução não é garantida, especialmente se o golpista sacar o valor antes da reclamação.”
Por isso, é fundamental o consumidor se assegurar de que está comprando em uma empresa que é verdadeira antes de finalizar as transações. Em situações de maquiagem de preço ou propaganda enganosa, a loja pode ser penalizada, e o consumidor tem o direito de exigir que o valor original seja respeitado ou desistir da compra.
Onde buscar ajuda?
O Procon e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) oferecem suporte ao consumidor, tanto de forma preventiva quanto punitiva. “A Senacon gerencia o site consumidor.gov.br e, junto com o Procon, monitora preços e sites para identificar práticas como maquiagem de preços ou ofertas enganosas. Essas instituições recebem denúncias, prestam informações e gerenciam reclamações. O contato com fornecedores pode ser feito pelo Procon ou pelo consumidor.gov.br. Além disso, a Senacon elabora políticas públicas, notas técnicas e orientações aos fornecedores. Em alguns casos, aplica multas e outras sanções administrativas aos que descumprem o CDC”, elucida D’Aquino.
Caso o problema não seja resolvido, o portal Consumidor.gov.br permite que consumidores registrem reclamações, com um alto índice de solução. Também é possível recorrer ao Reclame Aqui, plataforma reconhecida e que influencia bastante as empresas a resolverem pendências de atendimento.
Quando anúncios enganosos são feitos por meio de redes sociais e influenciadores, as empresas podem responder pelos prejuízos causados aos consumidores, sejam esses prejuízos efetivos ou potenciais.
A especialista em Direito do Consumidor ressalta que, em casos de publicidade enganosa ou abusiva, a empresa pode ser condenada à indenização, mesmo que não tenha ocorrido dano direto ao consumidor. “É importante avaliar se o influenciador estava agindo em parceria com a empresa ou se o anúncio foi publicado na própria página oficial da rede social da marca. Se houver associação, a responsabilidade é compartilhada. Caso contrário, a empresa pode não ser responsabilizada, mas cabe a ela, e não ao consumidor, o ônus de provar que não estava envolvida no caso”.
As queixas mais frequentes dos consumidores durante eventos como a Black Friday revelam práticas conhecidas, mas ainda recorrentes. A chave para uma experiência segura durante a data é desconfiar de ofertas que parecem boas demais para ser verdade, verificar a confiabilidade da empresa e adotar medidas de segurança, como pesquisar a reputação do vendedor e checar selos de verificação nos sites.
A Black Friday pode ser uma ótima oportunidade para fazer compras com descontos reais, mas é essencial estar bem-informado para não cair em armadilhas e aproveitar as promoções de forma segura, garantindo que seus direitos sejam respeitados.
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Lúcia Souza D’Aquino é Professora Adjunta do Departamento de Direito no Instituto de Ciências da Sociedade da Universidade Federal Fluminense (ICM/UFF). Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Francês e Europeu dos Contratos pela Université de Savoie-Mont Blanc/UFRGS. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq “Vulnerabilidades no Novo Direito Privado”. Membro dos grupos de pesquisa “Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização” da UFRGS e “Grupo de Pesquisa em Direito do Consumidor” da PUCRS. Diretora do Instituto de Direitos Humanos do Mato Grosso do Sul – José do Nascimento.