Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior taxa de transtornos de ansiedade no mundo e o quinto em casos de depressão. Essa realidade também está presente no ambiente universitário, demandando mobilizações efetivas das instituições de ensino superior no auxílio aos seus estudantes.
De acordo com o professor de neuropsiquiatria infantil da UFF, Stephan Oliveira, fatores como a cobrança, a competitividade, as relações interpessoais, a dificuldade de conciliar vida acadêmica e social, a ameaça do desemprego e do fracasso profissional e a distância da família podem desencadear transtornos ligados à saúde mental, não sendo raros os casos de alunos que apresentam queda no rendimento ou até abandonam o curso.
Para auxiliar na questão, é importante que as instituições de ensino superior compreendam melhor as demandas dos estudantes, como explica o professor do Departamento Materno-Infantil da Faculdade de Medicina e doutor em saúde mental, Jairo Werner. “Observamos no contato com os estudantes que muitos apresentam queixas ligadas a ansiedade e depressão e nem sempre procuram auxílio, alguns, inclusive, optam pelo uso de medicamentos. É necessário que a universidade amplie o trabalho preventivo, de orientação e apoio a esses alunos”, alerta.
Segundo o vice-reitor, Antonio Claudio da Nóbrega, é fundamental um olhar focado na direção de uma saúde integral dos estudantes. “Trabalhamos para gerar um ambiente que promova o bem estar, o sentimento de pertencimento e a autonomia dos estudantes. Desta forma, fortalecemos os vínculos institucionais e criamos condições para uma formação integral, promovendo a saúde mental. Nesse contexto, é importante que cada docente considere seus alunos como pessoas em formação com demandas, sonhos e frustrações”, ressalta.
Na UFF de Niterói, a Divisão de Atenção à Saúde do Estudante (Dase) – que realizou aproximadamente mil atendimentos em 2016 – oferece serviço de escuta terapêutica com psicólogos, além de projetos que visam à promoção da saúde, como oficinas, tratamentos de auriculoterapia e técnicas de meditação. “Aqui nós buscamos acolher os alunos e oferecer ferramentas para que eles possam administrar seu próprio sofrimento”, explica a psicóloga diretora do Dase, Nathalia Lacerda.
Nos campi da UFF em Volta Redonda e Campos dos Goytacazes, os estudantes também encontram auxílio psicológico. O Departamento de Psicologia e o Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) de Campos, em parceria com a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes), vem desenvolvendo um projeto intitulado “Cuca Legal: educação e saúde” , que tem exatamente o objetivo de promover um espaço para acolhimento e discussão sobre as principais dificuldades emocionais apresentadas pelos alunos, especialmente em seu processo de adaptação à nova condição universitária. “É possível perceber que os estudantes de um modo geral, e os fora da sede em especial, enfrentam um período de “luto” pelo afastamento de casa, da família e dos amigos. Associado à nova vivência estudantil, com as cobranças inerentes a um curso de graduação, alguns deles desenvolvem quadros de maior ansiedade ou depressão”, avalia a coordenadora de estágio do SPA de Campos, Andrea Soutto.
Segundo dados da secretaria do SPA de Volta Redonda, lá são recebidos alunos das mais diversas áreas: Física, Química, Matemática, Engenharia, Direito, Administração e Ciências Contábeis. O atendimento é feito por estagiários de Psicologia, sob a orientação de professores do curso.
Em atenção a essa questão, o curso de Medicina da UFF criou em 2015 o programa Nossos Futuros Médicos, que desde então oferece atendimento médico-psicológico com foco na saúde mental e no cuidado integral com o aluno. O projeto foi criado devido às demandas dos estudantes com transtornos que poderiam vir a impedi-los de continuar o curso. “Nós entendemos que a faculdade deveria oferecer um trabalho preventivo, de orientação e apoio. Dessa forma, desenvolvemos esse projeto voltado para a saúde mental e o próprio cuidado com o universitário”, explica um dos coordenadores, Jairo Werner.
Na opinião de Antonio Claudio da Nóbrega, as competências acadêmicas devem ser aplicadas também no cumprimento da responsabilidade social junto à própria comunidade da UFF, como no caso do projeto Nossos Futuros Médicos. “Os docentes da área de saúde exercem tradicionalmente suas atividades formando profissionais, mas também atendendo a população como ações de extensão e pesquisa. Portanto, iniciativas que promovam saúde podem e devem ser multiplicadas não só para fora, mas também para dentro dos muros da universidade”, conclui.
Abaixo, os professores Jairo Werner e Stephan Oliveira, coordenadores do projeto, dão mais detalhes sobre o programa:
Como funciona o Nossos Futuros Médicos?
Jairo – O projeto é dividido em três níveis. O primeiro é mais geral, formado por oficinas, vídeos, palestras, com temas ligados às necessidades que identificamos entre os alunos, com conteúdo voltado para ansiedade, sexualidade, para a questão de cuidado do corpo e até espiritualidade. Temos um segundo nível voltado para um grupo mais específico, daqueles que buscam se aprofundar nos temas apresentados. Para isso, organizamos o “Clube da Mente”, que no início era uma série de palestras e que agora se transformou em grupos reflexivos e atividades, como oficinas e ações ligadas à comunidade. O terceiro nível é oferecido especificamente para os estudantes que apresentam algum tipo de transtorno. Eles são avaliados pela nossa equipe, principalmente pelos professores psiquiatras e encaminhados para o tratamento. É o ponto mais individual e também sigiloso, que são as consultas.
Por que o programa é voltado especificamente para os estudantes de medicina?
Stephan – Além desse ideal de cuidar de quem vai cuidar dos outros e das demandas que recebemos, algumas pesquisas mostram dados preocupantes. Por exemplo, um estudo realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu mostrou uma prevalência dos transtornos mentais comuns, como depressão, ansiedade, sintomas somatoformes, queixas corporais, ligados a aspectos emocionais – com uma amostra extremamente significativa de 500 alunos – com uma prevalência de 44,7% entre os estudantes de medicina. Enquanto na Universidade Federal do Espírito Santo uma pesquisa com o mesmo enfoque registrou uma prevalência de 37% de casos de transtornos mentais entre os estudantes do curso.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% dos suicídios poderiam ser evitados. É possível identificar um comportamento prévio nesses casos?
Jairo – Normalmente essas pessoas pedem ajuda de alguma forma. Elas podem ligar sem muito assunto, meio perdidas, podem comentar algo sobre o suicídio como um pensamento recorrente e podem até se isolar. Então, o que é indicado é que quando esses comportamentos são identificados, seja oferecido um lugar de apoio para essa pessoa, sem preconceito nem julgamentos, entendendo que esses transtornos não são sinal de fraqueza, mas de luta. É importante fazer com que a pessoa se sinta valorizada nesse momento.
E, concluindo, em sua opinião, qual a importância das iniciativas de conscientização e prevenção do suicídio, como a campanha “Setembro Amarelo” (http://www.setembroamarelo.org.br/) que ocorre no Brasil desde 2015?
Jairo – Com essas campanhas, é possível conscientizar a sociedade a respeito das diferentes causas, de como auxiliar e até identificar esses transtornos psicológicos que têm graves consequências, como o suicídio, por exemplo. Então eu acredito que essas ações são importantes porque alertam para a existência desses casos, ampliando e aprofundando o conhecimento a respeito do assunto.
Serviços de apoio psicológico aos estudantes da UFF:
Nossos Futuros Médicos
E-mail: nossosfuturosmedicos@gmail.com
Local: Geal/Mequinho – UFF, Av. Jansen de Melo, 174, Centro, Niterói.
Telefone: (21) 36747437
Divisão de Atenção à Saúde do Estudante (Dase)
E-mail: saudedoestudante@proaes.uff.br
Local: Rua Miguel de Frias, 09 Fundos – Icaraí – Niterói
Telefone: (21) 2629-5320
Departamento de Psicologia de Campos
E-mail: pucg@vm.uff.br
Local: Rua José do Patrocínio, 71 Centro – Campos dos Goytacazes – RJ
Telefone: (22) 2722-0622
Departamento de Psicologia de Volta Redonda
E-mail: uff.ichs.psicologia.91@gmail.com
Local: Rua Desembargador Ellis Hermydio Figueira, 783 Aterrado – Volta Redonda – RJ
Telefone: (24) 3076-8739