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Notícia

UFF Responde – La Niña e El Niño

Entenda a relação desses eventos atmosféricos com as altas temperaturas e os impactos no Brasil

Enquanto o Brasil enfrenta a terceira onda de calor apenas em 2025, de acordo com a previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a atenção se volta para os fenômenos climáticos La Niña e El Niño, que desempenham papéis cruciais nas mudanças do clima global. A La Niña, caracterizada pelo resfriamento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, atuou nos últimos meses, mas já dá sinais de enfraquecimento. Seu oposto, o El Niño, que aquece essas águas, começa a ganhar força, trazendo consigo impactos climáticos que se somam ao aquecimento global e ao aumento recorde das temperaturas.

Dados do observatório climático Copernicus, da União Europeia, revelaram que janeiro de 2025 foi o mês mais quente já registrado na história, mesmo durante a atuação da La Niña. Especialistas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) destacam que a transição entre esses fenômenos, aliada ao aquecimento global, exacerba a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos. Para entender melhor essa dinâmica e seus efeitos no Brasil, conversamos com o meteorologista e professor do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense (UFF), Márcio Cataldi.

A National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) divulgou em janeiro que o planeta ainda está sob o efeito do fenômeno climático La Niña. O que caracteriza o fenômeno La Niña? Quais os principais impactos da La Niña no Brasil nos próximos meses?

O Fenômeno La Niña é caracterizado pelo resfriamento anômalo das águas do oceano Pacífico Equatorial, em conjunto com a intensificação de ventos estáveis e úmidos que sucedem nas zonas subtropicais em baixas altitudes, conhecidos como ventos alísios, na região.

A NOAA utiliza uma metodologia baseada em índices que empregam médias móveis, o que pode resultar em uma classificação defasada em relação à influência real do fenômeno no clima global. De acordo com abordagens mais modernas, tanto o El Niño quanto a La Niña exercem maior influência durante sua fase de intensificação. No caso da La Niña, esse período já ocorreu, de modo que seus efeitos foram mais evidentes entre novembro e janeiro.

Durante esse período, observamos um aumento das chuvas nas regiões Norte e Nordeste, enquanto o Sul enfrentou uma redução nos volumes de precipitação. Além disso, houve uma diminuição na ocorrência de bloqueios atmosféricos nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, favorecendo o aumento da frequência e intensidade da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), o que também resultou em maior incidência de chuvas nessas regiões. Outro efeito característico da La Niña é a redução da temperatura média na maior parte do país.

Quais são os possíveis reflexos do enfraquecimento da La Niña para o Brasil?

Desde o início de fevereiro, já observamos sinais do enfraquecimento da La Niña, resultando no aquecimento das águas do Pacífico Equatorial. Esse processo leva a impactos mais característicos do El Niño. Entre os efeitos já percebidos, destaca-se o aumento das temperaturas na maior parte do país e o crescimento da frequência de bloqueios atmosféricos nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e parte do Nordeste, com consequente redução das chuvas nessas áreas. Além disso, espera-se um aumento na precipitação na região Sul nos próximos meses.

Como a previsão climática, seja para a La Niña ou El Niño, pode ser utilizada para orientar políticas públicas de prevenção a desastres?

O Brasil deveria investir mais em previsões sazonais para antecipar fenômenos como o La Niña e reduzir a dependência de instituições estrangeiras. Previsões bem estruturadas poderiam auxiliar na identificação antecipada de períodos de estiagem ou concentração extrema de precipitação, permitindo que setores como energia, agricultura, defesa civil e turismo se preparem adequadamente.

Um exemplo desse tipo de previsão é o mapa de anomalias de chuva elaborado pelo Centro Europeu no início de fevereiro. Ele indicava com precisão a redução das chuvas em grande parte das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, ao mesmo tempo em que previa o aumento das precipitações no Sul e no estado de São Paulo.  Esses dados podem ser usados por diversos setores, como os de energia, agricultura, defesa civil, turismo, etc. 

Créditos: meteologix.com

Como o fenômeno afeta a geração de energia no Brasil?

Olhando para os próximos meses, a seca associada ao aquecimento do Pacífico Equatorial tende a impactar principalmente as regiões Sudeste, Centro-Oeste e parte do Nordeste. Essas áreas concentram as principais hidrelétricas do país que, além de serem cruciais para a agricultura intensiva, dependem dos níveis dos reservatórios de água para gerar energia. Na região Sul, apesar da previsão de aumento das chuvas, episódios de precipitação extrema podem ser prejudiciais para a agricultura. Além disso, os reservatórios da região são relativamente pequenos e têm uma contribuição limitada para o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Quanto a segurança alimentar, a migração para um El Niño nos próximos meses, pode ser prejudicial para o cultivo em grandes áreas irrigáveis do país, como Sudeste e Centro-Oeste, já que nestas regiões o aumento dos bloqueios atmosféricos e a maior frequência e intensidade de ondas de calor poderá levar as plantas a um estresse térmico, que, por sua vez, irá demandar grandes quantidades de água para a irrigação. Este tipo de padrão, caso persista por muitos meses, como é a previsão atual, poderá colocar em risco a segurança alimentar, já que a maioria dos produtos que chega na nossa mesa é proveniente de pequenas cooperativas agrícolas e da agricultura familiar que não dispõem, muitas vezes, de uma grande capacidade de irrigação, como o que ocorre no agronegócio.

O primeiro mês de 2025 foi o janeiro mais quente já registrado, segundo dados divulgados pelo Copernicus. Fevereiro segue o mesmo caminho, batendo recordes de calor extremo. O que explica marcas tão expressivas mesmo sob o fenômeno La Niña?

O mês de janeiro foi o mais quente já registrado, e com o aquecimento do Pacífico Equatorial, a tendência é que as temperaturas globais continuem subindo nos próximos meses.

As mudanças climáticas que vivenciamos hoje são, em grande parte, resultado da influência da atividade humana, enquanto o El Niño e a La Niña são parte da variabilidade natural do clima. No entanto, esses fenômenos também podem ser afetados pelas mudanças no clima global. 

De maneira geral, a La Niña tende a atenuar o aumento das temperaturas, enquanto o El Niño amplifica esse efeito. Por isso, não é necessário esperar que observatórios climáticos confirmem oficialmente um El Niño para reconhecermos seus impactos. O simples fato de o Pacífico Equatorial estar se aquecendo já indica mudanças climáticas semelhantes às observadas durante um evento de El Niño.

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Márcio Cataldi possui graduação em Meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999), Mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) e Doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008). Atualmente é Professor do Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental – TER, Docente do Programa de Pós Graduação de Engenharia de Biossistemas (PGEB/UFF) e Colaborador Externo do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Biotecnologia da Universidade Federal Fluminense (PPBI/UFF). Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Micrometeorologia, Previsão do tempo e clima, atuando principalmente nos seguintes temas: camada limite, modelagem atmosférica e hidrológica, turbulência, energia, variabilidade e mudança climática, instrumentação de baixo custo e previsão do tempo e clima.

 

Por Gabriel Guimarães
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