A fome é um problema crescente no país, com destaque para o período da pandemia da Covid-19. Naquele momento, se reduziu ainda mais a “segurança alimentar”, que ocorre quando todas as pessoas têm acesso permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente. É o que apontam os relatórios de pesquisa “Olhe para fome”, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN), cujos dados também demonstram que mais da metade da população brasileira está nessa situação, nos mais variados níveis: leve, moderado ou grave. A insegurança alimentar grave afeta 15,5% das pessoas – ou seja, 33,5 milhões de brasileiros estão passando fome.
Nesse contexto, como uma das atividades da pesquisa coordenada pela professora Ana Lúcia Pires Augusto do Departamento de Nutrição e Dietética da Universidade Federal Fluminense, que objetiva investigar os desfechos neonatais e gestacionais da insegurança alimentar, foi conduzida uma Revisão Sistemática da Literatura, um dos estudos de mais elevada evidência científica, de título: “Household food insecurity associated with gestational and neonatal outcomes”, com investigação nas principais bases de busca bibliográfica internacionais. Como resultado dessa Revisão Sistemática, a professora e os demais autores (Aléxia Rodrigues, Talita Domingos e Rosana Salles-Costa) observaram que situações ligadas ao estresse e à saúde mental se associaram à insegurança alimentar em gestantes, “o que pode interferir no crescimento e desenvolvimento fetal. Também foram observadas associações com defeitos congênitos, mortalidade neonatal e introdução precoce de leite animal na dieta infantil”, informa a docente. Como conclusão, é indicada a necessidade de garantir a saúde mental das gestantes que vivem nessa situação e de observar os fatores sociais que podem levar a esse quadro, já que a própria gravidez e o parto podem levar a problemas biológicos e a vulnerabilidades psicossociais.
Ainda nas palavras da professora, “decidimos olhar este assunto justamente por ser uma condição absolutamente inaceitável e que fere o direito humano à alimentação adequada e saudável. É inadmissível que qualquer pessoa acorde pela manhã sem saber se terá acesso a alguma refeição e esse cenário se agrava profundamente quando envolve menores de idade, já em situação de vulnerabilidade nutricional. Considerando que a mulher, na maioria das vezes, é a provedora do alimento no lar, mesmo quando não é a responsável pelos recursos financeiros da família, ao adquirir, preparar e distribuir o alimento dentro da família, quando sofre os impactos da insegurança alimentar, seus filhos também são impactados”. Ademais, a docente explicou que os objetivos do estudo consistem em colaborar com o conhecimento para que se criem e implementem políticas que atuem efetivamente na vida dessas pessoas. “A maior aplicabilidade é dar visibilidade a esse cenário para criação de políticas públicas que aumentem a rede de apoio dessas mulheres e evitem crianças desnutridas e outros agravos no desenvolvimento infantil”, afirma.
Vale destacar que o estudo da professora sobre a insegurança alimentar no domicílio das gestantes e seus filhos se mostra ainda mais relevante quando o relacionamos a outro dado dos Inquéritos nacionais da Rede PENSSAN: mulheres são as mais impactadas pela fome, visto que seis em cada dez lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar. Além disso, outro estudo analítico conduzido pela docente com gestantes em situação de vulnerabilidade biológica e social atendidas na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro apresentou resultados parciais relevantes que ainda estão em processo de submissão à publicação em periódico científico. “Verificamos que, para os recém-nascidos, a insegurança alimentar impactou principalmente na amamentação. Analisando esse cenário, demonstramos que mulheres que experienciam essa inaceitável condição possuem 15 vezes menos chance de amamentarem seus filhos ao nascimento”, finalizou.