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Estudo utiliza nanotecnologia para diagnosticar dengue, zika e chikungunya

Método desenvolvido pela UFF promete facilitar a identificação de arboviroses.

Uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) busca diagnosticar rapidamente arboviroses, como zika, chikungunya e dengue. Esse novo teste se baseia na utilização de nanopartículas de ouro para detectar proteínas específicas do organismo e indicar infecções. O método surge como alternativa aos exames tradicionais, que podem levar dias para apresentar os resultados e atrasam o início do tratamento. 

O estudo, orientado pela professora do Departamento de Química Inorgânica da UFF, Célia Machado Ronconi, em parceria com pesquisadoras do Instituto de Biologia da UFF, surge da necessidade de diagnósticos mais eficientes e rápidos, após desdobramentos da pesquisa sobre a Covid-19. “Os sintomas de doenças como dengue, zika e chikungunya são muito parecidos, o que dificulta a identificação clínica sem um exame laboratorial preciso. Decidimos, então, adaptar a metodologia que já tínhamos utilizado com sucesso para a covid-19”, explica a Profa. Célia M. Ronconi. 

Focada no desenvolvimento de uma técnica para detectar a proteína-base do vírus, o teste para arboviroses foi inspirado numa pesquisa anterior, realizada durante a pandemia da covid-19, na qual o grupo de pesquisa da UFF criou um método utilizando nanopartículas de ouro para identificar rapidamente a presença dessa proteína no organismo humano, o que resultou em uma forma eficaz de detectar o vírus. 

“Durante a pandemia, desenvolvemos um método que nos permitiu detectar a proteína espícula do SARS-CoV-2 com grande precisão. Publicamos e patenteamos nossos resultados e o sucesso desse método foi o que nos motivou a buscar sua aplicação em outros contextos, como as arboviroses”, relembra a docente.

A abordagem das Nanopartículas de Ouro

As nanopartículas de ouro foram ligadas aos anticorpos específicos da zika para detectar uma proteína chamada NS1, que aparece no sangue quando alguém está infectado pelo vírus da zika. A pesquisadora explica que as propriedades das nanopartículas de ouro são essenciais para o sucesso desse processo.

“As nanopartículas de ouro espalham muito bem a luz, então, quando elas estão ligadas aos anticorpos que identificam o vírus ou a proteína NS1, nós monitoramos a mudança no espalhamento da luz em função da alteração do tamanho destas nanopartículas”, diz a professora.

Na ausência da proteína NS1, as nanopartículas de ouro se agregam. No entanto, quando a proteína está presente, ela impede a agregação das nanopartículas. Com isso, podemos identificar a presença da proteína NS1 pela mudança no espalhamento da radiação, conforme esquema representado a seguir.

Representação do método empregado para a detecção da proteína NS1 pelas nanopartículas de ouro.

O que são as arboviroses e quais as principais ameaças? 

As arboviroses – doenças causadas por vírus transmitidos principalmente por mosquitos – são uma ameaça à saúde pública no Brasil e em diversas partes do mundo tropical. Entre as mais conhecidas estão a dengue, zika e chikungunya, que, apesar de compartilharem vetores comuns, como o Aedes aegypti, apresentam manifestações clínicas distintas e exigem estratégias de controle específicas.

A dengue é uma das arboviroses mais preocupantes. Com quatro sorotipos circulantes, uma pessoa pode ser infectada até quatro vezes, cada vez por um sorotipo diferente. A infecção pelo segundo sorotipo costuma ser a mais grave devido ao fenômeno conhecido como “potencialização dependente de anticorpos”, que pode resultar em formas graves da doença, como a dengue hemorrágica e a síndrome do choque da dengue, ambas fatais se não tratadas adequadamente. O aumento da gravidade dos casos e a dificuldade em diferenciar a dengue de outras arboviroses no início dos sintomas tornam o tratamento mais complexo no cenário atual.

 

Saiba mais sobre a dengue

 

Por outro lado, o vírus da zika, inicialmente considerado menos perigoso, mostrou-se devastador ao ser associado a complicações neurológicas severas, especialmente durante a epidemia de 2015 no Brasil. O impacto mais preocupante foi a descoberta de sua relação com a microcefalia em recém-nascidos cujas mães haviam sido infectadas durante a gestação, assim como a Síndrome de Guillain-Barré em adultos. O diagnóstico precoce e específico da zika se tornou imperativo para gestantes, devido ao risco elevado de malformações congênitas. No entanto, um dos maiores desafios é que, assim como a dengue e a chikungunya, a zika apresenta sintomas semelhantes nas primeiras fases da infecção e apresenta a mesma dificuldade de tratamento da dengue.

A chikungunya, por sua vez, é uma doença que provoca principalmente febre e dores articulares intensas, que podem durar meses ou até anos. O reconhecimento precoce da chikungunya pode ajudar a controlar a disseminação da doença e iniciar tratamentos que atenuem os sintomas a longo prazo, além de prevenir formas mais graves da infecção. Entretanto, assim como as doenças citadas anteriormente, seu diagnóstico é complexo e, hoje, pode ser demorado. 

Além das três arboviroses citadas, novas ameaças têm surgido, como o vírus oropouche, que se espalha pelo Brasil, principalmente devido ao desmatamento e à expansão urbana. O oropouche tem como principais sintomas febre, dores de cabeça e complicações neurológicas, e é transmitido por mosquitos que proliferam em ambientes de floresta degradada. Já o vírus Mayaro, uma infecção viral menos conhecida, também gera preocupação atualmente. Ambos geram preocupações devido aos seus potenciais de causar abortos e graves complicações gestacionais, semelhantes à zika. 

O vírus da zika, por exemplo, é conhecido pela sua dificuldade de detecção, pois é extremamente sensível e perde sua atividade rapidamente, o que dificulta o trabalho de pesquisa nos laboratórios. Ronconi explica que a ideia inicial era detectar o vírus diretamente, como haviam feito com o coronavírus, entretanto, perceberam que essa abordagem não funcionaria devido à instabilidade desse vírus.

A solução encontrada foi especializar o estudo com uma proteína produzida durante a infecção pelo vírus da zika, chamada NS1. “Como é uma proteína apenas produzida quando se está infectado pelo vírus, pode-se concluir que a pessoa está doente. Ela é liberada no organismo quando o vírus da zika começa a se replicar e pode ser detectada em concentrações significativas no plasma sanguíneo”, conta Ronconi. 

Próximos passos e potencial na saúde pública

A validação do método em amostras reais em pacientes é o próximo passo a ser dado  pela equipe. “Os resultados foram muito favoráveis nos testes iniciais, mas agora precisamos verificar sua funcionalidade em amostras reais de plasma sanguíneo, que podem conter interferentes.”, explica Ronconi. 

Segundo a professora de química, o desenvolvimento de testes mais rápidos e eficazes é essencial para garantir diagnósticos assertivos e direcionados. “Às vezes, é preciso esperar dias para realizar o exame e obter o resultado, mas nesse tempo a pessoa já poderia estar sendo medicada corretamente. Atualmente, muitos diagnósticos são baseados nos sintomas relatados pelos pacientes, o que pode gerar incertezas. Sem exames laboratoriais rápidos, é comum que o médico fique em dúvida entre as diferentes doenças pela semelhança dos  sintomas, como dengue, chikungunya, zika, ou até o recente vírus oropouche, que tem se espalhado devido ao desmatamento.”

Diante desse cenário, a equipe coordenada pela Profa. Célia M. Ronconi  também explora o desenvolvimento de novos tratamentos para arboviroses. O projeto tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ – Projeto Temático) e conta com uma equipe de multidisciplinar de pesquisadoras da UFF, como a Profa. Izabel Christina Nunes de Palmer Paixão (Instituto de Biologia), Profa. Helena Carla Castro (Instituto de Biologia), Profa. Caroline de Souza Barros (Instituto de Biologia) e a Profa. Vanessa Nacimento (Instituto de Química) e da PUC-Rio (Profa. Camilla D. Buarque Muller e Profa. Ana Maria Percebom S. da Silva).

Além de desenvolver métodos de diagnóstico, o grupo também trabalha na descoberta de novas moléculas que possam ter atividade antiviral contra os vírus, para completar o esforço de combate às doenças tropicais negligenciadas. De acordo com a pesquisadora, no caso da dengue, a capacidade de identificar rapidamente qual sorotipo está presente em uma população pode guiar as autoridades de saúde a tomarem medidas preventivas mais direcionadas, como campanhas de combate ao vetor e alocação de recursos para as áreas mais afetadas. Da mesma forma, um diagnóstico rápido de zika em gestantes pode reduzir os riscos de complicações congênitas e uma intervenção precoce. Na chikungunya, o rápido reconhecimento pode prevenir a cronificação dos sintomas e minimizar os danos de longo prazo.

Além disso, a Profa. Célia M. Ronconi reforça o impacto coletivo do diagnóstico. “Ao permitir o controle mais eficaz de surtos, essas tecnologias contribuem para a saúde pública como um todo. No contexto de epidemias, a detecção rápida e a diferenciação entre arboviroses podem evitar a sobrecarga nos sistemas de saúde, que frequentemente enfrentam desafios com a grande demanda por testes laboratoriais tradicionais, que demoram dias para fornecer resultados. O método estudado e proposto promete resultados em menor tempo, o que pode dar respostas muito mais eficientes às crises sanitárias”, conclui a pesquisadora. 

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Célia Machado Ronconi é Professora Associada IV do Departamento de Química Inorgânica (GQI) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Cientista do Nosso Estado-RJ (Faperj), bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e Fellow of The Royal Society of Chemistry (FRSC). Editora associada no Journal of the Brazilian Chemical Society, membro do Advisory Board da Dalton Transactions (RSC), coordenadora da área química da Faperj e membro da Rede de Nanotecnologia do Estado do RJ. Fundadora e coordenadora do Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia e do Laboratório Multiusuário de Caracterização de Materiais da UFF. A Profa. Célia Machado Ronconi é bacharel em Química pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), mestre pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e doutora em Ciências, com ênfase em Química Inorgânica, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Fez seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Los Angeles, Califórnia, EUA.

 

Por Lívia Galvão
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