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Respirando mais leve: uma busca pela melhoria nos tratamentos contra a tuberculose

Pesquisa da UFF estuda a ação do selênio no combate à tuberculose

Descoberta em 1882 pelo bacteriologista alemão Robert Koch, a tuberculose (TB) é uma doença infectocontagiosa provocada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, também chamada de bacilo de Koch. Considerada uma das enfermidades mais antigas do mundo, é conhecida por afetar majoritariamente os pulmões, mas pode acometer também outros órgãos e sistemas, principalmente em casos de pessoas portadoras do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). De acordo com o Ministério da Saúde, a TB é responsável por mais de um milhão de mortes por ano em todo o mundo, enquanto o Brasil teve 4,5 mil óbitos.

Com o desafio de auxiliar no tratamento contra a tuberculose, o Laboratório SupraSelen, do Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenado pela professora Vanessa do Nascimento, desenvolveu o projeto Organocalcogênios e Pilar[N]Arenos: inovação unindo Química Verde e Medicinal no desenvolvimento de Ativos Tecnológicos, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Coordenado pela professora Vanessa do Nascimento, o estudo segue os princípios da química sustentável, e é dividido em duas frentes. A primeira consiste em entender como as macromoléculas se comportam e se são capazes de promover determinada reação química desejada; a segunda é voltada para a química medicinal, diretamente ligada à melhoria nos tratamentos contra a TB.

Segundo a professora, a ideia da primeira frente do projeto é imitar as enzimas presentes no organismo — o grande desafio dos químicos —, pois elas são catalisadores biológicos responsáveis pela realização de diversas reações com eficiência e especificidade. Algumas têm o potencial de fazer a reações de alquilação, que são transferências de partes de uma molécula para outra, podendo ser muito úteis em diversos setores e com possibilidade de aplicação em diferentes frentes de interesse industrial.

“Essa reação de alquilação ocorre em água, e o catalisador pode ser recuperado e utilizado diversas vezes. A inspiração desses catalisadores vêm das enzimas, e elas possuem o chamado sítio ativo, local onde ocorrem as reações e que possui a presença de diversos tipos de moléculas e interações. No caso da pesquisa, foram utilizados os Pilar[n]Arenos, macromoléculas capazes de criar um ambiente parecido com o sítio ativo, fazendo com que seja possível a ocorrência de reações em seu interior”, relata Vanessa.

Além disso, a pesquisadora observa que, no organismo, existe também uma enzima que transfere grupamentos metila, e possui enxofre em seu sítio ativo. Portanto, o intuito do estudo é, também, utilizar derivados de calcogênios — elementos da tabela periódica que pertencem à família 16, a mesma do enxofre —, sendo eles o selênio e o telúrio, para realizar esse tipo de reação. “Nessa frente, os resultados foram excelentes e muito promissores; agora estamos praticamente em fase de submissão do artigo científico.”, afirma.

O maior desafio enfrentado no combate à tuberculose, segundo a professora, é a falta de interesse e investimento das indústrias em desenvolver novos fármacos, já que grande parte da população acometida pela doença é a de baixa renda. Por conta dessa negligência, muitos pacientes acabam parando com o longo tratamento antes do previsto, levando ao desenvolvimento de novas cepas mais fortes e resistentes. Em decorrência disso, o principal medicamento utilizado, a isoniazida (INH), além de gerar efeitos colaterais pesados, principalmente para o fígado, não possui mais a mesma eficácia contra a TB, pois as cepas mais recentes criaram resistência.

Professora Vanessa do Nascimento trabalhando no laboratório / Foto: Acervo pessoal

Os estudos mostram que a causa da resistência e dos efeitos colaterais pode ser consequência de uma reação de acetilação, responsável pela inativação do medicamento, pois acrescenta um grupo acetila (CH3CO) à molécula, fazendo com que sua função seja bloqueada. Logo, “se a molécula sofre essa acetilação precocemente no organismo, que é uma reação muito comum, ela perde a função. Por isso é necessário ingerir mais remédio, o que faz com que demore mais tempo para matar a bactéria e ela crie mais resistência, além de gerar ainda mais efeitos colaterais”, explica a professora.

O objetivo do sistema pensado para tratar a tuberculose é a inserção do fármaco nas macromoléculas de Pilar[n]Arenos, que vão agir como cápsulas que ajudarão o medicamento a chegar ao local de ação sem sofrer inativação. “Além dessa entrega controlada do fármaco, queremos “decorar” ele com moléculas contendo selênio, um micronutriente essencial à vida, porque elas já demonstraram que são ativas contra a tuberculose. Então, na verdade, a ideia é somar a atividade da isoniazida com a ação do selênio na molécula. Essa é a próxima etapa do projeto a ser realizada, pois a sociedade precisa do desenvolvimento de um fármaco deste tipo, principalmente se considerarmos que a tuberculose acomete, sobretudo, a população de baixa renda”, finaliza.

O grupo SupraSelen possui um histórico na atuação contra a tuberculose. Parte desta pesquisa, realizada em conjunto, realizada em conjunto com outros professores e alunos, ganhou destaque internacional ao receber o prêmio PeerJ Award, no 8º Workshop da Rede Científica Internacional Selênio Enxofre e Catálise Redox (WSeS-8), em junho de 2019, na Itália.

Vanessa do Nascimento é professora adjunta do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde lidera o grupo de pesquisa que fundou: o SupraSelen (@labsupraselen). Graduada em Química Industrial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), é também Mestre e Doutora em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com período sanduíche financiado pelo PDSE/Capes, na UNIPG, Itália. Tem experiência na área de Química, com ênfase em Síntese Orgânica.

Para entender mais da pesquisa, assista ao vídeo:

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