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UFF responde: Alzheimer

Desafios e avanços no cuidado e na pesquisa sobre o Alzheimer.

Doença de causa desconhecida e incurável, o Alzheimer é a forma mais comum de demência e afeta, principalmente, idosos com mais de 65 anos. Identificada inicialmente pela perda de memória, pessoas acometidas pela doença têm, a partir do diagnóstico, uma sobrevida média que oscila entre 8 e 10 anos, segundo o Ministério da Saúde

Em um Relatório sobre Demência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que mais de 55 milhões de pessoas no mundo possuem algum tipo dessa doença, sendo mais de 60% dessas pessoas habitantes de países de baixa e média renda. A previsão é de que esse número ultrapasse mais de 130 milhões no ano de 2050. Outros dados apresentados na publicação indicam que a demência é a sétima maior causa de morte no mundo e que, em 2019, representou um custo global superior a 1 trilhão de dólares.

Com o intuito de criar ações para o tratamento e a conscientização sobre a Doença de Alzheimer e de demências, em junho de 2024, foi instituída a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. A efetivação desta política se dará com a articulação de diversos setores, especialmente de áreas como “saúde, previdência e assistência social, direitos humanos, educação, inovação e tecnologia”. 

Nesse contexto, o UFF Responde, convida as docentes da Universidade Federal Fluminense (UFF) Adriana Melibeu – vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Neurociências e chefe do Laboratório de Neurobiologia do Desenvolvimento, e Alessandra Camacho – professora da Escola de Enfermagem. As pesquisadoras explicam as características da doença, os desafios enfrentados pelos pacientes e quais avanços científicos ocorreram nos últimos anos para o tratamento.

O que é o Alzheimer?

Alessandra Camacho: Em uma linguagem simplificada, a doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa progressiva, ou seja, vai se desenvolvendo gradualmente. Ela se manifesta principalmente pela deterioração cognitiva, que é a capacidade de aprender e processar informações que desenvolvemos ao longo da vida. Esse declínio se dá, sobretudo, na memória, o que é uma das características mais evidentes da doença, a perda da memória.

À medida que a doença avança, ela afeta também as atividades de vida diária, trazendo diversos sintomas neuropsiquiátricos e alterações comportamentais. Entre esses sintomas, estão a confusão, a dificuldade de reconhecer objetos e locais, e, em casos mais avançados, até mesmo familiares próximos.

O problema central do Alzheimer é o acúmulo da proteína beta-amiloide no córtex cerebral, região do cérebro responsável pelas capacidades cognitivas e de memória. Inicialmente, a perda ocorre na memória recente, mas, com o tempo, compromete também aspectos importantes como comportamento, memória, linguagem e raciocínio. Alterações nos estímulos sensoriais são comuns; por exemplo, uma luz acesa pode incomodar a visão e causar agitação.

Adriana Melibeu: O Alzheimer é o principal tipo de demência que existe e afeta principalmente pessoas idosas, sendo a idade o maior fator de risco para seu desenvolvimento. Ele é inicialmente caracterizado pela perda de memória recente. Como se trata de uma doença neurodegenerativa, ela envolve a morte progressiva de neurônios em determinadas áreas do cérebro.

Esse processo é gradual, afetando cada vez mais áreas cerebrais, e compromete principalmente a cognição do paciente. Inicialmente, há perda de memória, e, com o avanço da doença, surgem problemas de relacionamento, alterações de humor e sono, até que, eventualmente, ocorre uma incapacidade progressiva, limitando cada vez mais as funções do indivíduo.

Qual a diferença entre o Alzheimer e a demência?

Alessandra Camacho: A doença de Alzheimer é um tipo de demência e é a forma mais comum dessa condição. Estatisticamente, se considerarmos 10 pacientes com demência, cerca de seis terão Alzheimer. Então, em termos gerais, ela é uma das causas mais frequentes de demência. Embora seja uma condição que leva à demência, é considerada um tipo específico, pois existem outras demências, como a frontotemporal e a vascular. Mas, em termos quantitativos, o Alzheimer é o mais prevalente.

Adriana Melibeu: Nenhuma. O Alzheimer é o principal tipo de demência. Entendemos a demência como um conjunto de condições que afetam a cognição do paciente, incluindo memória e capacidade de raciocínio. Nesse sentido, o Alzheimer é uma forma de demência.

Quais são os sintomas do Alzheimer?

Adriana Melibeu: Os primeiros sintomas do Alzheimer incluem perda de memória, geralmente de acontecimentos recentes, e confusão. O paciente começa a se perder em situações cotidianas, pode ter dificuldade em pagar contas ou realizar tarefas simples. Esse comprometimento inicial da memória recente é um dos sinais que a família também percebe, e a progressão da doença se dá gradualmente.

Alessandra Camacho: Temos inúmeras vivências que exemplificam os sintomas da doença. Muitas vezes são confusões típicas da rotina, como tentar fazer compras e esquecer de pagar ou não se recordar das funções de alguns objetos. Um paciente, por exemplo, já não reconhecia mais o garfo; em certa ocasião, confundiu o garfo com um pente e começou a usá-lo para pentear o cabelo. Esse tipo de confusão é comum e mostra a importância de manter a atividade cotidiana, adaptando-a para a realidade do paciente.

A doença pode levar ao esquecimento de atividades cotidianas que para nós são muito comuns, como saber onde fica o banheiro ou entender o uso da escova de dentes. Precisamos estar muito atentos a esses sinais para identificar os sintomas e evitar que acidentes aconteçam.

Como é realizado o diagnóstico do Alzheimer?

Alessandra Camacho: O diagnóstico é realizado de várias formas, começando com o relato e o histórico do paciente, geralmente trazido pela família. Eles costumam observar esquecimentos frequentes, dificuldade em retornar para casa após sair, problemas em dirigir ou realizar tarefas que antes eram simples. Esse histórico familiar e o relato são importantes, e, além disso, o médico — que pode ser um psiquiatra, neuropsiquiatra ou geriatra — realiza exames específicos para avaliar o estado mental e descartar outras condições.

Alguns exames laboratoriais e de imagem, como ressonância magnética e tomografia computadorizada, também podem ser solicitados para excluir outras possíveis causas de demência, como desequilíbrios hormonais. Esse conjunto de informações, exames e o histórico familiar — especialmente a presença de casos de Alzheimer em parentes de primeira geração — ajuda a confirmar o diagnóstico.

Adriana Melibeu: Atualmente, o diagnóstico de Alzheimer é principalmente clínico. Antigamente, a certeza só vinha com um exame post-mortem, mas hoje temos técnicas de imagem, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada, que permitem analisar o cérebro do paciente e excluir outras condições. Em alguns casos, exames de sangue também são feitos para detectar possíveis desequilíbrios nutricionais ou hormonais, como problemas de tireoide, que podem gerar sintomas semelhantes aos do Alzheimer.

Qual o tratamento para o Alzheimer?

Alessandra Camacho: O tratamento visa ajudar o paciente a manter o máximo possível de independência em suas atividades diárias. Esse tratamento inclui o uso de medicamentos, terapias ocupacionais e estímulos, como musicoterapia e atividades cotidianas, que também envolvem orientações para cuidadores, promovendo o bem-estar do paciente.

Dentre os medicamentos, utilizam-se os chamados inibidores da colinesterase, que ajudam a aumentar a disponibilidade de acetilcolina para melhorar a comunicação entre neurônios no córtex cerebral. Esses medicamentos, como a galantamina e a donepezila, ajudam a amenizar os sintomas, mas não curam a doença. Em estágios mais avançados, utiliza-se a memantina, que também atua para melhorar a comunicação neuronal.

A resposta ao tratamento varia conforme o paciente, sendo comum que alguns respondam bem aos medicamentos, enquanto outros apresentem efeitos colaterais, como náuseas e vômitos. Além disso, é importante considerar outras condições de saúde do paciente, como hipertensão e diabetes, que podem influenciar os efeitos do tratamento.

Adriana Melibeu: Não há cura, então uma vez diagnosticado, o tratamento envolve tanto medicamentos quanto atividades para melhorar a qualidade de vida. Atividades físicas, terapias em grupo e ocupacionais são essenciais, assim como envolver o paciente em tarefas que ele gostava de fazer antes dos sintomas da doença, como jardinagem ou música. A rotina é igualmente importante: mudanças frequentes de ambiente podem gerar confusão e ansiedade, então, manter um dia a dia estruturado ajuda a reduzir esses desconfortos e melhora o bem-estar do paciente.

Quais são as formas de prevenção da doença de Alzheimer?

Alessandra Camacho: Não há uma forma específica de prevenção para o Alzheimer, mas estudos indicam que manter a mente ativa e uma vida social saudável pode ajudar a reduzir o risco ou retardar o aparecimento dos sintomas. Recomenda-se ler, estudar, fazer exercícios de aritmética — aqueles exercícios simples de fazer aquelas continhas para compra, alguns jogos de inteligência que jogamos com a família numa brincadeira —, e participar de atividades em grupo. Manter hábitos saudáveis, como não fumar, evitar o consumo excessivo de álcool, adotar uma alimentação equilibrada e praticar atividades físicas com acompanhamento médico e nutricional, são práticas que beneficiam todos, especialmente na chegada da terceira idade.

Adriana Melibeu: A prevenção do Alzheimer está relacionada a mudanças no estilo de vida para evitar fatores de risco, como consumo de álcool, tabagismo, má alimentação e sedentarismo. Manter uma boa qualidade de vida inclui ter uma vida social ativa, realizar atividades em grupo e exercitar a mente com leitura e estudo, que são métodos eficazes para a prevenção.

Como a genética influencia o risco de desenvolver a doença de Alzheimer?

Alessandra Camacho: Já existem alguns estudos que falam que existe uma questão de  hereditariedade no risco de desenvolver Alzheimer, especialmente se há um histórico familiar, como um parente de primeiro grau diagnosticado com a doença. Ter um familiar com Alzheimer, como mãe ou pai, pode aumentar o risco para os descendentes. No entanto, isso não garante que a pessoa vá desenvolver a doença, apenas sugere uma predisposição. Nesse contexto, adotar medidas preventivas, como manter a mente ativa, fazer exercícios e ter uma vida saudável, pode ajudar a postergar o surgimento de sintomas. O que se faz é apoiar todos os estímulos a fim de promover o funcionamento do cérebro.

Adriana Melibeu: Cerca de 80% dos casos de Alzheimer são idiopáticos, ou seja, sem uma causa genética clara. No entanto, existem variações genéticas que aumentam o risco, como no Alzheimer familiar, caracterizado por mutações em genes específicos. Esse tipo de Alzheimer é raro, mas pode se manifestar precocemente, antes dos 65 anos, dependendo do gene afetado. A maioria dos casos, entretanto, não tem uma origem genética clara, o que torna a doença difícil de prever com precisão.

Como melhorar a vida do paciente com Alzheimer?

Alessandra Camacho: Para melhorar a qualidade de vida de pacientes com Alzheimer, é essencial que a família e os cuidadores recebam conscientização e orientação sobre a doença. Muitas famílias chegam sem conhecimento adequado e, em alguns casos, têm dificuldades em aceitar o diagnóstico. A conscientização familiar é, portanto, o primeiro passo, pois abre caminhos para promover educação em saúde e um cuidado mais adequado ao paciente.

Atividades cognitivas, musicoterapia e estímulos sensoriais podem auxiliar o paciente a manter funções cognitivas preservadas por mais tempo. É recomendável estimular a memória musical, que tende a ser preservada, e atividades manuais, quando o paciente ainda consegue realizá-las. Essas atividades são frequentemente promovidas em hospitais, onde pacientes com Alzheimer em estágio leve participam de terapias para estímulo cognitivo e emocional.

Além das atividades terapêuticas, o ambiente domiciliar precisa ser seguro e adaptado para evitar acidentes. Situações como o paciente confundir uma janela com uma porta, ou sair de casa sem rumo, representam riscos reais. A família pode instalar grades nas janelas e organizar o espaço para evitar que o paciente se perca ou se machuque.

Outro aspecto importante é a adaptação das atividades cotidianas. Um exemplo é o caso de um paciente que, ao fazer compras, esqueceu que precisava pagar, mas se manteve engajado e ativo com a ajuda do gerente do supermercado, que permitiu que ele simulasse a rotina de compras. Pequenas adaptações como essa, que mantêm o paciente ativo em atividades que ele valoriza, contribuem para seu bem-estar.

Quais são os avanços científicos mais recentes no tratamento da doença de Alzheimer?

Alessandra Camacho: Houve avanços significativos, incluindo um divulgado no ano passado, em 2023, nos Estados Unidos, sobre uma nova medicação chamada lecanemabe. É um medicamento administrado via endovenosa. No entanto, ele é muito caro, com um custo elevado. Empresas farmacêuticas no exterior estão investindo nesse sentido, mas ainda é uma medicação inacessível para a maioria. Além disso, há riscos associados, principalmente relacionados a distúrbios vasculares, como efeitos colaterais. Cada paciente reage de forma diferenciada.

Aqui no Brasil, também existem pesquisas em andamento nas universidades públicas, mas são estudos ainda em fase inicial. Seria precipitado da minha parte fazer afirmações sobre seus resultados, mas é um avanço importante. Ainda que fora da nossa realidade, essa nova medicação representa uma possibilidade promissora. É preciso avançar e proporcionar maior acesso, tanto nos Estados Unidos quanto mundialmente, pois essa é uma necessidade urgente, inclusive para o nosso país. 

Adriana Melibeu: Estamos vendo o desenvolvimento de novos fármacos que tentam interromper os processos neuroquímicos do Alzheimer. Em termos neurológicos, o que acontece é uma alteração em uma proteína chamada APP, precursora do amiloide, que gera um peptídeo conhecido como beta-amiloide. Esse beta-amiloide começa a se acumular e destrói as sinapses, que são os pontos de comunicação entre os neurônios, fundamentais para nossas ações e cognições. Essas proteínas formam placas senis, que causam um processo inflamatório junto com alterações em outras proteínas.

A ideia dos tratamentos é reduzir essas placas e o acúmulo de beta-amiloide. Existem medicamentos e anticorpos que tentam fazer isso, mas eles ainda são extremamente caros e inacessíveis para a maioria da população, com uma efetividade ainda em avaliação. Um avanço interessante, com grande participação de pesquisadores brasileiros, é a pesquisa do Dr. Miguel Lourenço, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com uma proteína chamada irisina, também conhecida como hormônio do exercício, que é liberada durante a atividade física. Os estudos mostraram que essa proteína melhora a cognição em modelos animais para a Doença de Alzheimer, o que traz resultados promissores.

Qual é o papel do SUS no tratamento?

Alessandra Camacho: Na atenção básica, já existem redes de apoio que fazem o acompanhamento de pacientes com Alzheimer aqui no estado do Rio de Janeiro, como no município de Niterói. Com um encaminhamento de um clínico geral, é possível que a pessoa seja acompanhada em uma unidade básica de saúde. O SUS disponibiliza alguns medicamentos de forma gratuita, reduzindo significativamente os custos para as famílias. O Governo Federal tem implementado ações para garantir o acesso a esses tratamentos, e as unidades básicas de saúde promovem o apoio à família e ao idoso por meio de visitas domiciliares. Eles orientam não apenas a família, mas também a comunidade, incluindo vizinhos, para que possam ajudar em situações de emergência.

Há também uma preocupação constante com a qualificação dos profissionais de saúde, incluindo enfermeiros, para que ofereçam o suporte adequado. Embora a realidade varie em algumas áreas, o SUS tem ampliado esse acesso, e os governantes têm se mostrado atentos a essa demanda. A maior dificuldade surge quando o paciente atinge estágios mais avançados da doença. É nesse ponto que o apoio e os cuidados específicos tanto para o idoso quanto para a família se tornam ainda mais essenciais.

Adriana Melibeu: Essa pergunta me fez lembrar outra coisa muito importante: o custo dessa doença. O Alzheimer tem um custo social e econômico elevado, que afeta não só o paciente, mas a família como um todo. Em muitos casos, familiares em idade produtiva acabam deixando o trabalho para oferecer cuidados ao paciente, o que traz um grande impacto econômico. Nos Estados Unidos, estima-se que o custo com Alzheimer possa ultrapassar um trilhão de dólares até 2050.

Além disso, a doença tem um curso muito longo, podendo durar mais de uma década, o que implica em um alto custo de cuidado ao longo do tempo. No SUS, existe uma abordagem multidisciplinar para acompanhar o paciente, mas é preciso que o sistema esteja preparado para suprir essa demanda e oferecer um suporte abrangente.

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Adriana Da Cunha Faria Melibeu possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994), mestrado em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997) e doutorado em Ciências (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003) . Atualmente é Professora da Universidade Federal Fluminense (Depto. Neurobiologia, Inst. Biologia), aonde chefia o Laboratório Neurobiologia do Desenvolvimento e é a atual vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Neurociências. Tem experiência na área de Biofísica, com ênfase em Neurobiologia e Neuroquímica. Atuando principalmente nos seguintes temas: Modulação da Proteína Precursora do amilóide (APP), desenvolvimento e plasticidade do sistema nervoso. 

Alessandra Conceição Leite Funchal Camacho é Professora da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense (EEAAC/UFF). Foi Chefe do Departamento de Fundamentos de Enfermagem e Administração – MFE. Docente do Programa Acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde (PACCS) da EEAAC/UFF sendo orientadora do mestrado e doutorado. Membro e Fundadora da Rede UFF envelhecer desde 2021. Implantou a Consulta de Enfermagem ao Cliente Portador de Alzheimer no Centro de Doença de Alzheimer (CDA-UFRJ), chefiando o serviço de enfermagem do presente setor (2001).  Coordena o Projeto de Extensão: Cuidados à Pessoa com Doença de Alzheimer – Blog interativo.

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