O uso da munguba, uma planta nativa do Brasil, na produção de bebida fermentada pode ser inovador no meio do comércio de leite vegetal. A pesquisa, liderada pela professora do Departamento de Bromatologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Josiane Domingues, avança no desenvolvimento de um produto viável e acessível. Com a chegada do Dia Mundial do Veganismo, em 01 de novembro, a pesquisa ganha destaque como uma alternativa nutritiva e sustentável para consumidores veganos. Além de ser uma opção com custo mais acessível, a munguba, por ser uma planta nativa e subexplorada, oferece uma solução mais sustentável em comparação aos leites vegetais já existentes, como a soja e a amêndoa.
A escolha da semente de munguba como base para o desenvolvimento de bebidas fermentadas teve como principal motivação o desejo de explorar plantas pouco utilizadas, mas com significativo potencial alimentício e nutritivo. Luiz Henrique de Oliveira Cruz, biólogo e integrante do grupo de pesquisa em Ciência de Alimentos da UFF, já tinha familiaridade com a munguba por meio de estudos anteriores. “Essa planta possui riqueza em nutrientes e compostos bioativos, o que a torna uma alternativa viável para a produção de alimentos saudáveis. Ademais, a munguba é amplamente encontrada em diversas regiões do Brasil, o que facilita a coleta e a análise. A minha proposta se alinhou à linha de pesquisa da professora Josiane, que se dedica ao reaproveitamento de resíduos agroindustriais. Em parceria, trabalhamos em busca de novas fontes alimentares, de maneira que valorize a biodiversidade brasileira”, relata o pesquisador.
A concentração de compostos bioativos, especialmente os fenólicos, é bastante significativa no extrato de munguba. “Esses compostos têm propriedades antioxidantes, e a presença deles é um ponto positivo em termos de benefícios à saúde. Além disso, o custo de produção é um fator-chave que diferencia a munguba de outras matérias-primas vegetais, como as sementes oleaginosas, que possuem um valor agregado alto. A munguba pode oferecer um produto nutricionalmente adequado com um custo significativamente menor”, explica Domingues.
O extrato de munguba apresenta uma quantidade maior de moléculas orgânicas hidrofóbicas, os lipídios, em comparação com outros leites vegetais, ou seja, fornece maior armazenamento de energia no corpo. Logo, o leite fermentado de munguba mostra potencial para o mercado, tanto em termos nutricionais quanto econômicos. “Por ser uma planta adaptada ao clima e solo brasileiros, pode-se dizer que ela tem vantagens no crescimento e é de fácil cultivo”, afirma Cruz.
A descoberta e os desafios na pesquisa sobre a munguba
Para o desenvolvimento de um extrato hidrossolúvel a partir das sementes da munguba, os pesquisadores enfrentaram desafios ao longo do processo, desde a caracterização química até a criação do leite vegetal. A pesquisa, ainda inicial, teve como um de seus primeiros obstáculos a falta de conhecimento prévio sobre a espécie para fins alimentares.
“Não é um tema muito explorado, com pouca informação disponível na literatura. O trabalho começou com a coleta e análise das sementes, para entender a composição em termos de água, proteínas, gorduras e minerais. Fizemos uma caracterização detalhada dos compostos bioativos com cromatografia líquida de alta eficiência. Além disso, foi realizado um estudo dos ácidos graxos presentes na semente, o que revelou o potencial nutricional da munguba como alimento”, detalha Cruz.
O maior desafio veio com a decisão de transformar o extrato hidrossolúvel da semente em uma bebida fermentada. “Tivemos vários desafios para chegar até a bebida fermentada, porque a composição do leite vegetal é muito diferente do leite animal, especialmente em termos de carboidratos. O processo de fermentação depende da ação de micro-organismos que transformam esses componentes em novos produtos, o que exige a utilização de culturas bacterianas padronizadas, normalmente usadas na produção de iogurtes tradicionais, por exemplo”, comenta o pesquisador.
A equipe conseguiu desenvolver uma bebida fermentada com base em uma cultura de bactérias láticas. “As bactérias se mantiveram estáveis e viáveis no extrato de munguba, mesmo sob refrigeração. Elas não morreram e mantiveram uma concentração adequada. Embora não haja regulamentações específicas para leites vegetais na legislação brasileira, é necessário garantir a segurança para o consumo. Por isso, avaliamos toda a questão microbiológica e os parâmetros físico-químicos, como a acidez, que se manteve estável durante o armazenamento, garantindo a qualidade do produto”, destaca a coordenadora da pesquisa, Josiane Domingues.
O avanço no estudo sobre o uso da munguba na produção de bebidas fermentadas é significativo. “Conseguimos alcançar um nível de conhecimento bem relevante. Temos a produção do extrato, a caracterização, e fizemos experimentos que mostram que é um produto viável de ser produzido. Houve também um estudo de estabilidade do produto, mas ainda não concluímos a parte da caracterização química. O projeto também atua com alunos da graduação de Nutrição da UFF, como a Raissa Nascimento, que trouxe importantes contribuições. Essa troca é importante, pois a pesquisa serve de base para os trabalhos acadêmicos.”
A bebida fermentada tem características sensoriais próximas ao que se encontra em leites fermentados, como o Yakult, mas com algumas diferenças, explica Domingues. “Ela ficou bem fluida, bem líquida, com um sabor neutro, típico de produto fermentado, mas com menos intensidade de acidez. Primeiro, queremos melhorar as características sensoriais da bebida, como a textura. A ideia é adicionar ingredientes como frutas ou fibras, que ajudam a dar mais corpo e sabor, e tornam o produto mais atrativo para o público. O produto já pode ser interessante para consumidores veganos e intolerantes à lactose, que estão acostumados com esse tipo de paladar, mas quem consome produtos de origem animal geralmente espera algo mais próximo em textura e sabor, o que ainda estamos aprimorando.”
Ademais, o foco futuro é explorar o potencial probiótico do leite de munguba, ou seja, observar se as bactérias láticas utilizadas no processo de fermentação conseguem se manter viáveis e benéficas durante o armazenamento. Essas bactérias promovem benefícios à saúde intestinal e no fortalecimento do sistema imunológico. A busca, agora, é verificar a manutenção delas ao longo do tempo, para observar se o leite de munguba pode ser considerado um probiótico funcional.
No dia 27 de outubro, a versão on-line do artigo com resultados da pesquisa intitulado Development of plant-based yogurt from munguba (Pachira aquatica) seeds: stability and predictive growth of lactic acid cultures foi publicada no periódico Food Bioscience. O projeto conta com o apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
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Josiane Roberto Domingues é bacharel em Nutrição pela Universidade Federal Fluminense (2002), mestrado em Nutrição Humana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005) e doutorado em Ciências (Biotecnologia Vegetal) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2010). Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em Ciência de Alimentos, atuando principalmente nos seguintes temas: Biotecnologia de Alimentos, Alimentos Funcionais, Tecnologia de Alimentos, Bioquímica de Alimentos e Análise de Alimentos.
Luiz Henrique de Oliveira Cruz é bacharel em Ciências Biológicas com Habilitação em Biotecnologia (2015-2021) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Mestre em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde (PPG – CAPS) (2022-2023) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente é estudante de doutorado no PPG-CAPS com bolsa CNPq, atuando na linha de pesquisa de desenvolvimento de produtos para saúde. Possui experiência nas áreas de Etnofarmacobotânica e Biotecnologia de Alimentos.
Raíssa Machado Nascimento é estudante de graduação em Nutrição na Universidade Federal Fluminense, UFF. Atua na linha de pesquisa de desenvolvimento de produtos para saúde como bolsista de iniciação científica (PIBIC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Ciência de Alimentos (GPCA), na Faculdade de Farmácia (UFF). Atua como monitora da disciplina de Bromatologia, no departamento de Nutrição e Dietética, da Faculdade de Nutrição (UFF).