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UFF Responde: Capacitismo

A estreia do reality show Big Brother Brasil 2024 foi pauta de discussões nas redes sociais. O motivo vai muito além dos indicados ao paredão ou as fofocas de uma festa: o debate é sobre capacitismo — discriminação contra pessoas com deficiência (PCDs) —, por conta de falas do participante Maycon direcionadas ao paratleta olímpico Vinicius Rodrigues, na primeira prova da edição. Na disputa, Maycon sugeriu chamar a prótese de Vinicius de “cotinho”, termo pejorativo que faz referência a pessoas com membros amputados. Além disso, o programa também foi criticado por falta de equidade e acessibilidade ao elaborar uma dinâmica de prova que desfavoreceu o participante. Para esclarecer a pauta, convidamos a professora Fernanda Serpa, coordenadora do Projeto Escola de Inclusão da Universidade Federal Fluminense.

O que é capacitismo?

Segundo a professora Carla Vendramim da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, capacitismo é a leitura que se faz a respeito de pessoas com deficiência, assumindo que a condição corporal destas é algo que, naturalmente, as define como menos capazes. Esse preconceito é mais comum do que possamos imaginar. Sempre ouvimos de pessoas com paralisia cerebral que são tratadas como crianças pelas outras pessoas, até o tom de voz é infantil quando falam com elas. Ora, nenhum de nós, adultos conscientes de suas atitudes, gostaríamos de ser tratados como crianças em todos os lugares nos quais nos apresentamos. A infantilização de pessoas com deficiência ocorre devido a estigmas construídos socialmente ao longo dos anos.

O que a Lei diz sobre isso?

Capacitismo é crime. O art. 88 da Lei número 13.146/15 criminaliza o capacitismo, prevendo as condutas de “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”.

O capacitismo possui uma natureza estrutural?

Sem dúvida alguma. Por muitos anos era normal que pessoas com deficiência fossem excluídas da sociedade e até mortas, por serem consideradas uma punição de Deus ou de alguma divindade para aquela população. A sociedade entende as PCDs como seres menos humanos por suas limitações.

O que são barreiras atitudinais e qual a sua relação com a discriminação contra PCDs?

As barreiras atitudinais são resultados da normatização e da internalização de atitudes que temos com os outros. Um exemplo é a frase comumente dita “não tenho braços para fazer esse serviço agora”. Usamos esse termo para dizer que não temos condições de tempo e espaço para a atividade, mas temos que pensar no que estamos falando. Podemos estar sem tempo, mas não sem braços. Viver sem os braços é algo que apenas quem não os têm pode saber o que significa. E, muitas vezes, a pessoa sem o braço dará conta do serviço que nós não conseguimos. São falas como essas que foram sendo incorporadas ao nosso vocabulário e que acabam por ajudar na discriminação contra PCDs.

De que forma políticas públicas podem influenciar nas condições de acessibilidade?

Ainda vivemos em uma sociedade onde as leis são necessárias. Então, sim, é preciso que tenhamos vagas para estacionamento, por exemplo, reservadas a pessoas com deficiência. Hoje temos legislações que direcionam um determinado percentual de vagas de emprego para PCDs, mas não adianta apenas ofertar a vaga, é preciso estar preparado para receber esse indivíduo. As políticas públicas são fundamentais para as garantias de direitos, até que chegue o dia em que estaremos prontos para assumir as diferenças e suas necessidades específicas como algo natural, respeitando o tempo e o limite de cada um.

Qual é a sua análise atual acerca dos direitos das pessoas com deficiência?

A legislação brasileira é ampla no que concerne ao direito das pessoas com deficiências, claro que às vezes com algumas ressalvas, mas as leis existem. O que falta é realmente preparar as pessoas para serem mais inclusivas. Não adianta termos leis se a maioria da população ainda não interiorizou o potencial do indivíduo com alguma deficiência. Temos que partir do contrário, olhar as potencialidades que o indivíduo tem e não as suas limitações.

Capacitismo no Big Brother Brasil 2024

O capacitismo acontece, muitas vezes, em formato de “piada” e em tons pejorativos, como foi o caso de Vinicius. São ações atreladas à linguagem e à comunicação do dia a dia. De que forma seria possível reverter esse quadro?

Essa reversão virá pela educação, pela empatia. Temos que tirar tais termos do nosso vocabulário, não podemos achar normal. Só reverteremos quando acabarmos com o discurso de que “na minha época chamávamos o colega da escola de retardado e estava tudo bem”. Será que estava tudo bem? Será que quem recebia os “apelidos” entendia como algo legal e normal? É preciso nos corrigirmos e também aqueles que estão no nosso entorno sobre o tipo de linguagem que estamos usando.

Quanto à produção do programa, qual atitude o BBB poderia ter para garantir a equidade nas provas e o respeito entre os participantes?

Qualquer programa que se propõe a ser inclusivo precisa ter profissionais preparados para auxiliar na participação de todos. É lógico que se a pessoa tem uma deficiência física, ela terá mais dificuldade em determinadas provas do que outras. Ou a prova tem que ser substituída para alguma em que haja a participação de todo o grupo ou ela tem que acontecer respeitando as limitações de cada um. Algumas pautas, como ter um PCD participando de um programa, dão visibilidade, mas é preciso ter uma equipe preparada para dar condições de participação de forma equitativa. E equidade, no caso dos PCDs, significa diferença.

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