A cultura no Brasil é uma manifestação de resistência, por ser um campo de expressão e identidade que, ao longo de sua história, enfrentou desafios em diversas frentes. Essa trajetória turbulenta está relacionada, por exemplo, ao cenário político, que tem oscilado entre o reconhecimento e o abandono das políticas culturais. É o caso do Ministério da Cultura (MinC), posto em xeque com Michel Temer, em 2016, quando foi extinto e reincorporado ao Ministério da Educação. Apesar de ter retornado por pressão popular, mais tarde sofreu nova extinção com Jair Bolsonaro e, quatro anos depois, retornou com o terceiro mandato de Lula. Entretanto, no meio de toda essa “batata quente”, a principal questão é: como ficam as vidas dos profissionais da cultura e dos trabalhadores dependentes dela?
Somam-se a isso os impactos causados pela Covid-19 nas ações culturais em todo o país, já que envolvem, na maioria das vezes, ações coletivas, seja em espaços fechados como teatros e cinemas, ou ao ar livre, como feiras e exposições. Por conta disso, com o intuito de estudar os impactos de políticas públicas na cultura, nasceu o projeto APOENA — Rede de Diagnóstico e Avaliação de Políticas e Ações Culturais — foco RJ. Na iniciativa, de âmbito nacional, a ideia era que universidades de todo o país buscassem apoio de emendas para conseguir realizar investigações e pesquisas sobre políticas culturais, mas o único contemplado foi o estado do Rio. A emenda foi destinada pela Deputada Federal Benedita da Silva (PT-RJ) ao Laboratório de Ações Culturais (LABAC-UFF), coordenado pelo docente Luiz Augusto Rodrigues.
“Apoena”, da língua tupi-guarani, significa “aquele que enxerga longe”. Com base nessa premissa de agir no presente, pensando no futuro, o projeto trata de uma rede multidisciplinar e multi-institucional, destinada ao estudo de ações culturais, e tem em vista desenvolver e aglutinar tanto pesquisas de nível teórico-analítico das diversas áreas da gestão das políticas culturais, quanto aquelas em diálogo com projetos aplicados centrados em aspectos regulatórios, práticos e operacionais do sistema de organização da cultura. “Assim como o termo tupi-guarani indica, entendemos que as pesquisas acadêmicas contribuem nesta mesma direção: propiciando que as políticas públicas se baseiem em dados que permitam que elas enxerguem longe”, afirma o docente.
Tal contribuição já é clara, visto que o projeto tem, em seu histórico, produtos como uma linha do tempo interativa de construção e consolidação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc (LAB), que se refere ao apoio aos trabalhadores do setor cultural impactados pela pandemia de Covid-19; diversos boletins do projeto; livros digitais com base em seus levantamentos; entrevistas e seminários. Uma de suas produções com maior destaque é o livro “Métricas culturais municipais: o RJ a partir da pandemia”, que traz detalhes sobre a implantação da LAB nos municípios do estado do Rio de Janeiro (RJ). O levantamento aponta, por exemplo, que a capital do Rio de Janeiro, único município integrante da analisada “Região Metropolitana I”, foi a que mais recebeu recurso, sendo este valor correspondente a 36,8% do total de recursos da LAB destinado às municipalidades do estado, além de ter conseguido executar 95,4% dos recursos no mesmo ano.
O livro métricas culturais traz uma série de dados sobre a cultura em todos os municípios do estado
O livro tem, inclusive, apresentação de Benedita da Silva que, aos gestores e gestoras públicas, declarou: “Nos campos de pesquisa e dados demográficos, o cenário era de apagão quanto à memória, pois não tivemos o Censo Demográfico do IBGE em 2020, e já tínhamos oficialmente o veto orçamentário para 2021. Da mesma forma, o corte de verbas para as universidades federais chegou a 80% (oitenta por cento). Portanto, apoiar os centros de pesquisa das universidades e consolidar os dados da cultura, a partir da Lei Aldir Blanc para o país e para os municípios do Rio de Janeiro, seria uma excelente forma de contribuir”.
Além disso, há também o livro “A vez e a voz do campo cultural a partir da Lei Aldir Blanc”, que reúne um conjunto de entrevistas disponibilizadas no canal do YouTube UFF LABAC. O título, como explicam no livro, é por entenderem a grande importância que a lei trouxe para os trabalhadores culturais, que atende àqueles que raramente têm vez nas políticas públicas de cultura e dá voz a muitos agentes do setor, nem sempre “ouvidos” pelas mesmas políticas. Em relação à atuação da sociedade civil, o coordenador do projeto também possui boas expectativas para o futuro. “As formas de participação da sociedade ficaram cada vez mais estimuladas desde a pandemia, por meio de recursos digitais, que agora não serão abandonados. Acredito que essa criação de uma rede de articulação a partir da divulgação nas redes sociais foi como o LAB aconteceu. Além desse, outro momento importante nesse sentido foi o “#FicaMinC”, quando Temer extinguiu o Ministério da Cultura e teve que retroceder, por pressão popular. A gente vem se acostumando, no campo da cultura, a fazer isso”, finaliza.
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Luiz Augusto Rodrigues é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (1987) e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (1997). É professor Titular do Departamento de Arte da UFF, vinculado ao quadro docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades / PPCULT, o qual ajudou a criar (2012) e coordenou (2013-2016). Atua, também, junto ao curso de Produção Cultural, bacharelado o qual ajudou a criar (1995) e coordenou (2011-2012). Coordena o Laboratório de Ações Culturais -LABAC / UFF (criado em 1999).