Dispositivos sendo utilizados em laboratório na UFF. Foto: Arquivo pessoal.
Com o objetivo de avaliar as capacidades dos TV Box em aplicações de Inteligência Artificial (IA) realizadas de forma descentralizada, um projeto do Laboratório de Ensino e Pesquisa de Redes de Nova Geração da Universidade Federal Fluminense (LabGen/UFF) realizou o treinamento dos aparelhos, doados pela Receita Federal, através da técnica de Aprendizado Federado. Além disso, os dispositivos podem ser transformados em minicomputadores para permitir o acesso à internet dos estudantes ou utilizados como parte da Internet das Coisas (IoT).
O Aprendizado Federado é uma configuração de aprendizagem de máquina em que vários dispositivos treinam um modelo de forma colaborativa com a ajuda de um servidor central sem compartilhamento de dados. Segundo o doutorando da UFF e integrante do LabGen, Guilherme Nunes Nasseh Barbosa, no modelo tradicional, a aprendizagem é realizada em apenas um computador, enquanto na técnica de Aprendizado Federado, o processo é compartilhado.
“Existe um modelo tradicional, no qual o treinamento é realizado em um computador e as informações do treino são enviadas por um servidor central, a partir disso, os modelos de aprendizado de máquinas são treinados com as informações do computador. No Aprendizado Federado, é criada uma federação e cada computador contribui com uma parte do processamento, ao invés de realizar o processo em apenas uma máquina”.
De acordo com um levantamento da empresa de privacidade e segurança digital SurfShark, o Brasil é o país com mais vazamento de dados no mundo, com 10% da população brasileira prejudicada pelo crime apenas em 2021. Ainda neste ano, o país registrou um megavazamento de dados de 223 milhões de cidadãos, considerado um dos maiores da história. O Aprendizado Federado pode servir como uma alternativa protetiva aos computadores envolvidos no treinamento, já que não há compartilhamento de dados entre os dispositivos presentes na federação.
“A técnica garante a privacidade, porque os dados do treinamento ficam guardados nos computadores e não se misturam com nenhum outro dispositivo. Então, cada computador contribui com uma parcela do processamento, treinando o mesmo modelo, mas com dados distintos e distribuídos entre cada aparelho envolvido, impossibilitando a mistura de informações”, explica o pesquisador.
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em conjunto com a Receita Federal, realiza apreensões de aparelhos TV Box importados de forma irregular, que em muitas situações, são adulterados para realizar a pirataria de canais pagos, filmes e outros conteúdos restritos. Através do projeto Receita Cidadã, os equipamentos, em vez de serem destruídos, são descaracterizados para a transformação e posterior uso social. Na UFF, a parceria foi realizada pela Escola de Engenharia.
Aparelhos TV Box recebidos pela pesquisa. Foto: Arquivo pessoal.
Segundo o professor do Departamento de Engenharia de Telecomunicações da UFF, Diogo Menezes Ferrazani Mattos, o projeto fortalece a pesquisa e o ensino prático em diferentes níveis.
“Antes do projeto da receita, recebemos 20 aparelhos de diversos modelos diferentes e vimos que esses dispositivos tinham características completamente diferentes do que vem escrito na embalagem. Cada um deles tinha um método diferente para o processo de retirada do software presente e a instalação de um que tornasse possível efetivar o reaproveitamento. Fazer a conversão do sistema para Linux não é uma tarefa simples. Então, resolvemos utilizar esse processo de mudança em aulas para alunos da graduação e pós-graduação. Através da técnica que estamos ensinando, eles podem exercer suas habilidades em atividades práticas”, pontua o docente.
Internet das coisas
A Internet das Coisas (IoT) é uma tecnologia que permite conectar dispositivos do cotidiano à Internet e computadores. O docente explica que os aparelhos trabalhados podem ser usados em diferentes funções através da IoT. “A internet das coisas vem do conceito de todos os dispositivos terem acesso à internet, portanto, é possível um interruptor estar conectado e controlar a luz de um ambiente remotamente. No nosso caso, as aplicações relacionadas à IoT, com o TV Box, podem monitorar a temperatura de um ambiente, a quantidade de pessoas no local e vigiar o ambiente por meio de uma câmera. Tudo isso utilizando um computador pequeno que pode ser transportado facilmente.”
Em 2021, o número de dispositivos conectados chegou a 12,2 bilhões, de acordo com dados da IoT Analytics, e a pesquisa projetou que esse número deve crescer até 27 bilhões de dispositivos no ano de 2025. Segundo um estudo do McKinsey Global Institute, presente no Relatório do Plano de Ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), essa área da tecnologia terá um impacto na economia mundial de 4% a 11% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025.
Integração dos dispositivos na Internet das Coisas. Foto: Na Prática.
Projeto de extensão pode converter mais aparelhos
Dos 20 dispositivos recebidos pelo LabGen/UFF, metade está funcionando em aplicações de IA e a outra metade está sendo utilizada como computadores pessoais e displays, por exemplo. Por conta disso, a pesquisa está em negociações para obter mais aparelhos através do programa Receita Cidadã. Atualmente, 10 aparelhos já passaram pelo processo de conversão do sistema.
Além do benefício de transformar os dispositivos para realizarem outra função social, de acordo com Diogo, a conversão reduz a quantidade de lixo eletrônico produzido. “Se os aparelhos não fossem convertidos, seriam destruídos, aumentando a quantidade de lixo eletrônico. Assim, a conversão reduz a geração desse lixo e permite o uso de aparelhos com uma baixa pegada de carbono em aplicações de IA e no acesso à internet”.
Segundo Mattos, a ideia é transformar a iniciativa em um projeto de extensão para os alunos. “Temos o objetivo de fazer uma disciplina para ensinar os alunos do curso de Engenharia de Telecomunicações sobre como realizar a conversão desses aparelhos. Depois cederemos esses computadores para uso pessoal e para ações de aprendizagem de máquina. Então, o próximo passo do projeto vai além da pesquisa, mas também pensar em atividades que possam seguir dando utilidade para os TV Box conseguidos em parceria com a Receita Federal”.
_____
Guilherme Nunes Nasseh Barbosa é doutorando em Engenharia de Telecomunicações pelo Programa de Pós Graduação em Engenharia Elétrica e Telecomunicações (PPGEET) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui mestrado neste programa e graduação em Engenharia de Telecomunicações pela UFF.
Diogo Menezes Ferrazani Mattos é professor adjunto no Departamento de Engenharia de Telecomunicações na Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui doutorado e mestrado em Engenharia Elétrica pelo Programa de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduou-se no curso de Engenharia de Computação e Informação na UFRJ.