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Pesquisadores da UFF participam de projeto de âmbito mundial sobre Acesso à Justiça

Evento de lançamento será realizado dia 8 de novembro no Auditório da Defensoria Pública do Rio de Janeiro

Justiça, do latim justitia, quer dizer “direito, equidade, administração da lei”. E o que é a justiça se não um dos pilares da sociedade? Justamente por isso, o professor da UFF e defensor público Cleber Francisco Alves, desde suas pesquisas de doutorado, busca compreender como se dá o acesso à justiça, levando em consideração que sua experiência na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro contribuiu para formar um panorama mais amplo sobre o assunto, especialmente no que se refere às pessoas dos estratos sociais inferiorizados na sociedade.

Foto de Cleber Francisco

Cleber ressalta que uma verdadeira democracia possui suas bases fundamentais fortemente fincadas no Estado de Direito, e que pode acabar se tornando uma ilusão se a justiça não se revela acessível para todos. “Como o reconhecimento formal de direitos pelo ordenamento jurídico não implica automaticamente sua efetivação prática, aqueles que se veem impedidos de acessar o sistema de justiça sofrem com o risco de terem seus direitos ignorados ou violados. Por essa razão, o acesso à justiça constitui um dos direitos cívicos mais básicos de um regime democrático que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos”.

Segundo estimativa da Comissão das Nações Unidas sobre o Empoderamento Legal dos Pobres (United Nations Commission on Legal Empowerment of the Poor), mais da metade da população mundial está fora da proteção efetiva da lei. Em números atuais, isso significa que cerca de 3,8 bilhões de pessoas se encontram impedidas de reivindicar seus direitos mais básicos através do sistema de justiça.

Fundamentado nessa perspectiva, nasceu o projeto “Global Access to Justice”, coordenado pelos professores: Cleber Alves e o doutorando em Sociologia e Direito Diogo Esteves – ambos da UFF -, Alan Paterson (Universidade de Strathclyde – Reino Unido), Bryant Garth (Universidade da Califórnia – EUA), e Earl Johnson Jr (Universidade do Sul da Califórnia – EUA). O trabalho pretende identificar soluções práticas que otimizem a destinação dos recursos públicos e viabilizem a implementação de mudanças efetivas no atual cenário global de exclusão e marginalização dos membros mais vulneráveis da sociedade.

Foto de Diogo EstevesDiogo Esteves explica que as tradicionais soluções para a problemática do acesso à justiça normalmente dependem de elevados investimentos orçamentários, fator que acaba se tornando uma barreira intransponível em períodos de austeridade. “Além disso, como existem múltiplos caminhos a serem seguidos, muitas vezes a escassez de informações acaba gerando a adoção de escolhas políticas equivocadas, que redundam em desperdício dos recursos públicos e resultados práticos insatisfatórios”.

Com foco nessa realidade, segundo o professor Cleber Alves, o estudo abre perspectivas amplas para uma visão atualizada dos desafios e horizontes no cenário mundial contemporâneo sobre o problema do acesso à justiça. A partir dele será possível compreender melhor as dificuldades atuais enfrentadas pelas pessoas em situação social de vulnerabilidade, cujos direitos muitas vezes são desprezados. Também pretende-se identificar as experiências de superação dos obstáculos para que se alcance o efetivo acesso a uma ordem jurídica justa, que é o anseio de todos. “Essa ideia se desenvolve no mesmo caminho de trabalhos predecessores na área, com algumas peculiaridades em razão não só do contexto atual, como da amplitude mundial almejada”, completa.

Anteriormente, em 2005, ao defender sua tese de doutorado intitulada “A estruturação dos serviços de Assistência Jurídica nos Estados Unidos, na França e no Brasil e sua contribuição para garantir a igualdade de todos no Acesso à Justiça”, Cleber passou a trilhar um caminho que se cruzou com indagações cada vez mais amplas no segmento do Direito. Enquanto desenvolvia o estudo, aprofundou-se no “Projeto Florença”. A obra vanguardista e marco teórico dos estudos sobre acesso à justiça buscava compreender esse fenômeno, em especial para os mais necessitados, em meados dos anos 60 e 70 do século passado, sobretudo nos países mais desenvolvidos do Ocidente.

“Era um cenário em que o mundo ainda estava dividido ideologicamente entre os países que se alinhavam ao modelo socialista-comunista ou ao modelo capitalista, sendo que a via do “Estado do Bem-Estar Social” era vista como uma alternativa para avançar em termos de igualdade social, preservados os postulados do regime das democracias liberais capitalistas. Assim, a questão da garantia da igualdade e efetividade no acesso à Justiça passou a receber grande atenção e suscitar vivo interesse nos meios acadêmicos e políticos naquele período histórico”, descreve o professor.

Segundo Cleber Alves, o “Projeto Florença”, composto por seis livros, foi lançado originalmente na língua inglesa e influenciou legisladores do mundo todo. No Brasil, a parte inicial de um deles foi traduzida para o português e publicada em 1988, sob o título “Acesso à Justiça”. “A obra tornou-se um verdadeiro “best seller” e, desde então, é leitura indispensável na formação da maioria dos juristas em nosso país”, declara.

Quarenta anos depois, abordando a mesma temática, o “Global Access to Justice” surge com a intenção de aprofundar e ampliar as pesquisas nessa área, agora envolvendo países de todos os continentes. “Esse estudo, de fato, pretende ir bem além do Projeto Florença. Todos nós temos muito o que aprender com ele. É o momento preciso para ver o que está acontecendo hoje a respeito dos problemas de acesso à justiça no mundo”, declara Bryant Garth, um dos coordenadores gerais da pesquisa.

Diogo Esteves complementa destacando que o projeto abrange equipes de especialistas de diferentes nacionalidades, disciplinas, profissões e culturas. Profissionais de direito dos setores público e privado, diretores de instituições de assistência jurídica, funcionários públicos de elevado escalão e formuladores de políticas públicas, participam representando cerca de 100 nações de todos os continentes. “Para todos nós que desejamos um futuro mais justo e sonhamos com um mundo onde o acesso igualitário à justiça seja uma realidade global, o projeto constitui uma fonte de inspiração e estímulo para que finalmente possamos ser a mudança que desejamos ver no mundo”, enfatiza.

Foto com o mapa mundi

Em função da amplitude da pesquisa, Cleber Alves informa que, além da designação dos coordenadores gerais, também são definidos coordenadores divididos em nove regiões do planeta: América do Sul e Central, América do Norte, África Central e Meridional, Oriente Médio e África Setentrional, Europa Central e Ocidental, Países Nórdicos, Europa Oriental e Ásia Central, Ásia do Pacífico e Oceania. “Paralelamente, os coordenadores elaboram um questionário padrão, enviado a pesquisadores de diversas partes do mundo, para que indiquem o mais detalhadamente possível todas as questões que consideramos relevantes a serem explicitadas nos relatórios nacionais. Atualmente, o projeto se encontra na fase de elaboração desses documentos”.

Imagem do cartaz do eventoAlém da estrutura principal, o “Global Access to Justice” conta também com um grupo de coordenadores temáticos, que exerce a função de analisar os relatórios nacionais e produzir pareceres mundiais sobre diferentes aspectos, como por exemplo as relações entre novas tecnologias e o acesso à justiça; a dimensão sociológica do acesso (ou inacesso) à justiça; as iniciativas contemporâneas que asseguraram adequada representação na defesa dos interesses difusos e coletivos, entre outros.

Cleber Alves esclarece ainda que a aspiração do projeto é formar um farto documento escrito que consistirá nos relatórios nacionais referentes aos países participantes, nos relatórios regionais, temáticos e no relatório final. “Além de deixar todo esse material disponível para consulta dos interessados em formato digital na página eletrônica do projeto, existe a intenção de que seja lançada uma coleção de livros, inicialmente em inglês, português e espanhol. Temos a pretensão também de publicar em outros idiomas, como o japonês, francês, italiano, enfim, difundir o máximo possível, facilitando o acesso ao conteúdo das informações dos relatórios”, completa.

Serviço: O evento de lançamento do “Global Access to Justice” no Brasil acontecerá dia 08 de novembro, das 09:30h às 12h, no Auditório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

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