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UFF Responde: Sífilis

Boletim do Ministério da Saúde aponta o crescimento da doença, inclusive entre gestantes
Teste para detecção de casos de Sífilis. Foto: G1.

 

Outubro é marcado pela campanha nacional Outubro Verde, que visa combater a sífilis e a sífilis congênita no território brasileiro. Segundo o Boletim Epidemiológico sobre a doença, divulgado pelo Ministério da Saúde, revelou que, entre 2021 e 2022, a taxa de detecção de casos de sífilis cresceu 23%, enquanto a detecção em gestantes aumentou 15%.

O aumento dos casos gera preocupação entre os especialistas. Neste UFF Responde, convidamos a professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (ISC/UFF), Sandra Costa Fonseca, para esclarecer detalhes sobre a doença, meios de prevenção e de tratamento.

O que é Sífilis? Como podemos identificar os sintomas?

Sandra Costa Fonseca: A sífilis é uma infecção sistêmica de evolução crônica, causada pela bactéria Treponema pallidum. A transmissão é predominantemente sexual e em gestantes pode ocorrer a transmissão vertical para o feto (sífilis congênita). Quando não tratada, progride ao longo dos anos por vários estágios clínicos, cada um com sinais e sintomas característicos: sífilis primária, secundária, latente recente e tardia, terciária. Cada estágio possui características próprias:

  • Sífilis primária: caracteriza-se por lesão ulcerosa (ou “cancro duro”), geralmente única e indolor, que ocorre no local de entrada da bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca ou outros locais da pele e mucosas).
  • Sífilis secundária: seis semanas a seis meses após a cicatrização da úlcera inicial. Caracteriza-se principalmente por lesões na pele, podendo ser manchas, ou pápulas e placas (elevações da pele) nas palmas e plantas dos pés. Outro tipo de lesão é o condiloma plano (semelhantes a verrugas, em áreas genitais).
  • Sífilis latente: período em que não se observam sinais ou sintomas, mas a doença continua presente. Pode durar meses ou anos e só os exames laboratoriais permitem o diagnóstico.
  • Sífilis terciária: É comum o acometimento dos sistemas nervoso e cardiovascular, com formas graves da doença.

Todas essas lesões da fase primária e secundária podem desaparecer, mesmo sem tratamento, mas o paciente não está curado, apenas entra em uma fase mais crônica da doença.

Quais ações são recomendadas para prevenir a doença? Quais tratamentos são indicados?

Sandra Costa Fonseca: São indicadas medidas preventivas, como, por exemplo, o uso de preservativos. Além disso, recomenda-se a realização de testes periódicos para infecções sexualmente transmissíveis. Os testes estão amplamente disponíveis através da rede pública de saúde, bem como o principal tratamento, que é o uso de penicilina em doses determinadas de acordo com o estágio da doença.

O que é a Sífilis congênita? Como identificar casos de transmissão vertical?

Sandra Costa Fonseca: Quando a Sífilis é adquirida por uma gestante, chamamos de Sífilis Congênita. As manifestações da doença são as mesmas, mas o grande problema é que a gestante transmite para o seu bebê, então a gente chama de transmissão vertical, da mãe para o bebê.

Primeiro, a gente tem que acompanhar todas as gestantes no pré-natal, são dois exames da grávida obrigatórios que fazemos nas pacientes em geral. A sífilis primária tem uma lesão nos órgãos genitais, mas na mulher, se não fizer um exame especular, pode-se perder a oportunidade de identificar a lesão no colo do útero, então, muitas vezes a gestante na fase primária não tem sintomas além dessa lesão. Obrigatoriamente, durante o pré-natal se realiza um exame de teste rápido e outro chamado VDRL, ambos disponíveis na rede pública, que se complementam. Se qualquer um deles apontar positivo, é considerado que a gestante está contaminada com a Sífilis e precisa de tratamento, feito com penicilina, também disponível para a população. Quando o bebê chega da maternidade, na rede pública, passa por exames e se durante a gestação, a mãe apresentou exames positivos e não fez o tratamento adequado, considera-se que a criança tem sífilis congênita, porque a chance de transmissão é altíssima.

Na maioria dos casos, o bebê pode nascer assintomático e não apresentar sinais da doença nos primeiros dias, em um percentual menor, os sintomas podem ser discretos. Em casos graves, as crianças podem ter alterações hematológicas, anemia, diminuição das plaquetas, aumento do fígado, aumento do baço, lesões de pele, acometimento do sistema nervoso e dos ossos. Essas manifestações são gravíssimas e podem causar sequelas no bebê, então, percebe-se que o quadro clínico pode ser variado, mas o bebê pode ser assintomático, por isso precisamos fazer os exames para detectar a doença.

De acordo com o Boletim Epidemiológico Sífilis 2023, do Ministério da Saúde, no período de 2012 a 2022 houve um aumento na taxa de detecção de sífilis. Por que ocorreu esse aumento anual? O que o governo pode fazer para contê-lo?

Sandra Costa Fonseca: Essa é uma preocupação que temos observado nos últimos dez anos. Nesse boletim, que é publicado anualmente, é revelado que a taxa de sífilis adquirida têm aumentado em todos os anos. Consequentemente, se mais pessoas estão adquirindo sífilis, mais gestantes passam por essa situação e se não tratarem adequadamente, durante o pré-natal, o bebê pode apresentar sífilis congênita, que também vem aumentando nos últimos anos.

Nós colocamos a sífilis adquirida no mesmo bloco de outras infecções sexualmente transmissíveis, então temos que pensar em mecanismos de orientação e prevenção, principalmente nas escolas, e no acesso aos serviços de saúde, porque o jovem dificilmente faz o acompanhamento em unidades de saúde.

Como a desigualdade social e econômica pode aumentar o número de casos da doença? Quais medidas dos serviços de saúde devem ser tomadas em áreas mais pobres para evitar o aumento das infecções?

Sandra Costa Fonseca: No departamento de epidemiologia e bioestatística, temos um grupo de pesquisa sobre desigualdade na saúde da mulher e da criança no estado do Rio. A gente está focando no Rio de Janeiro e, no boletim de 2023, foi revelado que o estado possui as maiores taxas de sífilis adquirida do Brasil, além de sífilis em gestantes também. A doença é ascendente em várias regiões, como São Gonçalo, Niterói e Baixada Fluminense. Quando a gente desdobra os dados, percebemos que geralmente, as pessoas mais acometidas são  mulheres pretas e pardas e com baixa escolaridade. 

Em termos de serviço de saúde, existe uma rede básica com diversos exames disponíveis, agora precisamos capacitar mais profissionais para realizar o tratamento adequado e ampliar o olhar para as populações mais vulneráveis, o serviço de saúde precisa ir aonde o povo está. O grande momento para prevenção de sífilis congênita é durante o pré-natal, se a criança nasce e está contaminada, vai receber o tratamento, mas o serviço não conseguiu prevenir. Para diminuir as infecções sexualmente transmitidas, precisamos de uma grande demanda de conscientização, educação e saúde, além da disponibilização de métodos de saúde. 

Precisamos, durante o pré-natal, alcançar o parceiro dessa gestante, pois, provavelmente, a mulher se contaminou com ele, então eles podem ficar se recontaminando, só que isso é extremamente difícil por conta do estigma imposto pela sociedade patriarcal e machista. Existe uma série de preconceitos que precisam ser vencidos para que a gente consiga melhorar os indicadores relacionados a aspectos sociais, que muitas vezes não dependem da questão de saúde.

Neste mês, como forma de enfatizar a importância do diagnóstico e do tratamento adequado da sífilis, o Setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) do Departamento de Microbiologia e Parasitologia (MIP/UFF), comandado pelo professor Mauro Romero Leal, está realizando uma campanha de esclarecimento público por telefone “TeleSífilis”, com o objetivo de, a partir de ligações, orientar a população sobre a doença, em especial para gestantes. A ação ocorre durante todo o mês de outubro, das 10h às 18h, de segunda-feira a sábado, através do número: (21) 3005-3102.

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Sandra Costa Fonseca é professora associada do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense. Possui graduação em Medicina (UERJ), mestrado em Saúde Coletiva (IMS-UERJ) e doutorado em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Administra disciplinas para a graduação (Curso de Medicina) e orienta discentes de graduação e pós-graduação (Mestrado em Saúde coletiva).

 

Por Kayky Resende
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