Notícia

UFF Responde: Hidrogênio Verde

O que esperar do futuro energético com a sanção da Política de Hidrogênio Verde
Imagem: Shutterstock

 

Este mês, a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, chamado de Hidrogênio Verde, foi sancionada pela presidência da República, acompanhada de um discurso em prol das potencialidades do Brasil para a transição energética e o combate às mudanças climáticas. Produzido através da eletrólise da água, uma reação química que decompõe os componentes da substância e é gerada por fontes de energia renováveis, como eólica ou solar, o hidrogênio de baixo carbono também pode ser obtido a partir de biomassa de rejeitos e hidroeletricidade. 

Para ser classificado como “verde”, é fundamental que todo o ciclo, desde a produção até o transporte, utilize apenas fontes de energia limpa, evitando o uso de combustíveis fósseis. Com isso, o hidrogênio limpo se destaca por sua baixa emissão de carbono e a alta versatilidade. No entanto, o alto custo de produção e as dificuldades de armazenamento têm sido os maiores desafios para a adesão mundial de seu uso.

Neste UFF responde, o professor do Departamento Química, Maurício Melo, e o professor do Departamento de Economia, Luciano Losekann, ambos da Universidade Federal Fluminense (UFF), abordam as implicações da nova legislação sobre o hidrogênio verde, explorando a produção e o mercado do combustível sustentável no Brasil. 

O que é hidrogênio verde e para o que ele serve?

Maurício Melo: O hidrogênio verde é produzido a partir de fontes totalmente limpas e renováveis, ou seja, sua obtenção não envolve o uso de fontes de energia de origem fóssil. Sua produção e utilização são consideradas caminhos viáveis para o estabelecimento de uma matriz energética mundial neutra em carbono.

Nesse processo, ele se contrapõe ao hidrogênio cinza – obtido a partir de combustíveis fósseis e sua produção envolve a emissão de dióxido de carbono – e ao hidrogênio azul, que também é obtido a partir de fontes fósseis, porém, o dióxido de carbono emitido durante a produção é capturado, consumido ou estocado através de tecnologias conhecidas como CCS (do inglês carbon capture and storage), tecnologías que capturam dióxido de carbono (CO2) das emissões industriais e o armazenam em locais subterrâneos para evitar que seja liberado na atmosfera evitando sua liberação para o meio ambiente. 

O hidrogênio verde pode ser empregado como combustível para automóveis movidos por células a combustível, em sistemas de aquecimento e como reagente para a produção industrial de substâncias de interesse, como amônia e metanol, por exemplo. 

Como o hidrogênio verde é obtido e quais os desafios de sua produção? 

Maurício Melo: No cenário atual, as vias totalmente renováveis para a produção de componentes individuais precisam ser otimizadas. Essas vias são bastante promissoras por empregarem células eletrolíticas para promover a redução do átomo de hidrogênio da molécula de água (ou próton) para a formação do gás hidrogênio no cátodo, que é uma célula eletroquímica onde ocorre a redução, (ou fotocátodo, um tipo de cátodo que emite elétrons quando exposto à luz), desse sistema. O hidrogênio produzido a partir de biomassa também é considerado verde, porém é necessário que haja um controle na liberação de dióxido de carbono neste processo através de tecnologias como CCS, por exemplo. 

No âmbito científico, os desafios da produção do hidrogênio verde estão centrados principalmente nos custos, eficiências e estabilidades dos sistemas empregados. Mais especificamente, esses sistemas devem ser adequadamente selecionados para que se adequem aos eletrodos utilizados, no que diz respeito à composição, concentração e pH, para evitar reações secundárias e corrosão desses componentes, comprometendo a estabilidade e eficiência dos sistemas. 

Com relação aos eletrodos, ainda são necessários estudos que identifiquem e desenvolvam materiais eficientes e robustos, visando à redução de custos do processo. Na atualidade, os materiais que apresentam maiores eficiências são metais nobres, como Platina (Pt), Paládio (Pd) e Irídio (Ir), mas, devido aos seus altos preços, há uma busca em substituí-los por metais de transição, como Cobalto (Co), Molibdênio (Mo) e Níquel (Ni), e seus materiais derivados. Outros componentes das células eletrolíticas e fotocatalíticas, como as membranas de troca catiônica, também são focos de pesquisa que buscam melhorias de suas performances. 

No caso do hidrogênio obtido por eletrólise, para que ele seja considerado verde, a energia elétrica utilizada deve vir de fontes renováveis, como solar, hidrelétrica ou eólica, e nesse ponto, há a necessidade de maiores investimentos nas tecnologias envolvidas nesses processos de conversões de energia e também nas infraestruturas que permitam as implementações e utilização da energia elétrica produzida a partir dessas rotas renováveis. 

Quais os benefícios do uso do hidrogênio verde? O investimento é compensatório? 

Maurício Melo: No que diz respeito à geração de energia, o único produto gerado pela combustão do hidrogênio verde é água, diferentemente dos combustíveis fósseis que liberam poluentes à base de carbono, como o dióxido de carbono, que intensifica o efeito estufa, responsável pelo aumento da temperatura média do planeta. Além disso, ele é obtido através de fontes totalmente renováveis, diferentemente de combustíveis fósseis, o que garante o suprimento da demanda energética da sociedade por períodos mais longos. De um modo geral, além do hidrogênio verde ser limpo, não-poluente e renovável, ele também é versátil, estocável e, além de possuir uma grande densidade energética. Dessa forma, considero, sim, que um alto custo inicial para a implementação de uma nova matriz energética que inclua o hidrogênio verde seja extremamente benéfica para a humanidade como um todo.

O que os países podem fazer para diminuir os custos de produção e torná-lo acessível? 

Maurício  Melo: No âmbito político, são necessários maiores investimentos em pesquisa para otimizar as células eletrolíticas e fotocatalíticas para a produção de hidrogênio e, consequentemente, melhorar suas performances principalmente buscando a substituição de materiais onerosos por materiais e sistemas mais baratos, sem que haja perda nos rendimentos de produção do hidrogênio verde. 

Além disso, deve-se investir em novas infraestruturas para que sistemas de conversão de energia solar e eólica sejam difundidos para maiores regiões do globo, o que tornaria esse produto mais acessível e garantiria a sua utilização com menores custos para a população, comércio e indústria.

Luciano Losekann: Como é uma tecnologia nova, está em uma fase que ainda não tem custos competitivos. Então ainda depende de incentivos para adoção e esperamos que haja uma aposta global e que, em algum momento, esse subsídio, esse incentivo inicial, ele se traduza, criando maior competitividade no futuro, mas hoje a gente não verifica o hidrogênio como sendo competitivo frente a outras alternativas. 

Para diminuir os custos de produção, os países podem utilizar políticas comuns de tratamento específico da cadeia produtiva e isenção tributária. Mas deve haver, principalmente, um esforço de pesquisa e desenvolvimento. Conceder fundos é interessante para que essa tecnologia se desenvolva e no futuro se torne mais competitiva. Alguns países já estão fazendo isso, por exemplo os Estados Unidos, com investimento em hardware, e a Europa que construiu uma série de fundos para fomentar o desenvolvimento tecnológico em hidrogênio verde.

O Brasil possui um grande potencial em ser um dos maiores produtores e exportadores de hidrogênio verde. Por que?

Maurício  Melo: Isso é uma realidade, o Brasil tem total possibilidade de despontar como um líder na produção e exportação de hidrogênio verde, comparado com diversos outros países industrializados. No que tange à produção de energia renovável como a solar e eólica, o nosso país tem uma posição geográfica favorável, que permite a incidência da radiação solar com maiores intensidades durante maiores períodos do ano, quando comparado com outros países de climas não tropicais, nos quais a intermitência da incidência solar é mais constante. Além disso, em algumas regiões costeiras do país, já existem infraestruturas que justificam a evolução de sistemas de conversão de energia eólica.

Luciano Losekann: A grande vantagem brasileira para o desenvolvimento de projetos de hidrogênio verde é a produção renovável, pois já tem as fontes usuais, a hidrelétrica, a eólica e as solares, que seriam as fontes que dariam sustentação para a produção de hidrogênio verde. Então o Brasil tem um potencial eólico muito favorável, efetivamente no nordeste brasileiro, e o solar também, visto que o Brasil está entre os países com insolação mais favorável para a produção de eletricidade solar. Por essas razões o Brasil se coloca como um país de vantagem competitiva no desenvolvimento de hidrogênio Verde.

Qual o cenário atual (nacional e internacional) do mercado do hidrogênio verde? Em que etapa o Brasil e o mundo se encontram? 

Maurício Melo: No cenário mundial é nítida a preocupação na diminuição da dependência de fontes fósseis de energia e o interesse no emprego do hidrogênio verde como alternativa. Reino Unido, França, Alemanha, entre outros países, já incorporaram uma meta de matriz energética neutra em carbono em suas legislações. Aliás, nesses países já existe uma ampla cobertura de meios de transporte público totalmente movidos a hidrogênio. Japão e Coréia do Sul também já estão adotando estratégias para alcançarem esse objetivo. Nesses casos, as estratégias adotadas por esses países envolvem o emprego de hidrogênio verde em transportes públicos e de longo alcance, sistemas de aquecimento e matéria-prima para a indústria. A China também já se comprometeu em cessar o aumento da emissão de dióxido de carbono até 2030 e alcançar uma matriz energética neutra em carbono até 2060. No caso do Brasil, as autoridades vêm considerando a utilização do hidrogênio verde há algum tempo. Na atualidade, a maioria definitiva do hidrogênio utilizado é o hidrogênio cinza, devido a questões de custo, entretanto, o emprego de hidrogênio verde vem sendo considerado e o objetivo é que até 2050, o Brasil produza hidrogênio verde a um preço altamente competitivo no cenário mundial.

Como é possível expandir os mercados interno e externo de hidrogênio verde e sua adesão mundial? 

Maurício Melo: Eu acredito que o caminho é o investimento na infraestrutura do país que suporte o uso do hidrogênio verde, no que diz respeito à difusão de sistemas de captação e conversão de energia solar e, principalmente, à mudança da infraestrutura de transporte, estoque e distribuição de combustíveis fósseis para que o contemple. Em um mundo com uma infraestrutura energética baseada no hidrogênio verde, os meios de sua produção e utilização ficam mais acessíveis do ponto de vista prático e econômico. 

Luciano Losekann: Pensando no caso brasileiro, existe uma oportunidade de definição de política industrial relacionada ao hidrogênio verde, num limite que pode dar competitividade para uma cadeia industrial mais densa a partir dessa vantagem. Podemos desenvolver, por exemplo, uma cadeia de produtos de alto valor agregado, que vai utilizar o hidrogênio verde,  internalizando as etapas de produção, que se apresentam num passo global com a necessidade de descarbonização. O hidrogênio verde pode ser aplicado para a siderúrgica obter um selo de aço verde, por exemplo. Com isso, a produção do aço verde  seria totalmente nacional, o que contribuiria para não limitar a atuação do Brasil somente à produção e exportação de energia renovável para o mercado global.

O Nordeste se destaca na atração de recursos para produção do hidrogênio verde. Qual o potencial da região para ser um ponto de referência nesse campo? 

Maurício Melo: Com toda certeza, a região Nordeste do país tem um potencial inigualável para se tornar referência na produção de hidrogênio verde devido à sua posição geográfica que permite que fontes de energia renovável, como a solar e eólica, sejam aproveitadas na sua totalidade. Além disso, essa região tem potencial para se tornar um ponto de partida de implementação de uma nova infraestrutura que engloba a utilização do hidrogênio verde no setor industrial, no transporte e em outras áreas que demandam energia, tornando-se um embrião de um novo sistema com uma matriz energética neutra em emissão de carbono que pode se estender para o resto do país e do mundo. Para isso, claro, iniciativas de investimento têm que existir em conjunto com uma massiva conscientização de que fontes de energia poluentes e não-renováveis têm que ser eliminadas o quanto antes. 

Luciano Losekann: O Nordeste tem várias vantagens, principalmente a de produção de energia renovável. A produção de energia eólica, por exemplo, tem os ventos mais atrativos no Brasil. Na insolação, a região também se destaca, tendo muita vantagem para a produção de energia solar. Além disso, tem uma questão de logística. O Complexo do Pecém, por exemplo, entra numa localização que facilita a exportação para países europeus e até para os Estados Unidos. Então, o hidrogênio verde possibilita a reestruturação da indústria.

Qual o panorama geral sobre a Política Nacional do Hidrogênio, sancionada este mês? 

Maurício Melo: Eu considero a recente aprovação da Política Nacional do Hidrogênio Verde como um início importante e imprescindível para a regulamentação e posterior consolidação do hidrogênio verde como combustível e insumo para a indústria no Brasil. Apesar de ainda considerar alto o limite de emissão de CO² indicado pela lei para que o hidrogênio produzido seja classificado como verde, esse tipo de regulamentação é extremamente necessário para que haja a tão desejada transição da matriz energética brasileira para uma configuração mais sustentável. Pontos muito positivos são abordados nesta resolução, como previsão de investimentos em infraestruturas e pesquisa, além de incentivos fiscais para a adoção dessa nova política.

_____

Luciano Dias Losekann é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996) e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003). É professor Associado IV do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense. É diretor da Editora Universitária Eduff. É coordenador do Grupo de Energia e Regulação da UFF. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia da Energia, atuando principalmente nos seguintes temas: setor elétrico, regulação, energia, reforma e economia industrial.)

Maurício Alves de Mello Júnior é professor Adjunto do Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduado em Química pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e mestre em Química Inorgânica pela UNICAMP. Completou o Doutorado em Química Inorgânica pela UNICAMP com uma etapa realizada na Laurentian University (Canadá), atuando na área de Química de Materiais. Entre 2015 e 2018 realizou pós-doutorado na University of California, Davis (UCD), Estados Unidos, focado nas sínteses, modificações e estudos das propriedades fotoquímicas de semicondutores nanoestruturados aplicados na geração de hidrogênio a partir da quebra fotocatalítica da molécula de água, sob ação da luz solar. Entre 2018 e 2020, fez um pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), focado no desenvolvimento de fotocatalisadores à base de ferro para a geração fotoeletroquímica de hidrogênio a partir da quebra fotocatalítica da água, sob financiamento do Center for Innovation on New Energies (CINE) da Shell.

 

Por Lívia Galvão
Pular para o conteúdo