Notícia

Moléculas naturais abrem portas para tratamentos menos agressivos de câncer

Transformação do selênio e das naftoquinonas em compostos bioativos podem revolucionar o tratamento oncológico

A combinação de compostos de origem natural, potencializa a eficácia antitumoral e reduz os efeitos colaterais, tornando o tratamento de câncer mais efetivo e com menos efeitos colaterais, indica a pesquisa conduzida pela professora do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal Fluminense (UFF), Vanessa Nascimento. 

O estudo aproveita a capacidade de substâncias como as naftoquinonas – encontrada em plantas e fungos – e o selênio, micronutriente usado para o fortalecimento do sistema imunológico. A combinação desses compostos naturais ataca as células tumorais com menos impacto em células saudáveis, o que pode ser devido ao uso de substâncias já conhecidas e metabolizadas pelo corpo, o que pode diminuir a toxicidade do tratamento. 

“As propriedades anticancerígenas começaram a ser investigadas com mais intensidade, especialmente em casos onde há resistência aos tratamentos convencionais. Muitas das naftoquinonas já são reconhecidas por sua atividade antitumoral, mas nossa abordagem ao combiná-las com o selênio para este tipo de câncer em específico, foi inédita”, destaca Nascimento.

A principal técnica utilizada pelos pesquisadores é a hibridação molecular – combinação de diferentes compostos ativos em uma única estrutura molecular -, criando uma nova molécula que mantém as propriedades benéficas de seus componentes e pode, potencialmente, aprimorar a eficácia. “Essa técnica é muito explorada no desenvolvimento de compostos multialvo, ou seja, que possam atacar células cancerígenas em vários pontos do processo celular. Além disso, através da nossa abordagem conseguimos uma maior precisão no combate ao câncer, pois foi possível direcionar a molécula para as células doentes, minimizando os danos às células saudáveis”, explica a professora.

Reprodução: Arquivo do Laboratório

Desafios e resultados 

Os testes in vitro (em laboratório) realizados até o momento indicaram que as moléculas bioativas desenvolvidas têm um desempenho promissor, comparável e, em alguns casos, superior aos fármacos tradicionais, como a carboplatina. “Estamos otimistas com os primeiros resultados, pois as moléculas com calcogênios, especialmente o telúrio, mostraram seletividade importante ao atacar apenas as células cancerígenas e preservarem as saudáveis. Essa seletividade é fundamental, pois reduz os efeitos colaterais adversos no tratamento e aumenta a qualidade de vida dos pacientes em tratamento”, comenta a docente.

A fase de testes in vivo (em organismos vivos) está em execução, o que representa um avanço significativo no processo de desenvolvimento dessas moléculas como potenciais tratamentos anticancerígenos. Ademais, para ampliar o impacto da pesquisa e avançar nos testes de novas moléculas, a equipe da professora Vanessa firmou uma parceria com pesquisadores do Instituto de Saúde de Nova Friburgo (ISNF/UFF), referência em estudos sobre câncer, além das parcerias já firmadas no Instituto de Química da UFF. Os testes são voltados especialmente para o câncer de boca, um tipo da doença com menos visibilidade e que não possui um fármaco específico para seu tratamento. 

“A carboplatina é comumente usada para tratar esse tipo de câncer, mas ela não foi desenvolvida especificamente para ele. É um tratamento generalista, que acaba sendo utilizado pela falta de opções mais específicas”, explica a coordenadora da pesquisa.

A escolha pelo câncer de boca se justifica também pelo aumento dos casos devido ao uso de cigarros eletrônicos, segundo estudos recentes. “Os estudos vêm mostrando que há uma associação clara entre o uso desses dispositivos e a expectativa do aumento na incidência de câncer de boca”, complementa Nascimento.

Embora promissor, o processo de desenvolvimento de novos medicamentos enfrenta desafios no Brasil, especialmente devido à limitação de recursos financeiros para pesquisa científica. “Nossa equipe encontra dificuldades para obter os compostos em quantidades suficientes para realizar os testes anticancerígenos necessários. Então, para contornar a falta de financiamento, temos de produzir os compostos em escalas mínimas, o que limita o número de experimentos possíveis”, relata a pesquisadora. Além disso, o número de bolsas de pesquisa cada vez mais escassas dificultam o andamento das pesquisas por falta de pesquisadores. 

 

Reprodução: Arquivo do Laboratório

A revolução por trás do uso de compostos naturais

Uma das abordagens principais dessa pesquisa é o uso de compostos naturais e nutrientes essenciais, como o selênio, que oferecem benefícios específicos em comparação aos tratamentos convencionais. “A nossa ideia ao utilizar esses compostos é aproveitar o fato de que eles já estão presentes no organismo e são biologicamente amigáveis. Por exemplo, o selênio por ser um elemento essencial à vida, é metabolizado de forma mais natural pelo corpo, tendendo a ser menos tóxico quando utilizado no tratamento”, explica a pesquisadora.

Segundo Nascimento, isso pode encurtar o prazo no desenvolvimento de novos medicamentos. “Quando partimos de substâncias que já são conhecidas pelo organismo, esperamos que o fármaco final tenha menos efeitos colaterais, o que é crucial em tratamentos contra o câncer, onde os pacientes muitas vezes enfrentam diversos efeitos adversos. Outro ponto de destaque é o potencial multialvo do selênio e sua combinação com naftoquinonas, pois o elemento tem propriedades antioxidantes e ajuda a neutralizar espécies reativas de oxigênio, responsáveis por estresse oxidativo e outras doenças, como as neurodegenerativas”.

O olhar para o futuro dos tratamentos anticancerígenos

A longo prazo, o projeto visa expandir o uso das naftoquinonas e do selênio na oncologia, a fim de incentivar a exploração dessas substâncias com origem natural para tratamentos de saúde. Para isso, os pesquisadores pretendem aperfeiçoar a síntese dos compostos e tornar o processo mais sustentável e acessível.

“Acreditamos que esse estudo pode abrir caminho para tratamentos mais seguros e eficazes, que usem o poder da natureza como base. Ademais, a pesquisa que está em andamento no Laboratório SupraSelen visa obter esses ativos através de metodologias que agridam menos o meio ambiente. Dessa forma, pretendemos contribuir para um futuro onde os tratamentos anticancerígenos estejam disponíveis para um público mais amplo, com menos custos e mais sustentáveis”, finaliza a docente. 

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Vanessa do Nascimento é Formada em Química Industrial pela Universidade Federal de Santa Maria (2009). Mestre (2011) e Doutora em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina, com período sanduíche financiado pelo PDSE/Capes, na UNIPG, Itália (2015). Realizou seu estágio pós-doutoral também na UFSC. Desde 2016, é Professora Adjunta do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal Fluminense onde lidera o grupo de pesquisa que fundou: o SupraSelen (Laboratório SupraSelen). Tem experiência na área de Química, com ênfase em Síntese Orgânica. Seu campo de atuação abrange principalmente a síntese de compostos funcionalizados com organocalcogênios para aplicação em testes biológicos. Atua, também, na síntese e aplicações de compostos envolvendo a Química Supramolecular. Recebeu o Prêmio PeerJ Award em 2019 e, nesse mesmo ano, tornou-se Jovem Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ. A partir de 2020 tornou-se membro dos Jovens Pesquisadores da Sociedade Brasileira de Química (secretária Gestão 2022-2024) e do Latin American Network of Young Scientists working in Chemistry (LANYSC). Em 2021, ingressou no Núcleo Mulheres SBQ (comissão de mídias) e no International Younger Chemists Network (Public Outreach Committee). Em 2022, recebeu o Prêmio Jovem Cientista Fluminense da Sociedade Brasileira de Química – Regional do Rio de Janeiro. ACS Community Associate desde 2023.

 

Por Lívia Galvão
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