Passados cerca de três meses após o início da quarentena no Brasil, a pandemia de COVID-19 ainda está longe de acabar. Com a necessidade crescente de encontrar formas alternativas de assegurar o próprio ofício, alguns profissionais têm se deparado com desafios inéditos impostos pelo que vem se convencionando chamar de “novo normal”.
No caso dos profissionais de odontologia, por exemplo, que, pela natureza do trabalho, acabam por estarem mais expostos à contaminação, estudos têm sido elaborados pensando formas eficazes para sua proteção. Esse é o caso da pesquisa liderada pela cirurgiã-dentista e professora titular de Periodontia da UFF Eliane dos Santos Barboza, com a participação de dois outros professores e de três alunos de pós-graduação, que investiga a capacidade de proteção dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) de TNT para os dentistas.
Segundo a mestranda em Clínica Odontológica pela UFF, Caroline Montez dos Santos, participante da pesquisa, esse estudo faz-se urgente também pela identificação da prática odontológica como uma das que oferece maior risco de contágio ao profissional: “De acordo com um gráfico publicado no ‘The New York Times’, os dentistas foram considerados os profissionais com maior risco de contaminação nessa pandemia, devido ao contato constante com aerossol e pela proximidade com o paciente durante o atendimento, que não pode usar máscara. Sempre soube desse risco, mas nunca havia percebido o quão grande era para nós, dentistas”, sublinha.
A pandemia por COVID-19, mais uma vez, coloca a importância da instituição pública e dos recursos financeiros para a pesquisa na pauta”, Eliane dos Santos Barboza.
De acordo com a pesquisadora Eliane, a motivação para o estudo partiu da constatação de que o Brasil é o país com o maior número de profissionais de saúde contaminados pela COVID-19 do mundo e onde, além disso, o uso de EPIs inadequados para o ambiente de trabalho passou a se tornar rotina. Essa realidade somada ao fato de a transmissão do coronavírus se dar via contato, gotículas e aerossóis advindos dos procedimentos odontológicos, acabavam por tornar os dentistas extremamente expostos à infecção por COVID-19.
“Com limitações de seguir a distância mínima recomendada de um metro do paciente e com equipamentos que aerolisam a saliva e o sangue durante o atendimento clínico, principalmente pelo uso de canetas de alta rotação e aparelhos de ultrassom, melhores estratégias para evitar a exposição ao vírus da COVID-19 se fazem necessárias. Até porque os profissionais compram os jalecos descartáveis, um dos itens de EPI, sem saber se funcionam como barreiras para o aerossol, muitas vezes só embasados na gramatura do ‘tecido não tecido’, o chamado TNT, material utilizado para a sua confecção. E uma das formas de contágio é o aerossol”, explica Eliane.
A capacidade protetora do TNT é justamente o foco da pesquisa, que procurou avaliar se os procedimentos gerados por aerossóis advindos da caneta odontológica de alta rotação têm o potencial de passar por três diferentes gramaturas do material: o de 40g/m2, o de 60g/m2 e o de 80g/m2. Com os experimentos, verificou-se que os grupos do material, sejam eles simples ou dobrados, apresentam performances distintas entre si, concluindo-se que nenhuma das amostras de uma camada foram eficazes como barreira por cinco minutos ininterruptos de aerossol.
A pesquisadora destaca a importância de os profissionais de saúde bucal estarem cientes da especificação exata e do desempenho dos tecidos utilizados na fabricação de suas roupas descartáveis: “o uso de EPI de gramatura de 60g/m2 simples ou dobrado, ou 80g/m2 simples pode passar uma falsa sensação de proteção contra microrganismos e aerossóis. Se o uso de um EPI impermeável não for possível durante os procedimentos de geração de aerossóis, uma roupa de plástico associada a um EPI descartável deve ser usada, conforme recomendado pela Organização Mundial de Saúde”, enfatiza.
O estudo, apesar de recente, já foi concluído e também submetido ao “Frontier Dental Medicine”, um jornal da área que irá possibilitar muitos acessos ao trabalho, por ser gratuito. O objetivo, segundo Eliane, é a divulgação dos resultados, principalmente em locais que profissionais ainda compram os jalecos descartáveis baseados na gramatura do material de EPI.
Para o pós-doutorando em Clínica Odontológica na UFF, Vinicius Ferreira, um dos integrantes do estudo, a agilidade de todo o processo só foi possível porque a equipe seguiu produzindo de forma colaborativa. “Sem a participação de todos, não teríamos conseguido realizar a pesquisa em tão pouco tempo, o tempo que a pandemia demandou, e que só a união de uma equipe tão qualificada e focada permitiu. Principalmente, se considerarmos os cortes de verbas que nossas universidades têm sofrido”, explica.
Na opinião da professora Eliane, essa propagação do conhecimento é o destino natural de tudo o que é elaborado nas universidades públicas, onde se abrigam os maiores pesquisadores do país. “Só a educação que multiplica saberes gera mentes livres para elaborar projetos de pesquisa que nutrem a ciência e que dá respostas às demandas da humanidade. A pandemia por COVID-19, mais uma vez, coloca a importância da instituição pública e dos recursos financeiros para a pesquisa na pauta”, finaliza.