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Pesquisa revela mapa da violência contra idosos no Brasil

Estudo da UFF revela que o sexo feminino representou a maior parte dos casos

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu junho como mês da conscientização da violência contra a pessoa idosa, em busca de dar visibilidade à causa. Atentos a esse tema, pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), analisaram as denúncias de violência aos idosos no período de 2020 e 2023. O artigo “Denúncias de violência ao idoso no período de 2020 a 2023 na perspectiva Bioética” revelou que, no ano passado, o total de ocorrências de agressões sofreu um aumento de quase 50 mil casos, quando comparado com o ano anterior.

A pesquisa analisou as denúncias de violência documentadas contra idosos a partir da metodologia baseada nas  diretrizes  do  Strengthening  the  Reporting  of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). A coleta de dados foi realizada no banco de dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, envolvendo o período de 2020 a 2023 e usando informações disponíveis  no  Painel  de  Dados  da  Ouvidoria  Nacional  de  Direitos Humanos.

Foram incluídas notificações de denúncias de casos  suspeitos  ou  confirmados  de  violência  contra  indivíduos  com  idade  igual  ou superior  a  60  anos, sendo excluídas duplicatas notificações  referentes  à  mesma ocorrência. A análise levou em consideração diversas variáveis relacionadas à pessoa idosa que sofreu violência, como faixa etária, região do país, raça/cor, sexo, grau de instrução, faixa de  renda,  a  relação  entre  suspeito  e  vítima,  e  o  contexto  em  que  a  violação  ocorreu, a fim de traçar um perfil dos idosos que foram vítimas de violência.

Perfil dos idosos vítimas de violência

O número total de denúncias notificadas durante o período de 2020 até 2023 chegou a 408.395 mil, representando 21,6% em 2020, 19,8% em 2021, 23,5% em 2022 e 35,1% em 2023. Com 53% dos casos, a região sudeste foi a que apresentou mais registros em todos os anos no período analisado. Em seguida, vem a região nordeste – terceiro maior número de idosos do país, com 19,9% de denúncias..


Tabela 1: Denúncias de violência contra a pessoa idosa por região no país (Brasil), 2020 – 2023. Fonte: Artigo

Outro ponto que revela a associação entre a idade avançada e a vulnerabilidade de idosos é o percentual expressivo de denúncias de violência envolvendo idosos que estão na faixa etária de 80 anos ou mais. Em 2023, o percentual atingiu o seu máximo, ao bater 34% dos casos.
Servindo como uma representação da sociedade, os dados de denúncias notificadas não fogem do recorte de gênero. É notável que as mulheres estão suscetíveis a uma maior vulnerabilidade à violência, condição justificada pela desigualdade de gênero, que é intensificada durante o envelhecimento. No recorte dos três anos, o sexo feminino representou mais de 67% das denúncias notificadas, com um aumento percentual no ano de 2022, equivalendo a quase 70% dos casos registrados.


Tabela 2: Sexo do idoso vítima de violência, Brasil, 2020 – 2023. Fonte: Artigo

Em relação à raça/cor dos idosos vítimas de violência, os dados revelaram que a população branca foi a mais atingida e apresentou um crescimento percentual ao longo dos anos. Além disso, a população parda foi a segunda maior categoria notificada, também mostrando uma tendência de aumento durante o período analisado, com um pico em 2022, onde representou 31,30% dos casos. Outros estudos revelaram que existe uma tendência no comportamento de pardos e negros, que tendem a minimizar casos de violência possivelmente por conta de experiências anteriores semelhantes.

Outro dado importante é a ocorrência de casos de violência entre idosos que possuem diferentes graus de escolaridade e instrução. A falta de informação afeta especialmente os idosos que são analfabetos ou com ensino fundamental incompleto, entre as categorias, essas duas são as que apresentam maior percentual de ocorrência entre os idosos. Apesar destas informações serem importantes para delimitar o perfil dos idosos que sofrem de violência, o número de casos não declarados foi expressivo, atingindo seu pico em 2023 com 73,16%.

No artigo, a Prof.ª Dr.ª Alessandra Camacho da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da UFF, uma das responsáveis pelo artigo, em parceria com a Prof.ª Dr.ª Célia Caldas da Faculdade de Enfermagem da UERJ, falou sobre a relação entre os níveis de escolaridade, renda e casos de violência “… apesar de ser notável que a falta de informação entre idosos, de baixa escolaridade e renda, aumenta a vulnerabilidade e causa uma maior ocorrência de violência contra esses idosos, é crucial entender também que um nível elevado de escolaridade e renda não funciona como fator protetivo. Muitas vezes, idosos com  alto  grau  de  instrução  e  renda  favorável  podem evitar buscar apoio através da denúncia”, afirmou a pesquisadora.

Familiares são os suspeitos mais comuns

Além de entender o perfil dos idosos que sofrem de violência, é essencial saber o cenário em que essas pessoas estão inseridas. A análise sobre o agente suspeito de violência em casos envolvendo idosos vítimas expôs que os filhos são maioria dos suspeitos em casos declarados. Nos anos analisados, eles representaram 47,78%  em  2020,  47,07% em  2021,  50,25%  em  2022  e  56,29%  em  2023.


Tabela 3: Relação suspeito e idoso vítima de violência, Brasil, 2020 – 2023. Fonte: Artigo

Em relação ao contexto das  violações  contra  idosos  vítimas  de  violência, a maior parte das denúncias e violações relatadas ocorreram na casa onde reside a vítima e o suspeito, seguido da casa da própria vítima.

Tabela 4: Cenário da violação do idoso vítima de violência, Brasil, 2020 – 2023. Fonte: Artigo

As análises levam a uma interpretação conjunta que revelam a conexão direta entre as violações ocorridas em ambiente doméstico e as agressões cometidas por familiares, especialmente filhos. Outro ponto identificado na pesquisa foi o aumento de casos durante a pandemia de Covid-19.

Ações da sociedade são essenciais para evitar novos casos

A bioética é um ramo de estudo interdisciplinar que aborda sobre os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, analisando a partir de questões de dimensões morais e éticas. A ideia é encontrar um equilíbrio entre tecnologia, ciência e o respeito à vida. A Prof.ª Dr.ª Alessandra Camacho falou sobre a utilização da bioética na análise de denúncias de casos de violência contra idosos. “No nosso caso em direção ao idoso em especial, a perspectiva da bioética entra através dos seus principais princípios, que são os princípios da justiça e da autonomia. No sentido de promover o princípio da justiça voltado para educação social, prioridade e visibilidade dos direitos desses idosos. Na questão da autonomia, há uma preocupação em promover uma educação permanente para a população, os profissionais de saúde, familiares e a sociedade, para que os direitos dos idosos sejam valorizados”, afirmou a professora


Figura: Estratégias de ação ao idoso vítima de violência nos Princípios da Bioética. Fonte: Artigo “Bioética na violência contra o idoso: análise das informações”

A Profª Dr.ª Alessandra Camacho afirmou que para ajudar no acolhimento de idosos vítimas de violência, o governo deve tomar medidas para “capacitar os profissionais de saúde, capacitar profissionais de outras áreas que fazem um acolhimento e capacitar as delegacias que recebem a denúncia e fazem o boletim de ocorrência. No Rio de Janeiro existem delegacias específicas de atenção ao idoso, então deveriam aumentar o quantitativo dessas delegacias em que estão profissionais, delegados e policiais qualificados para fazer a recepção”, afirmou a Prof.ª Alessandra.

Em outro artigo de autoria da professora, chamado “Bioética na violência contra o idoso: análise das informações”, a pesquisa aprofunda sobre medidas que devem ser tomadas para trazer mais visibilidade aos direitos dos idosos e, assim, prevenir a ocorrência de casos de violência a essas pessoas. Entre essas medidas, a implementação de estratégias para reduzir os danos sofridos por pessoas idosas vítimas de violência é essencial e também deve envolver apoio às famílias

A partir da perspectiva da Bioética, o artigo trabalha estratégias para cada um dos aspectos desse ramo de pensamento, que envolvem educação social, prioridade e visibilidade de direitos, rede de apoio à família do idoso, educação permanente de profissionais, prevenção da dependência e acessibilidade. A professora Alessandra afirma que “com estratégias para garantir estes princípios bioéticos, a sociedade e o governo podem avançar para reduzir o número de casos de violência contra idosos e conscientizar a população sobre os direitos destes indivíduos”.

Atualmente, existem várias formas de denunciar casos de violência contra idosos, utilizando o Disque Direitos Humanos – Disque 100, fazendo a denúncia em delegacias preparadas especialmente para atender os idosos e no Ministério Público, que também faz esse acolhimento. Segundo Prof.ª Dr.ª Alessandra Camacho, o aumento significativo no número de casos de violência contra idosos em 2023 “não representa um aumento na ocorrência desses casos, mas sim nas denúncias, o que representa algo importantíssimo, já que conscientizar os idosos a denunciar essas situações é parte fundamental do trabalho de educação e conscientização da sociedade em relação a esse assunto”.

Recentemente, a Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da UFF lançou, em parceria com a Faculdade de Enfermagem da UERJ, uma cartilha informativa e educativa sobre violência contra idosos, trazendo a legislação brasileira que aborda sobre o assunto, dados importantes e os tipos de violência contra os idosos que são praticados (atividade articulada entre o Núcleo de Estudos de Saúde do Adulto e do Idoso em Tecnologias Educacionais – NESAITed da EEAAC-UFF e o Grupo de Pesquisa de Enfermagem na Saúde do Idoso – GEPESI – FEUERJ). A cartilha pode ser acessada através do link: Portal eduCapes – Cartilha Informativa sobre violência contra o idoso: cuidar de nossos idosos é cuidar de nossa história

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Alessandra Conceição Leite Funchal Camacho é professora Associada III da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense (EEAAC/UFF). Docente do Programa Acadêmico em Ciências do Cuidado em Saúde (PACCS) da EEAAC/UFF sendo orientadora do mestrado e doutorado. É graduada em Enfermagem pela Universidade Federal Fluminense (1998) e Mestra em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001). Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ (2010). Líder do Núcleo de Estudos de Saúde do Adulto e do Idoso em Tecnologias Educacionais (NESAITed).

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