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Pesquisa da UFF propõe roteiros histórico-culturais para recuperar memórias da ditadura

“Lugares de memórias” busca percorrer ex-centros clandestinos de tortura abertos para a visitação do público.

O aniversário de 59 anos do evento que mudou para sempre a história do país recoloca em pauta a urgência de revisitar o regime ditatorial instaurado com o golpe de 1964 e de relembrar as duras memórias dos milhares de brasileiros mortos, torturados e silenciados durante o período. De acordo com a professora do Instituto de História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (Labhoi), Samantha Quadrat, “o 31 de março é o que chamamos de uma data convocante porque nos chama à reflexão. Está nos meios de comunicação, nas disputas pelas memórias do período. Memória, verdade e justiça devem fazer parte desse horizonte de expectativa democrática. Devemos sempre estar à frente da sua valorização e da defesa dos seus valores, assim como na defesa dos direitos humanos”, explica.

“Lugares de memórias” é o nome do projeto que a professora desenvolve em torno da temática, que busca, entre outras ações, percorrer ex-centros clandestinos de tortura, recuperados e abertos para a visitação do público, entendendo as histórias contadas no lugar e pensando uma atuação junto aos jovens e estudantes da educação básica que frequentam o espaço. O projeto é apoiado pela bolsa de produtividade do CNPq e parte das reflexões pode ser acompanhada pela conta do Instagram @lugaresdememoria_.

A professora disponibiliza roteiros que podem ser percorridos na cidade do Rio de Janeiro, em que são recontadas memórias do período a partir de alguns de seus marcos simbólicos. Um exemplo é o roteiro envolvendo o movimento estudantil secundarista através da vida e assassinato do estudante Édson Luís. A professora destaca que o trajeto, elaborado por ela, articula movimento secundarista, resistência e repressão a partir da história do estudante. “Se tudo der certo, nesse ano de 2023 abriremos inscrições para colégios e universidades que queiram levar alunos para fazer o percurso”, comemora.

Um dos pontos de visita no roteiro é o lugar onde, em 1968, funcionava a antiga Assembleia do Estado da Guanabara, e que atualmente é a Câmara do Rio. Em 28 de março de 1968, após ser assassinado durante a invasão ao restaurante Calabouço, o corpo de Édson Luís foi conduzido para essa casa do poder estadual. “Ali, diante dos olhos vigilantes dos estudantes que temiam o que a ditadura poderia fazer com o corpo do secundarista, foi feita a autópsia e o velório. Aos poucos, milhares de pessoas foram chegando para prestar homenagem e protestar contra a ditadura. Infelizmente, esse episódio não é lembrado na visitação guiada que é realizada no local”, enfatiza.

Samantha Quadrat sinaliza que ainda não existe na cidade um museu sobre a ditadura, assim como um ex-centro de repressão aberto para visitação. No entanto, nas ruas cariocas podem ser encontradas muitas homenagens aos mortos, desaparecidos políticos e nomes importantes na luta contra a ditadura. “Foi assim, por exemplo, que me deparei com uma ‘praça’ em homenagem ao Eduardo Seabra Fagundes, na rua Primeiro de Março. Ele foi presidente do Conselho Federal da OAB. Em 27 de agosto de 1980, uma carta-bomba foi destinada para ele em seu escritório na OAB. Mas a explosão do artefato matou Lydia Monteiro, sua secretária”.

De acordo com a professora, revistar o 31 de março se faz necessário de muitas maneiras. “Ainda existem perguntas sem respostas. Onde estão os desaparecidos políticos? Quem mandou matá-los? Quem matou? Ainda não tivemos nenhum tipo de justiça aos graves crimes de violações dos direitos humanos. Famílias esperam por respostas. Há um direito humano permanentemente desrespeitado que é o de velar e enterrar nossos mortos. Uma ditadura atinge toda uma sociedade. Na ditadura, por exemplo, trabalhadores perderam direitos, não tivemos acesso a uma série de produtos culturais pela censura. Professores foram perseguidos, inclusive dentro da Universidade. Ensinar democracia e ditadura é fomentar uma reflexão sobre que tipo de país queremos”, explica.

Através da pesquisa e do desenvolvimento de projetos dessa natureza, a Universidade, segundo a professora, tem sido fundamental no esclarecimento de muitos casos: “Pesquisas foram usadas pelas diversas comissões da verdade (instituídas pelo governo do país para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988), assim como em processos judiciais dentro e fora do Brasil, na batalha pela abertura de arquivos. Somos consultores de filmes e documentários, chamados para matérias de jornais. Criamos acervos de história oral como o que temos em nosso laboratório. Formamos os futuros professores da educação básica e seguimos na formação continuada. Acredito que na pesquisa e no ensino dos temas sensíveis, como a ditadura e a própria história da escravidão, a universidade pública ocupa um papel relevante e é cada vez mais parceira dos movimentos sociais”, finaliza.

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