Nas últimas semanas, o brasileiro vive os efeitos das mudanças climáticas. Seca no norte, enchentes na região sul e um calor histórico no sudeste. Para explicar esses fenômenos que interferem no cotidiano da população, o meteorologista e docente da UFF Márcio Cataldi aponta que as ondas de calor são causa principalmente do efeito estufa somados ao El Niño e ao aquecimento dos oceanos. Como consequência, impacta inclusive a produção de energia no Brasil e a solução são medidas de médio e longo prazo.
Leia a entrevista na íntegra:
Quais são os fatores que estão provocando essa onda de calor?
As ações do homem estão liberando mais gases que esquentam o planeta, causando um desequilíbrio. Isso significa que temos mais calor retido perto da superfície do que o normal, como era antes da Revolução Industrial. Alguns desses gases estufa que estão agora na atmosfera não estariam aqui se não houvesse tanta interferência humana, pois são produzidos quando queimamos coisas ou mexemos com matéria orgânica que estava enterrada. Por causa disso, quase todos os oceanos do mundo estão ficando quentes, exceto o Pacífico Equatorial, que ficou frio nos últimos 3 anos por causa do La Niña. Agora, com o El Niño, as águas deste oceano estão esquentando, e quase todos os oceanos estão ficando quentes novamente desde maio. Segundo a ONU, a concentração de gases do efeito estufa bateu recorde em 2022.
Qual a diferença entre o El Niño deste ano e os anteriores? Seria ele um super El Niño?
Ele está bem forte, mas a questão é que agora todos os outros oceanos também estão muito quentes, como é o caso do Atlântico, que é o grande regulador térmico do planeta.
Desta forma os efeitos “normais” do El Niño que são, basicamente, mais chuva no sul, seca no Norte e Nordeste e aumento das temperaturas do Sudeste e Centro-Oeste, estão amplificados e muito mais intensos, já que contam com a contribuição de outros fatores, muitos deles associados ao aquecimento do oceano Atlântico.
A fonte de energia no país é primariamente originária de hidrelétricas, como essa onda tem afetado no momento a produção de energia, sendo que estamos batendo recordes de consumo devido a sistemas de refrigeração?
Durante os últimos 3 anos o sistema hidrelétrico conseguiu se recuperar e criar um bom estoque de água armazenada. Mas se continuarmos desse jeito a coisa pode se complicar, porque o Sul, onde mais está chovendo, não possui grandes reservatórios e já estão todos lotados. O grande problema é a distribuição, já que as companhias que fazem esta parte não modernizaram o sistema. Ou seja, nas cidades, vai faltar luz sempre que tivermos qualquer evento extremo, seja de calor, chuva ou vento, mesmo que tenha energia para chegar nas casas.
Se as ondas de calor continuarem, como ficará no verão? Como isso irá interferir no cotidiano das pessoas?
O El Niño deverá permanecer até janeiro ou fevereiro ainda com bastante força. Até lá estas condições devem permanecer em praticamente todas essas regiões, com possíveis novos recordes de temperatura nos próximos meses. Assim, diante desse calor, as pessoas devem ingerir muita água. Vale lembrar que o calor pode levar, inclusive, a morte. Na Europa, no ano de 2022, cerca de 70 mil pessoas morreram em circunstâncias ligadas diretamente às ondas de calor.
As ações para controle desses gases, propostas em acordos anteriores, ainda seriam eficazes caso fossem efetivamente implementadas ou já é necessário recalcular a emissão e estabelecer novas metas?
Não existem metas sendo cumpridas em relação às emissões. Vamos bater recordes de novo este ano. Infelizmente parece que o negacionismo climático e a ganância por mais e mais lucro estão vencendo esta guerra.
Quais ações imediatas/políticas públicas poderiam ser tomadas/implementadas visando mitigar esses efeitos no Brasil nos próximos anos?
O Brasil tem problemas estruturais muito sérios e que só serão agravados com os extremos climáticos. Deveríamos investir em ciência e tecnologia para aumentarmos a nossa capacidade de prever estes eventos. Investir em educação ambiental para que as pessoas façam a sua parte em relação às emissões de gases de efeito estufa e que compreendam melhor o que está acontecendo com o planeta. Precisamos também que as empresas de distribuição modernizem todo o sistema das grandes cidades. E o Estado precisaria criar planos de emergência e trabalhar com as previsões, de forma séria e comprometida, o que não está acontecendo até agora.
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Márcio Cataldi é graduado em Meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999), com Mestrado em Engenharia Mecânica (2002) e Doutorado em engenharia Civil (2008) obtidos pela COPPE/UFRJ. Atualmente é Professor Associado III do Departamento de Engenharia Agrícola e do Meio Ambiente da UFF, Coordenador do Laboratório de Monitoramento e Modelagem do Sistema Climático – LAMMOC, Docente do Programa de Pós Graduação de Engenharia de Biossistemas (PGEB/UFF) e do programa de Pós Graduação em Engenharia Mecânica da UFF (PGMEC/UFF), Colaborador Externo do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Biotecnologia da Universidade Federal Fluminense (PPBI/UFF) e pesquisador visitante no Grupo de modelagem atmosférica regional – MAR GROUP da Universidade de Múrcia – ES. Tem experiência na área de modelagem atmosférica e climática, energia, sustentabilidade, previsão do tempo e clima, mudanças climáticas, clima e saúde, modelagem hidrológica, camada limite atmosférica, instrumentação de baixo custo e desastres naturais.