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Conheça a realidade das mulheres lésbicas e bissexuais em favelas no estado do Rio

Projeto da UFF mapeia elementos da vida social, cultural e econômica no complexo da Maré, Niterói e São Gonçalo

Em agosto é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, um marco importante para o reconhecimento e a valorização da diversidade e da luta desse grupo. No entanto, essa data vai além de uma celebração: ela dialoga com a importância do alcance da igualdade de gênero e com os desafios enfrentados pelas mulheres, que são frequentemente invisibilizadas.

Uma iniciativa que busca compreender essa realidade é o projeto de pesquisa “Mapeamento Social, Cultural e de Emprego e Renda das Mulheres Lésbicas e Bissexuais de Favelas de Niterói e São Gonçalo”, coordenado pela professora Beatriz Adura Martins, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). O projeto possui como objetivo mapear modos de sociabilidade e formas de emprego e renda de mulheres lésbicas e bissexuais que vivem em favela, e, para isso, foi dividido em duas etapas, sendo a primeira no Complexo da Maré e a segunda em Niterói e São Gonçalo.

A pesquisadora da UFF, juntamente com o apoio de bolsistas de graduação, pós-graduação e lésbicas oriundas de favelas, conta que a motivação para o desenvolvimento desse trabalho surgiu com o movimento social das lésbicas organizadas, que já atuam há mais de 10 anos na Maré com a luta pela visibilidade das mulheres dessa comunidade. “À medida que avançamos a pesquisa na Maré, vimos que existem duas frentes importantes. Uma de ver que as lésbicas são totalmente colocadas no subemprego e a outra de ver que a vida das lésbicas faveladas é, de alguma forma, um encontro na luta contra a militarização das favelas”, relata Beatriz.


Créditos: Beatriz Adura Martins

Já a segunda etapa da pesquisa, em Niterói e São Gonçalo, contou com a ajuda psicossocial do grupo de pesquisa e extensão da UFF, do Grupo Gênero, Sexualidade, Corpo e Psicologia, a GSEX, um grupo de pesquisa e extensão de psicólogos da UFF que mapeia as violências sofridas pela população LGBTQIA +, principalmente em Niterói e São Gonçalo, e da Coletiva Resistência Lésbica da Maré, que colaborou para que as lésbicas das duas cidades pudessem ver a força do movimento. “Temos um problema similar, que encontramos na Maré, que é o fenômeno da expulsão de casa. Assim como na Maré, a gente não viu nenhuma interferência do tráfico. A escolaridade dessas meninas é baixa; no máximo até o ensino médio. As respondentes geralmente têm até 40 anos. Não conseguimos abarcar uma população de sapatão mais velha, tanto na Maré como nas favelas de Niterói e São Gonçalo. E o nome lésbica ou bissexual não é reconhecido de primeira. Elas se reconhecem como ‘eu me relaciono com mulher’, mas se afirmar ‘eu sou lésbica’ é um processo que ainda não é claro para as meninas”, explica Beatriz.

Uma casa de acolhimento para as lésbicas expulsas dos lugares onde viviam, criada na Maré, chamada “Casa Resistência da Maré”, serviu de incentivo para que as lésbicas de Niterói e São Gonçalo se sentissem motivadas a participarem do projeto. De acordo com a professora responsável, “A gente criou um acolhimento para as lésbicas expulsas de casa, que também é um polo cultural para mulheres faveladas. Essa casa foi muito importante para as meninas de Niterói e de São Gonçalo conhecerem e falarem. De alguma forma deu força para a pesquisa e para algumas meninas quererem responder. Quase que num sentido “nossa, isso precisa ter aqui nas favelas de Niterói e São Gonçalo””.

A pesquisa gerou bolsas para estudantes de graduação da UFF, fruto de uma emenda parlamentar, a convite da deputada Talíria Petrone, que ofertou o financiamento da pesquisa em Niterói e São Gonçalo, fazendo com que fosse incentivado que lésbicas negras de favela se inscrevessem, sendo que, das oito bolsistas do projeto, seis eram mulheres negras e cinco eram mulheres da favela. Além disso, o lançamento oficial do mapeamento vai acontecer no dia 30 de agosto no Viva Sapatão, em Niterói. Os planos futuros do projeto envolvem a conversa com parlamentares, com o objetivo de construir uma política não militarizada para as meninas.

“O debate do racismo geográfico e do poder discutir a favela por um lugar de não mais criminalização ou do romantismo é importante. Entender que tem população que vive sua lesbianidade a partir das vivências faveladas é importante. A lesbianidade na favela é produzida por uma experiência geográfica e ser lésbica na favela é exercer a lesbianidade diferente e isso nos interessa muito. O pensar que a favela ensina modos de vida. É por isso que queríamos fazer a pesquisa”, finaliza a professora.


Créditos: Beatriz Adura Martins

Para conhecer mais sobre o mapeamento na favela da Maré, é possível acessar o boletim eletrônico “Maré Notícias” a seguir: https://www.redesdamare.org.br/media/downloads/arquivos/MN_137_junho2022.pdf. Há também um site com informações relacionadas à Coletiva Resistência Lésbica da Maré, em que se conta a história do grupo e relata-se o mapeamento no local: https://wikifavelas.com.br/index.php/Coletiva_Resist%C3%AAncia_L%C3%A9sbica_da_Mar%C3%A9_(Complexo_da_Mar%C3%A9_/_Rio_de_Janeiro_%E2%80%93_RJ). Para ler o “Mapeamento Sócio-Cultural-Afetivo das Lésbicas e Mulheres Bissexuais do Complexo da Maré”, acesse em: https://loja.metanoiaeditora.com/mapeamento-socio-cultural-afetivo-das-lesbicas-e-mulheres-bissexuais-do-complexo-da-mare

Beatriz Adura Martins é professora Adjunta do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF – Niterói), é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre e doutora em Psicologia pela UFF. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Estudos da Subjetividade, atuando principalmente nos seguintes temas: comunidade LGBTQIA +, mapeamento sócio afetivo cultural de lésbicas e bissexuais e direitos humanos.

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