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Pesquisador da UFF esclarece as motivações históricas da guerra entre Rússia e Ucrânia

Na madrugada dessa quinta-feira, 24 de fevereiro, o presidente Vladimir Putin anunciou a inauguração de uma operação militar na Ucrânia. Tropas russas invadiram as fronteiras em diferentes direções e explosões foram ouvidas em várias cidades, incluindo a capital Kiev. O evento se sucede após muitas semanas de tensão e ameaças de invasão por parte da Rússia. Apesar de o confronto armado ter se iniciado hoje, as desavenças entre os países são antigas e têm décadas de desdobramentos.

Com o intuito de fornecer informações precisas e embasadas historicamente sobre o atual conflito, potencialmente de grandes dimensões, envolvendo esses e outros países, e promover reflexões que possam auxiliar as pessoas a lidar com esse momento, compartilhamos uma conversa que tivemos com o professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (INEST) e pesquisador da Universidade de Harvard Vitelio Brustolin.

Desenvolvendo pesquisas nas áreas de defesa nacional, direito internacional, nações unidas, governança global e análise de guerra, entre outras temáticas afins, Vitelio elaborou uma análise sobre a situação de confronto armado que se instalou entre a Ucrânia e a Rússia. Acompanhe, abaixo, o resultado dessa troca, que aconteceu ao longo de toda a última semana, em compasso com os acontecimentos que se sucederam no mundo.

(JORNALISMO) Você poderia contextualizar historicamente o que levou a esse cenário atual de guerra entre a Rússia e a Ucrânia?

Em 1954, o primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev transferiu a Península da Crimeia da Rússia para a Ucrânia. Ambas as repúblicas faziam parte da União Soviética e respondiam perante o governo de Moscou. Contudo, em agosto de 1991, a Ucrânia se tornou um país independente, pouco antes da dissolução da União Soviética, ocorrida em dezembro de 1991. Apesar disso, a Ucrânia é vista pela Rússia como parte de sua esfera de influência. Essa visão russa segue uma versão modernizada da Doutrina Brejnev sobre “soberania limitada”, que postula que a soberania da Ucrânia não pode ser maior que aquela que existia durante o Pacto de Varsóvia – que era a organização internacional que fazia frente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Guerra Fria.

Após a dissolução da União Soviética, em 1991, Ucrânia e Rússia continuaram a manter laços estreitos durante décadas. A relação de confiança era tanta que, em 1994, através do Memorando de Budapeste, a Ucrânia se desfez do seu arsenal nuclear, com a concordância da Rússia, dos Estados Unidos e do Reino Unido, que se comprometeram a garantir a segurança ucraniana contra ameaças à sua integridade territorial ou à sua independência política. O acordo foi além: em 1999, a Rússia foi uma das signatárias da Carta para a Segurança Europeia, na qual “reafirmou o direito inerente de cada Estado participante de ser livre para escolher ou alterar seus acordos de segurança, incluindo tratados de aliança”.

Outro ponto de acordo entre Rússia e Ucrânia foi a divisão da frota do Mar Negro. A Ucrânia concordou em autorizar o uso de várias instalações navais, incluindo as do Porto de Sevastopol, na Crimeia, para que a frota russa do Mar Negro pudesse continuar localizada lá, juntamente com as forças navais ucranianas e conectando-se com a frota do Mar de Azov. É importante destacar a importância geopolítica daquela área, por ser um acesso da Rússia às águas quentes (ou seja, navegáveis durante o ano todo). O Mar Negro dá acesso ao Mar Mediterrâneo via Istambul.

No entanto, ao longo da década de 1990, Rússia e Ucrânia passaram a ter atritos em razão de disputas em torno de gás natural. Esses atritos se transformaram em confrontos sérios, atravessando a década de 2000. A Rússia ficou abalada com a chamada “Revolução Laranja”, que ocorreu na Ucrânia, em 2004, na qual Viktor Yushchenko foi eleito presidente, em vez do candidato pró-Rússia Viktor Yanukovych. Além disso, a Ucrânia passou a cooperar mais com a Otan, destacando o terceiro maior contingente de tropas para o Iraque em 2004, além de enviar forças de manutenção da paz às missões da Otan no Afeganistão e em Kosovo.

(JORNALISMO): Você poderia detalhar como foi a atuação da OTAN nesse conflito?

Primeiramente, essa organização internacional foi criada em 1949, apresentando o seu principal objetivo no Art. 5º do Tratado: “os aliados concordaram que um ataque armado contra um ou mais deles será considerado um ataque contra todos eles”. Como resposta, em 1955, a então União Soviética criou uma organização internacional rival, o Pacto de Varsóvia, que foi extinto em 1991, com a dissolução soviética. Pois bem, em 1990, o então presidente dos EUA George Bush prometeu ao líder russo Mikhail Gorbachev que a Otan não “se moveria nem uma polegada para o leste” além da Alemanha, se esse país fosse unificado. Essa foi uma promessa verbal e ela foi descumprida. Esse descumprimento ocorre, em boa medida, porque tanto a Otan quanto a Rússia têm objetivos expansionistas.

O primeiro alerta vermelho para o Leste Europeu aconteceu em 1994. A União Soviética já estava dissolvida e a República da Chechênia queria independência, mas a Rússia não concordou. Tinha, assim, início a primeira Guerra da Chechênia, que perdurou de dezembro de 1994 a agosto de 1996. Mais de 50 mil civis foram mortos. A questão é que, neste caso, a Rússia não concordou em aplicar o princípio da “autodeterminação dos povos”, da qual, no entanto, ela se utiliza na anexação da Crimeia.

A Primeira Guerra da Chechênia foi determinante para que países do Leste Europeu e a Otan se aproximassem. As negociações para adesão da República Tcheca, Hungria e Polônia à Otan começaram em 1997 e se concretizaram em 1999, quando esses três países aderiram à organização. Em 1999, teve início a Segunda Guerra da Chechênia, que perdurou até 2009, se estendendo por dez anos. Por sua vez, de 2004 a 2009, foi a vez de Eslováquia, Bulgária e Romênia, todos países do Leste, aderirem à Otan. Além disso, durante esse período também ocorreu a adesão de três ex-repúblicas soviéticas: Estônia, Letônia e Lituânia.

É claro que essa junção desagradou a Rússia, que já estava insatisfeita com a Ucrânia, uma vez que não havia renovado a autorização para uso das instalações navais na Crimeia, fazendo com que as tropas russas tivessem que deixar a região até 2017. Contudo, em 2010, um presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych, foi eleito na Ucrânia. Ele assinou um novo acordo que permitia a presença das tropas russas na região, além de autorizar o treinamento de militares na península de Kerch. Isso foi apontado como inconstitucional, já que a Constituição da Ucrânia desautoriza tropas estrangeiras permanentes no país após a expiração do Tratado de Sevastopol.

A insatisfação inicial na Ucrânia foi ressonante, mas aumentou em setembro de 2013, quando a Rússia advertiu que se a Ucrânia avançasse com um acordo de livre comércio com a União Europeia, “enfrentaria uma catástrofe financeira” e “possivelmente o colapso do Estado”. Diante disso, Yanukovych recuou e se recusou a assinar o tratado com a União Europeia, refutando uma negociação que estava sendo feita há anos e que ele mesmo havia aprovado anteriormente.

Essa decisão do então presidente ucraniano de suspender a assinatura do Acordo entre União Europeia e Ucrânia, escolhendo, em vez disso, estreitar laços com a Rússia e a com União Econômica Eurasiática, levou multidões às ruas da Ucrânia para protestar no evento que foi inicialmente chamado de “Euromaidan”. Os protestos duraram três meses, de 21 de novembro de 2013 a 23 de fevereiro de 2014 e culminaram no impeachment de Yanukovych, enquanto ele fugia para a Rússia.

Para aumentar o aparelhamento de milícias ucranianas pró-Rússia, o país aproveitou esse momento. Além disso, enviou soldados sem identificação russa para a Ucrânia, ocupando, sobretudo, a região da Crimeia – a mais rica da Ucrânia -, mas também ocupando parte da região de Donbas. A decisão da Rússia de invadir a Península da Crimeia foi tomada em 20 de fevereiro de 2014. Tropas e forças especiais se deslocaram para a Península através de Novorossiysk. Em 27 de fevereiro, forças russas sem identificação e insígnias começaram a tomar o controle da Crimeia.

Foram essas tropas que capturaram o Parlamento da Península. A anexação foi concluída em 18 de março de 2014. Atualmente a Ucrânia considera que a Crimeia está ocupada pelos militares russos, mas não reconhece a perda do território. Além disso, move uma ação na Corte Internacional de Justiça (o Tribunal da ONU) contra a Rússia, acusando-a de financiamento ao terrorismo e discriminação racial.

Uma questão que sempre ouço é: por que os soldados russos que tomaram a Crimeia não usavam identificação russa, nem os carros de combate e equipamento que utilizaram eram identificados? A resposta é que Vladmir Putin estava se esquivando do Direito Internacional nesse caso. Guerras de anexação são proibidas pela Carta das Nações Unidas (que é o tratado de criação da ONU). Na verdade, conflitos com o uso da força deveriam ser autorizados pelo Conselho de Segurança, do qual a própria Rússia e os Estados Unidos são membros permanentes. Esse conflito não foi autorizado e a Rússia nega que tenha enviado militares para lá.

Cabe ainda mencionar que, no caso da Crimeia, o governo russo defende o princípio da “autodeterminação dos povos”, ao contrário do que fez nas duas guerras contra a República da Chechênia. A anexação da Crimeia é a maior tomada de território na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Tecnicamente, portanto, desde 20 de fevereiro de 2014, está ocorrendo a Guerra Russo-Ucraniana. Os números variam, mas estima-se que as baixas se aproximem de 16 mil até o momento. Além da Crimeia, a Rússia também ocupou a vila de Strilkove e passou a controlar a região de Donbas oriental.

(JORNALISMO): Como o mundo reagiu às ações levadas a cabo pela Rússia?

A Rússia recebeu sanções de diversos países, incluindo uma proibição total das importações de alimentos por parte da Austrália, Canadá, Noruega, Estados Unidos e União Europeia. Essas sanções contribuíram para o colapso do Rublo russo, que passou a ser desvalorizado no câmbio internacional, e para a crise financeira que tomou o país na sequência. Além disso, causaram danos econômicos a vários países da União Europeia, com perdas totais estimadas em 100 bilhões de euros.

Embora a anexação da Crimeia tenha feito a popularidade de Putin disparar de 60% para 80% dentro da Rússia em 2014, a aprovação do presidente passou a cair devido aos efeitos econômicos das sanções. Putin passou a acusar os Estados Unidos de conspirar com a Arábia Saudita para diminuir o preço do petróleo, a fim de enfraquecer internacionalmente a economia russa. Em 2018, após o anúncio da reforma previdenciária, aumentando a idade de aposentadoria, a popularidade de Putin voltou a cair para cerca de 64%.

O conflito, no entanto, permaneceu em aberto e está claro que também há razões de política e economia internas para Putin escalar a guerra na Ucrânia. Em março de 2021 a Rússia passou a enviar milhares de soldados e armamentos para a fronteira com a Ucrânia. O número de militares russos em operação na região ultrapassou 175 mil. Teve início um novo momento da guerra iniciada em 2014.

Putin exige que a Ucrânia não ingresse jamais na Otan. Além disso, exige que a Otan exclua os membros que ingressaram após 1997. Por fim, exige a retirada das tropas e do material bélico da Otan na Europa Oriental. A Otan rejeitou as exigências. Por sua vez, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não recua do ingresso de seu país na Organização. “A entrada [na Otan] garantiria a nossa segurança”, afirma Zelensky, ressaltando que “a segurança da Ucrânia é a segurança da Europa”. A Ucrânia também busca ingressar na União Europeia.

Putin reconheceu a soberania de Donetsk e Luhansk, duas regiões no leste ucraniano que são controladas por separatistas pró-Rússia. Além disso, enviou militares para a região sob o pretexto de pacificar a área. Esses atos do governo russo foram considerados uma violação do direito internacional por diversos líderes internacionais, como Joe Biden (EUA), Boris Johnson (Reino Unido), Emmanuel Macron (França), Ursula von der Leyen (Comissão Europeia) e António Guterres (ONU), entre outros. Isso porque implica uma violação unilateral dos compromissos internacionais da Rússia nos acordos de Minsk e um ataque à soberania da Ucrânia.

A despeito disso, a Rússia prosseguiu com as ações e invadiu a Ucrânia. Isso começou com um ataque padrão: primeiro, ataques cibernéticos ao Comando & Controle ucraniano. Em seguida, mísseis e a neutralização de sistemas de defesa antiaérea, bem como, a infraestrutura de bases militares. Em seguida, tropas. Pelo menos dez cidades foram bombardeadas, incluindo a capital, Kiev. A terceira fase tem apoio naval, mas é quase totalmente terrestre – infantaria mecanizada e helicópteros de ataque tomam as principais linhas de comunicação. Na sequência, tropas aeromóveis e mecanizadas ocupam pontos estratégicos do território ucraniano, já completamente invadido. Um padrão semelhante ao adotado pela Rússia na Geórgia em 2008, porém atualizado e adaptado. Putin está determinado a derrubar o presidente ucraniano Zelensky.

Como retaliação imediata, a Otan e seus aliados estão impondo um pacote maciço de sanções econômicas destinadas a enfraquecer a economia russa. Além disso, os Estados Unidos estão enviando ainda mais tropas para o Leste Europeu. Mais de 44 milhões de pessoas vivem na Ucrânia. Uma escalada na guerra pode desencadear a maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial.

(JORNALISMO) Como você avalia as perspectivas de essa conjuntura se desdobrar em uma tão temida terceira guerra mundial?

É improvável que cheguemos a tanto neste conflito. No fim das contas, o que pode realmente evitar uma escalada maior da guerra é a dissuasão, ou seja, a negação do uso da força devido à provável resposta bélica do oponente. É uma questão racional: o que se tem a perder pode ultrapassar a expectativa do que se tem a ganhar. Veja que o próprio Putin questiona como os Estados Unidos reagiriam se a Rússia instalasse mísseis nas fronteiras do Canadá ou do México.

De fato, já houve na história um episódio similar: na crise dos mísseis de 1962, a então União Soviética estava implantando mísseis em Cuba, a uma distância de apenas 145 quilômetros do litoral da Flórida. A proximidade do armamento colocava em risco a capacidade dos Estados Unidos de usar as baterias antiaéreas, porque não haveria tempo suficiente para conter eventuais ataques. Isso colocava em risco boa parte do território dos EUA e poderia potencialmente causar a morte de 100 milhões de estadunidenses. Seguindo os termos do acordo firmado entre John F. Kennedy, então presidente dos Estados Unidos, e o líder soviético Nikita Kruschev, os mísseis foram retirados de Cuba, com a garantia secreta de que os EUA retirariam os seus próprios mísseis da Turquia e da Itália, que alegadamente estavam próximos a se tornar obsoletos.

A contextualização da crise dos mísseis de Cuba (16 a 28 de outubro de 1962) ajuda na constatação de que a localização e a operacionalidade do armamento devem ser consideradas juntamente com a quantidade dos arsenais. Nunca estivemos tão próximos da Terceira Guerra Mundial quanto naqueles 13 dias de impasse. Neste momento, uma das exigências de Putin é de que a Otan retire tropas e material bélico da Europa Oriental. Putin também quer que sejam interrompidas as atividades militares da Otan em países vizinhos, da Europa Oriental ao Cáucaso e à Ásia Central.

Ao atacar a Ucrânia, Putin ameaçou que: “quem interferir levará a consequências nunca antes experimentadas na história”. Ele também afirmou que “todas as decisões já foram tomadas e que os russos precisam se preparar para mudanças”. Por outro lado, o Secretário Geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que o “brutal ato de guerra” russo destruiu a paz no continente europeu, pois a aliança liderada pelos EUA mobilizou mais tropas para se deslocarem em direção à Europa Oriental.

(JORNALISMO) Caso uma grande guerra viesse a acontecer, como você avalia o potencial uso das armas atômicas?

Embora Putin tenha admitido posicionar armas nucleares em Belarus contra a Otan, uma guerra nuclear nesse conflito é altamente improvável. Uma guerra convencional entre estados específicos, no entanto, já está acontecendo. A estratégia para uma guerra atômica tem diferenças importantes em relação à estratégia convencional. Isso porque, no primeiro ataque, é preciso destruir ao máximo a capacidade do oponente de contra-atacar. Ou seja: quem desfere um ataque nuclear precisa eliminar os locais de lançamento de mísseis de contra-ataque; caso contrário, os dois lados serão alvejados e poderão se destruir mutuamente.

A questão é que muitas armas não estão em terra, mas em submarinos nucleares cuja localização é incerta. Por isso, os submarinos – sobretudo os nucleares, que têm maior autonomia, são maiores e mais silenciosos do que os convencionais – são armas tão estratégicas: ao mapear o território do oponente e de aliados em busca de locais de lançamento de armas nucleares, é muito difícil determinar em que local do planeta estão os submarinos.

Além disso, há diversos riscos que afastam a possibilidade de uma guerra nuclear: primeiramente, o risco de destruição mútua, ou de perdas consideráveis de cidades inteiras e milhões de habitantes; segundo, o risco de se prejudicar o mundo todo, gerando um potencial inverno nuclear e perdendo-se muito mais que se ganharia com a guerra; terceiro, o risco de se vencer a guerra e se conquistar um território inútil devido à radiação. Veja, a guerra também é regida pela racionalidade. Destruir o planeta seria irracional e ruim para todos. Enfim, se de fato houver o uso da força, é provável que seja por meio de guerra não atômica.

(JORNALISMO) Como o Brasil se localiza em meio a essas conjunturas de forças? Quais alianças das quais participa?

O Brasil e outros países tentam, há anos, promover uma reforma na ONU que aumente a quantidade de assentos permanentes no Conselho de Segurança. No caso brasileiro, almejamos que um desses assentos permanentes seja nosso. Como essa reforma dificilmente será feita, pois quem tem poder não quer abrir mão dele e nem o compartilhar, o Brasil é atualmente um membro eleito do Conselho, com outros nove países. O mandato é temporário e não há direito de veto. Quanto ao conflito Rússia-Ucrânia, nosso país tem muito mais a perder do que a ganhar.

Observando tudo com atenção, mas já tendo declarado apoio à Rússia, está a China, que é um ator muito poderoso nesse reaquecimento da Guerra Fria. Note que o Ministério das Relações Exteriores da China recusa as sanções contra a Rússia por considerá-las ineficazes, além de advertir que “tais medidas poderiam ter efeitos mais amplos sobre os interesses de Pequim.” O Brasil é um dos membros do BRICS (juntamente com a Rússia, Índia, China e África do Sul), mas esse é um grupo informal e não tem foco na área de defesa. Cabe ainda destacar que durante o governo Trump, nós abrimos mão do status de “país em desenvolvimento” na Organização Mundial do Comércio (OMC) para, em troca, nos tornarmos um aliado preferencial extra-Otan dos Estados Unidos. Contudo, foi mantida e executada a visita presidencial à Rússia, que acabou sendo criticada pelos Estados Unidos.

(JORNALISMO) Quais pactos atualmente em vigor e organizações ativas que podem funcionar como uma contenção para evitar essa e outras guerras?

Na teoria, nenhum país que aderiu às Nações Unidas pode ir à guerra sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU. Logo, se formos considerar que o principal objetivo da ONU é manter a paz, o seu órgão mais importante é o Conselho de Segurança. Os cinco principais países que saíram vitoriosos da Segunda Guerra Mundial têm assentos permanentes no Conselho de Segurança: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China. Esses cinco também têm direito de veto. Ou seja: se algum deles se opuser a alguma ação, ela não poderá acontecer. Isso paralisou o Conselho de Segurança durante décadas, sobretudo durante a Guerra Fria, pois os Estados Unidos e a então União Soviética não entravam em acordo. O mesmo ocorre agora, na questão da Ucrânia.

Em outras palavras, a soberania da Ucrânia deveria ser defendida por alguns dos países que estão neste conflito. Essa paralisia do Conselho deu mais espaço moral para a Assembleia Geral da ONU, que passou a fazer recomendações para o Conselho de Segurança, mas sem poder de fato nessa área. A Assembleia reúne atualmente os 193 países membros – praticamente todos os países do mundo, inclusive alguns que tiveram conflitos recentes com vizinhos, como Coreia do Norte e Irã.

Paralelamente à ONU, desenvolvemos o Direito Internacional para tentar prevenir as guerras. Um tratado importante, por exemplo, é o de “Não Proliferação de Armas Nucleares”, que entrou em vigor em 1970. Ainda assim, as guerras continuam existindo. O maior teórico dos Estudos Estratégicos, Carl von Clausewitz, afirma que a essência da guerra “é um ato de força para submeter o oponente à nossa vontade”. Chega-se a um ponto da política – da diplomacia – em que as negociações não avançam e não há acordo.

Há também alguns tratados que poderiam ajudar a amenizar o conflito atual, mas eles foram sendo abandonados. Um deles é o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, do qual os Estados Unidos se retiraram em 2001, durante a administração de George Bush. Como resposta, Putin, que está no poder desde 1999, ordenou um aumento das capacidades nucleares da Rússia. Buscando um reequilíbrio, em 2002, Estados Unidos e Rússia assinaram o Tratado de Reduções da Ofensiva Estratégica. Este tratado determina a redução das ogivas nucleares estratégicas implantadas, mas não tem qualquer mecanismo de aplicação.

Isso tudo não quer dizer que estaríamos melhor sem a ONU, sem o Direito Internacional. Embora nem as organizações internacionais e nem o Direito Internacional sejam eficazes em prevenir as guerras, o mundo é notoriamente melhor com eles do que sem.

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